Entre Margens

Fotografia da minha autoria


A tbr de abril não era temática, mas tinha um propósito: em mês de aniversário, gosto ainda mais de me rodear de nomes que admiro, por isso, alguns dos livros tinham de responder a esse requisito. Depois foi só deixar fluir. E fluiu tanto que, surpreendida pela generosidade da Rita, que me permitiu ler o seu mais recente manuscrito (sai a 7 de maio), encontrei um favorito do ano - e de vida, atrevo-me a afirmar. Sinto que abril trouxe leituras memoráveis.


 a tbr de abril: expectativa

  • Os Loucos da Rua Mazur, João Pinto Coelho;
  • Filho do Pai, Hugo Gonçalves;
  • Nem Todas as Árvores Morrem de Pé, Luísa Sobral;
  • O Silêncio no Coração dos Pássaros, Lénia Rufino;
  • História da Menina Perdida, Elena Ferrante;
  • O Hóspede de Job, José Cardoso Pires.

 a tbr de abril: realidade

Li todos os seis livros que defini para este mês e ainda acrescentei:

  • O Meu Marido, Maud Ventura;
  • Apesar do Sangue, Rita da Nova;
  • Vista Chinesa, Tatiana Salem Levy;
  • Não Fossem as Sílabas do Sábado, Mariana Salomão Carrara;
  • Quanto Tempo Tem Um Dia, Susana Moreira Marques.


   algumas curiosidades

Em abril, li:

  • 11 livros: 2 de não ficção, 8 romances e 1 thriller;
  • 8 autoras e 3 autores: 7 portugueses, uma francesa, duas brasileiras e uma italiana;
  • quatro autores pela primeira vez: Maud Ventura, José Cardoso Pires, Luísa Sobral e Mariana Salomão Carrara.
 Favoritos do mês:

  • Filho do Pai, Hugo Gonçalves;
  • Silêncio no Coração dos Pássaros, Lénia Rufino;
  • Apesar do Sangue, Rita da Nova.


 vamos a contas?

Abril, como previa, foi um pequeno caos neste sentido, porque aproveitei o meu aniversário para adquirir algumas obras mais urgentes, digamos assim. Tirando a edição especial do livro da Rita e o livro do Afonso Cruz que saiu com o Público, mantive-me fiel à lista que tinha pensado, no entanto, a poupança não foi a mais expressiva. Vejamos:

  • Comprei 11 livros físicos, gastando um total de 143,08€;
  • Ativei a subscrição do Kobo Plus, que me custou 6,99€. Li 4 eBooks, o que me permitiu poupar 66,04€ (para referência, usei o valor dos livros físicos da Wook);
  • Comecei abril com 73€ na Apparte. Uma vez que li 11 livros, adicionei 11€, partindo para maio com 84€.


 banda sonora













 tbr de maio

  • A Família Caserta, Aurora Venturini;
  • O Lago Avesso, Joana Bértholo;
  • Fábrica de Criadas, Afonso Cruz;
  • Gente Feita de Terra, Carla M. Soares;
  • Visitar Amigos, Luísa Costa Gomes;
  • Constelação, Sónia Balacó;
  • E Se Eu Morrer Amanhã?, Filipa Fonseca Silva

Fotografias da minha autoria


O caminho até os Jardins do Palácio de Cristal, quando fomos ver Sombra, espetáculo da Bumba na Fofinha, em outubro de 2024, foi pautado por muita conversa e por um desfecho para o qual não estava preparada: a possibilidade de regressarmos àquela sala para o concerto do Pedro Sampaio.

A minha identidade funkeira nunca se manifestou, no entanto, aparecia em festas da faculdade/saídas à noite. Por isso, sem que entrasse nas minhas preferências, mas ciente de que tinha passado bons momentos ao som de algumas das suas músicas, não estava completamente desligada do trabalho do DJ brasileiro. Quando lançou O Astro, o seu álbum mais recente, admito, não tive uma conexão imediata, mas as músicas foram ficando e a verdade é que quanto mais ponderava o cenário, menos estranho me parecia querer ir. E foi assim que, já sentadas num dos balcões da Super Bock Arena, compramos os bilhetes para a plateia.

