A DOR DO ESQUECIMENTO,
JOSÉ VIEIRA
JOSÉ VIEIRA
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Fotografia da minha autoria |
«Somos o que vivemos»
A memória é parte imprescindível da nossa identidade. É, inclusive, uma arma poderosa, que nos vale em diversos momentos de nostalgia, convicção ou hesitação. Por isso, quando a fragilidade a envolve, há uma quebra na história que partilhamos com o mundo, deixando-nos mais vulneráveis e com um certo desfasamento da realidade. Mas quando estes contornos são a consequência de uma doença, há um fosso que nos desorienta e que nos distancia de quem somos, tal como acontece na mais recente obra de José Vieira - pseudónimo de Teresa Vieira Lobo.
«A palavra doente continua a ecoar na minha cabeça» [p:15]
A Dor do Esquecimento é uma reflexão muito franca acerca da nossa relação com as lembranças que nos marcam - e que nos fogem - e com o impacto das lacunas que se vão sentindo; com a perda de fragmentos tão pessoais, compreendendo que somos tão pouco quando o Alzheimer se cruza no nosso caminho, numa colisão que não temos capacidade de controlar. E mesmo que tentemos adiar o desfecho iminente, lá no fundo, sabemos que é inevitável e que chegará a uma altura em que estes dilemas não serão mais do que pontos turvos na nossa jornada.
«Um dia tudo muda e, quando esse dia chega, parecemos não ter a consciência de que estamos a assistir a uma transformação» [p:25]
A Teresa entrou em contacto comigo, para me propor a leitura e crítica do livro, e eu fiquei bastante expectante, até porque já tinha tido a oportunidade de ler o seu Alecrim. Assim que mergulhei na história, tornou-se angustiante ver como a noção do presente é débil e como os momentos de lucidez tendem a ser tão raros. Talvez por essa razão tenha apreciado tanto a própria estrutura, pois transmite mesmo essa perda, como se não fossemos mais do que instantes dúbios. Além disso, foi interessante desconstruir a perceção da protagonista, atendendo a que crê que estão todos contra si e que apenas procuram prejudicá-la. Gerindo a mágoa, a sensação de abandono e a negação, é percetível o seu medo, bem como o sentimento de traição e o confronto com aquilo que desconhece. Em devaneios que nos inquietam e entristecem, é desolador ver a progressão da doença e da sua influência na vida real.
«Tempo que foge. Esgota-se nas nossas mãos. A sua
fuga é a sentença da nossa mortalidade» [p:37]
A narrativa estabelece, ainda, uma ponte para a imagem que se perpetua dos lares. Para a dor experienciada pela família, para a impotência que se repete e para a compaixão que nasce por aqueles que se encontram fora de si. E para o medo do que virá a seguir, virando-nos do avesso. Porque o novelo de lã vai-se desfiando, arrancando-nos o que temos de mais precioso. Embora não goste de evidenciar este ponto, uma vez que não é da total responsabilidade do autor, acredito que o texto merecia uma revisão, para acompanhar e elevar a qualidade desta obra. Porque o seu potencial e interior marcam-nos profundamente.
«Estou à mercê destes imbecis. Estou presa. Sem liberdade» [p:74]
A Dor do Esquecimento alerta-nos para a solidão da velhice, que se acentua quando se introduz uma variante tão nefasta como o Alzheimer. Com um final lógico, mas doloroso, sentimo-nos em queda livre, percebendo que ficamos sem chão sempre que as memórias nos atraiçoam.
«O seu olhar brilhou. Ele rejubilava. Veio ter comigo. Encostou
a sua cabeça no meu colo, como fazia em criança, e chorou» [p:80]
Não conhecia ;)
ResponderEliminarFoi lançado recentemente :)
EliminarMais uma excelente sugestão que vou guardar para ler :) Uma das coisas que eu mais gostava nas conversas com a minha mae eram as conversas sobre as memorias do passado, dava-me gosto saber que a memoria dela se mantinha tão boa :)
ResponderEliminarPreservar essas memórias dá-nos logo outra segurança, mas assusta-me se, um dia, as for perdendo ou distorcendo.
EliminarA mim tambem, acredita...
EliminarAcredito <3
EliminarNão conhecia, mas fiquei curiosa com a premissa deste livro.
ResponderEliminarBeijinho grande, minha querida!
É uma leitura que nos desarma!
EliminarFiquei com vontade de ler.
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda
Compreendo, Isa :)
EliminarFoge ao género de livros que tenho lido atualmente mas gosto sempre de variar e esse parece-me uma excelente sugestão.
ResponderEliminarÉ daquelas leituras que nos marcam, até porque conseguimos fazer a ponte com a realidade!
EliminarTenho de te ser honesta, a doença de Alzheimer é um assunto que me assusta muito e então evito ao máximo leituras relacionadas com a mesma, mas gostei da tua exposição sobre o livro e espero que tenha muito sucesso.
ResponderEliminarTambém é um tema que me assusta e, por norma, não priorizo leituras que o envolvam. No entanto, por outro lado, acho interessante compreender esse mundo, até para termos uma ideia do que pode acontecer.
EliminarMuito obrigada!
Ainda não tinha ouvido falar, mas parece ser bastante interessante para o fazer, visto que tenho de ver se começo a ler livros outra vez
ResponderEliminarBeijinhos
Novo post
Tem post novos todos os dias
É um lançamento bastante recente!
EliminarForça :)
Somos feitos de lembranças: boas e mas, predominam as más que são difíceis de esquecer
ResponderEliminarKisssssss
Sim, é bem verdade!
EliminarE no fim da vida nós somos as nossas memórias, quando elas se perdem imagino que fique um vazio muito grande!!
ResponderEliminarxoxo
marisasclosetblog.com
Não deve ser nada fácil quando a nossa memória começa a deteriorar-se!
EliminarUm livro super interessante! Tenho uma pessoa amiga que sofre dessa doença!
ResponderEliminarAs memórias do passado permanecem intactas... só o presente... é esquecido a todo o momento, no caso dela!...
Uma doença por vezes mais dolorosa para os familiares, do que para o próprio... consoante o estágio da mesma... mas às vezes... o oposto... quando os próprios doentes ficam angustiados, com a consciência de que não se lembram de nada... e não conhecem ninguém...
Excelente sugestão, Andreia! Beijinhos! Feliz semana!
Ana
O passado, pelo que compreendi, acaba por ter maior representatividade, mas o presente tende a desaparecer.
EliminarSim, é verdade, até porque quem a sofre acaba por ter preso à sua bolha, enquanto os familiares têm essa lembrança bem visível e recorrente. Só que, como referentes e bem, também pode acontecer o aposto. Depende mesmo do quanto está avançado.
Obrigada e igualmente
Tenho de o ler. Dava jeito apagar algumas coisas para um sempre! Bjinho
ResponderEliminarÉ duro, mas muito interessante!
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