ENTRELINHAS //
A DOENÇA, O SOFRIMENTO E A MORTE ENTRAM NUM BAR

Fotografia da minha autoria



«O humor é contraditório como o caraças»


A maneira como observamos e refletimos sobre determinados assuntos nem sempre nos permite compreender a sua origem e as suas camadas, até porque há particularidades que acreditamos serem inatas. Portanto, quando dissertamos sobre o humor, tendemos a assumir que é uma característica que, mais ou menos vincada, nasce connosco. Mas será que é mesmo assim? Ou existem detalhes que desconhecemos? Ricardo Araújo Pereira leva-nos a desconstruir estas crenças pré-concebidas. 

«Talvez as pessoas que fazem do humor uma segunda 
natureza sejam mais frágeis do que as outras» [p:24]

A Doença, o Sofrimento e a Morte Entram num Bar transmite a sensação de que alguém está prestes a contar-nos uma anedota. No entanto, a sua premissa é clara, pois é «uma espécie de manual de escrita humorística». Só que desengane-se quem pensa que este livro o auxiliará a escrever piadas. O propósito não é esse, visto que se aproxima mais de «um ensaio teórico sobre as bases do humor». E talvez, por esta ordem de ideias, interesse mais a quem procurar aprofundar os seus conhecimentos sobre este tema tão surpreendente. Se a minha consideração sobre a obra tiver algum peso, reconheço que é um exemplar acessível a todos, até pela escrita do autor - sempre genial.

«A ambição do olhar humorístico é olhar como mais 
ninguém olha e ver o que mais ninguém vê» [p:31]

É importante apreender que não há um guia, uma fórmula perfeita para se escrever humor. Existem, sim, pontos que podem - e devem - ser ponderados no processo, como é o caso da imitação, da caricatura, do poder da repetição, do fator surpresa, do pensar fora da caixa e da distância, uma vez que nos permite transformar acontecimentos negativos em algo cómico. Assim, nesta desconstrução, verificamos que o humor é um processo complexo - e menos inato -, dividido em vários tipos, com uma designação incompleta e com inúmeras contradições. Apesar disso, não deixa de ser um mecanismo de defesa, uma estratégia para reagimos. Porque a ironia e o riso, tal como é descrito, «não têm de ser o oposto de preocupação ou de indiferença perante o mundo».

«Talvez todas as manobras humorísticas tenham como 
objetivo introduzir um elemento de caos no mundo» [p:50]

Ricardo Araújo Pereira mostra-nos o traço mais sério de algo que procura ser descomplicado. Mas fa-lo com sabedoria e sem cair na tentação de tornar o texto demasiado teórico. Embora exista essa componente erudita, que nos possibilita descobrir novas ramificações e perspetivas do assunto, não deixa de apresentar um discurso eloquente, divertido e irreverente. Em simultâneo, incentiva-nos a explorar a ligação quase umbilical entre o humor e o sofrimento, atendendo a que «é a consciência da nossa finitude que nos torna capazes de rir».

«Aumentar uma coisa, colocá-la sob 
uma lupa, torna-a monstruosa» [p:76]

A Doença, o Sofrimento e a Morte Entram num Bar interliga referências literárias, filosóficas e televisivas. Concede-nos espaço para descobrir o outro lado do processo e as raízes em que o humor subsiste. E só peca por terminar tão rápido, pois ficamos com vontade que os temas sejam mais aprofundados. Contudo, é um livro maravilhoso, tendo em conta que nos leva a [re]considerar a nossa postura, desconstruindo o medo e aprendendo a analisar as situações de um plano exterior e não intimo, para que a nossa experiência não seja condicionada e a comédia nos provoque o desequilíbrio certo: o riso.

«Rir na face da morte é uma provocação vã: morremos na 
mesma. O riso é impotente em relação à morte, isso é 
certo, mas talvez tenha algum poder sobre a vida» [p:106]


Disponibilidade: Wook | Bertrand

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Comentários

  1. A premissa parece-me divertida e reflexiva. Nunca li nada do RAP mas fiquei curiosa com esta sugestão.

    Um beijinho grande!

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    1. O livro está mesmo bem construído! Não está idealizado para nos fazer rir, mas, ainda assim, diverte-nos, ao mesmo tempo que nos faz pensar sobre determinadas questões relacionadas com o humor e, inclusive, connosco

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  2. Deve de ser bem divertido este livro do Ricardo Araújo Pereira.
    Um abraço e continuação de uma boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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    1. Como partilhei num comentário anterior, não é um livro escrito para nos fazer rir. No entanto, diverte-nos bastante e ajuda-nos a desconstruir certas ideias que temos sobre o humor. Recomendo!

      Obrigada e igualmente, Francisco

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  3. Eu já li e gostei! :)

    www.amarcadamarta.pt

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  4. Este tem mesmo que vir morar ca para casa :)

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  5. Tenho-o cá em casa para ler, mas provavelmente fica para 2021!


    A Sofia World

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  6. Sou fã do RAP, apesar de nunca ter lido os livros dele. Fiquei muito curiosa com este. Tenho de adicioná-lo à minha lista.

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    1. Sendo fã dele, acredito que vais gostar imenso dos seus livros. Eu ainda só li dois, mas estou desejosa de me aventurar em mais :)

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  7. Não conheço o livro, mas o título é um chamariz de marketing muito bem achado.
    Fiquei curioso pela descrição que fizeste (muito boa).
    Continuação de boa semana, querida amiga Andreia.
    Beijo.

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    1. Embora seja um título mais longo, chama à atenção e acaba por ficar no ouvido. Está mesmo bem pensado. Aliás, como todo o livro :)
      Muito obrigada, Jaime!

      Continuação de boa semana

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  8. Não conhecia de todo, mas sim parece ser um excelente livro
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

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  9. Não sou fã desse senhor. Mas para quem gostar, acredito que seja bom. Beijinho

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  10. Também achei isso, que pecou por ser demasiado curto, porque eu estava adorar ler :).
    Beijinhos
    Blog: Life of Cherry

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    1. Dá mesmo vontade que continue a explorar os temas/ideias :)

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  11. Já o li e estou para comprar o seu novo livro que ainda não sei quando sai (se é que já não saiu). Ele coloca tudo tão claro nessas páginas que nos ajuda a compreender o humor e tudo a ele associado muito melhor <3

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    1. O novo, salvo erro, sai a 30 de outubro :)
      Sem dúvida! Adorava que ele continuasse a escrever sobre o assunto

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