   

A espera parecia longa e o entusiasmo foi crescendo com a passagem do tempo. De repente, já só imaginava a dinâmica do Cavalinho e de Bota Um Funk, porque, acima de tudo, fui compreendendo melhor o espetáculo que me esperava, ainda que tenha superado as expectativas. Sendo-vos honesta, escalou rápido para um dos favoritos do ano: pela envolvência, pela entrega, pela atuação dos bailarinos que encheram a sala e, claro, pelas músicas que não nos permitem ficar quietos. Numa mistura entre funk e pop, entre os seus trabalhos mais recentes e uma viagem pelos mais antigos, Pedro Sampaio prometeu e cumpriu. E se ele manda, nós obedecemos com gosto.

Não sei se repetirei a experiência tão cedo, mas sei que valeu cada cêntimo. Foram quase duas horas num ritmo frenético, com muita dança e sempre de energia alinhada. Ainda bem que decidi abraçar este lado imprevisível.

Fotografia da minha autoria


O livro de Maud Ventura não seria uma escolha óbvia para mim, caso não fizesse parte do Clube do Livra-te. Como precisava de uma leitura mais descontraída depois de ter terminado o da Lénia Rufino, Silêncio no Coração dos Pássaros, achei que seria uma boa opção. Só não contava encontrar tanta insanidade.


 amor, obsessão e relações disfuncionais

O Meu Marido apresenta-nos uma mulher profundamente apaixonada pelo seu cônjuge - ou, sendo honesta, profundamente obcecada por ele -, ao ponto de nunca conhecermos o seu nome: ser seu marido é tudo o que precisamos de saber sobre ele. Com uma vida perfeita, e juntos há quinze anos, a protagonista começa a questionar-se sobre a reciprocidade desta relação.

O início intrigou-me logo, uma vez que oscila entre um tom enamorado e um tom sofrido, mas também me fez ficar preocupada com a cadência e a espiral de pensamentos maníacos que foi partilhando. De repente, era como se esta mulher nunca parasse e estivesse sempre à procura de significados e de pistas que sustentassem as suas doses de loucura.

«É fácil reconhecer uma primeira vez, mas raramente sabemos que estamos a viver algo pela última vez»

Aproximando-nos mais ou menos da personagem principal, creio que a sua construção é exímia. Mesmo que me venha a esquecer de partes do enredo, sei que dificilmente me esquecerei da sua voz, das suas observações, da forma como foi alimentando a sua noção de realidade. E a verdade é que, através dos seus comportamentos, me deixou a refletir sobre maternidade, desequilíbrio emocional, comunicação, solidão e saúde mental. Há, aqui, pensamentos bastante problemáticos, muitos deles ocultos em saídas hilariantes, que são um reflexo da instabilidade que a habita, da autoestima frágil e do quanto conseguimos ser manipulados pelas nossas fragilidades, como se tivessem plantado uma semente e a estivéssemos a ver crescer.

O Meu Marido é disfuncional e, confesso, surpreendeu-me pelo epílogo. Não me parece que encaixe bem nos thrillers, embora exista um jogo psicológico que perturba, mas evidencia efeitos das relações tóxicas e de como é ténue a linha que separa a veracidade dos factos daquilo que é plantado para nos confundir - e das ideias que permanecem enraizadas na sociedade.


 notas literárias

  • Gatilhos: Relações tóxicas/disfuncionais
  • Lido entre: 7 e 9 de abril
  • Desafio: Clube do Livra-te
  • Formato de leitura: Digital
  • Género: Thriller
  • Pontos fortes: O epílogo e a construção da protagonista
  • Banda sonora: I Wanna Be Yours, Artic Monkeys | Babooshka, Kate Bush | Veio a Maria Clementina, Maria Clementina | Don't Leave Me Now, Supertramp | Amoureuse, Véronique Sanson

Disponibilidade: Wook (Livro | eBook) | Bertrand (Livro | eBook)
Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

Fotografia da minha autoria


O Fred Gomes tem um traço inconfundível - e um talento inegável. Por isso, quando criou uma ilustração inspirada em abril e na vontade coletiva de resistirmos, soube que não demoraria a adquirir um exemplar, porque essa é, também, a minha maneira de dar voz à nossa luta. E há uma moldura no quarto que não me permite esquecê-la.

Celebramos cinquenta e um anos de liberdade e continuamos de punhos erguidos, a «gritar e a marchar de mãos dadas». Como o Fred disse na altura, «as lágrimas podem correr-nos pelo rosto, mas delas brotarão cravos». Então, fui recuperar os postais que acompanharam a minha compra, porque sabia que ia encontrar as palavras certas para esta data importantíssima, uma vez que espelham a essência de abril e continuam a ser força motriz.


resistimos, agora e sempre


«nem sempre uma prisão é feita de paredes, tecto e grades. por vezes, as maiores prisões são invisíveis, é a incapacidade de podermos escolher quem somos e podemos ser, quem podemos amar, como podemos viver, o que fazemos com os nossos corpos e vidas. a liberdade é uma luta de todos os dias e eu lutarei pela tua. venha o que vier, resistimos».


Dentro do tema, não poderia deixar de alertar para a série que estreia, hoje, na RTP: Daqui Houve Resistência.

«Série que retrata, ao longo de cinco episódios, a luta contra a ditadura em Portugal a partir de diferentes locais, numa perspetiva descentralizada da resistência antifascista. A série explora os sacrifícios e a coragem de operários, estudantes, militares e ativistas políticos, ao enfrentarem a repressão do regime de Salazar, que irão contribuir para as transformações sociais e políticas do país com a Revolução dos Cravos de 1974.Através de testemunhos reais, a série revela como, em várias localidades, a resistência ao fascismo teve diferentes formas, desde a clandestinidade política até as ações mais diretas. Ao focar em figuras anónimas e em movimentos menos conhecidos, "Daqui Houve Resistência" reforça a ideia de um retrato humano e plural do caminho para a liberdade, mostrando que a mudança nasceu de múltiplos pontos do país e de quem ousou resistir».

Fotografia da minha autoria

A escrita da Luísa Sobral não me era totalmente desconhecida, uma vez que as suas canções vão habitando algumas das minhas playlists. Por esse motivo, fiquei bastante curiosa quando soube que se iria aventurar na escrita de um romance e aproveitei que seria leitura conjunta no Livra-te - clube de leitura da Rita da Nova e da Joana da Silva - para a descobrir numa narrativa mais longa e que parte de uma história verídica.


 um vínculo com a natureza

Nem Todas as Árvores Morrem de Pé tem «os cinquenta anos mais tristes da história da Alemanha» como cenário de fundo e centra-se na história de duas mulheres «unidas pela desilusão»: Emmi e M. Por um lado, Emmi, nascida pouco tempo antes de Hitler ascender ao poder, apaixona-se perdidamente por Markus, com quem casa e vai viver para a RDA, e sente a sua vida a mudar por causa de uma carta anónima e pelo Muro de Berlim, que a afasta da família. Por outro, M., que nasce «após a divisão das duas Alemanhas, cresce a idolatrar o pai e a colmatar as feridas de uma mãe ausente. À medida que vai crescendo, vai compreendendo que a realidade não é tudo o que vê.

A minha ligação à narrativa foi imediata, não só pela escrita poética, mas também pela estrutura e pelos detalhes. M. tem uma paixão por plantas e esse vínculo trouxe um encanto diferente, até porque nos permite conhecer propriedades e finalidades que parecem encaixar nas mais diversas personalidades. Afinal, flores e pessoas estão mais próximas do que aquilo que podemos julgar e isso torna-se evidente através das suas ações. Ademais, queria compreender de que maneira é que a vida destas mulheres se poderia cruzar e qual o verdadeiro impacto que esse encontro poderia ter para ambas.

Outro aspeto que achei valioso foi a sensibilidade da autora para abordar um tema em específico. Não o posso detalhar para não estragar a experiência de leitura, contudo, creio que o retratou com muita empatia. Aliás, sem romantizar, sinto que estabeleceu um cenário muito credível, aproximando-nos da dor e da luta de uma das personagens.

«Há despedidas tão dolorosas que só uma parte de nós se vai embora. Não temos força suficiente para nos convencermos a partir por inteiro»

O livro tem um ritmo excelente e não se demora em cenários que acrescentam pouco ao enredo. Ainda assim, preferia que tivesse desenvolvido alguns acontecimentos, que nos fizesse passar mais tempo na companhia dos intervenientes, que nos fizesse sentir mais os contrastes ideológicos e, no fundo, que nos permitisse acompanhar de perto algumas decisões, porque acredito que isso nos ajudaria a ficar com menos questões. Inclusive, fica a sensação de que apenas quis concluir a história, mas a verdade é que existiam ramificações que poderia explorar sem que isso prejudicasse a cadência.

Nem Todos as Árvores Morrem de Pé talvez não tenha sido tudo o que idealizei, porém, comoveu-me em alguns capítulos e, sobretudo, deixou-me a pensar, por um lado, que é impressionante como existem relações que minam todas as outras e, por outro, que é possível renascermos e sermos felizes no caos, visto que há sempre alguém para nos amparar e para nos mostrar o verdadeiro significado de pertencer, de estar em casa.


 notas literárias

  • Gatilhos: Linguagem gráfica e explícita
  • Lido entre: 18 e 19 de abril
  • Desafio: Clube do Livra-te
  • Formato de leitura: Digital
  • Género: Romance
  • Personagens favoritas: Francesca, Angelo e Klaus
  • Pontos fortes: A relação com as plantas, a sensibilidade, a escrita poética
  • Banda sonora: Maria Feliz, Luísa Sobral | Sail Along Silv’ry Moon, Billy Vaughn | Dein Name, Uschi Bruning | Camomila, Lázaro

Disponibilidade: Wook (Livro | eBook) | Bertrand (Livro | eBook)
Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

Fotografia da minha autoria


O Livra-te, podcast literário de Rita da Nova e Joana da Silva, num dos episódios de fevereiro, centrou-se num tema muito interessante: livros que caíram no esquecimento ou que acabaram por não ter a devida atenção. Na altura, como achei esse exercício bastante enriquecedor, transportei-o para a minha newsletter. Hoje (23/04), a propósito da celebração do Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, senti que fazia todo o sentido recuperá-lo.

Uma vez que existem várias obras a serem lançadas por semana, é natural que, por um lado, nem todos os títulos nos cheguem e, por outro, que histórias que lemos há algum tempo fiquem presas a uma memória longínqua, pouco visível. Assim, observando as minhas estantes, reconheci onze livros que encaixam bem no tema.

Pardalita, Joana Estrela
Arrisquei nesta banda desenhada às cegas, sem saber o que esperar, e fui surpreendida por uma história cómica, comovente e com um tom leve. Com imagens de uma beleza extraordinária, acompanhamos uma viagem de autodescoberta, com todas as dúvidas, inseguranças e borboletas na barriga que a caracterizam. Fiquei com vontade de ler mais, porque a autora tem uma escrita bonita, fluída e direta.

Aventureira Marielle e o Dia da Fotografia, Nuna
Uma história encantadora, que se lê num sopro, mas que transmite uma mensagem importantíssima sobre aceitação, inclusão e amor próprio. Há características que contam parte da nossa história, mesmo que não nos definam por inteiro, por isso, é essencial sentirmo-nos representados. Porque é uma forma de quebrarmos barreiras e preconceitos; e porque é, também, uma maneira de as pessoas sentirem que as suas ideias, valores e inseguranças são válidos e partilhados por tantos outros.

Mary John, Ana Pessoa
Mary John é uma longa carta dirigida a Júlio Pirata, na qual Maria João, a protagonista, faz um balanço de tudo o que viveram juntos. O relato é melancólico, é engraçado, é comovente, por esse motivo, transforma-se numa viagem de reencontro, de despedida, de mudança e, inclusive, de catarse. Acho que a Andreia adolescente teria beneficiado de um livro assim, porque é um retrato verosímil do desnorte, da dificuldade que é construirmos a nossa identidade, do impacto que certas relações/pessoas têm na nossa vida e do quanto parecem pairar em todos os nossos passos.

Levante-se o Réu, Rui Cardoso Martins
Fui conquistada pela forma como o autor nos narra as histórias, envolvendo-nos num ambiente trágico, cómico, bizarro e revoltante, porque há textos que nos deixam perplexos com o seu desenvolvimento e consequente desfecho. Aliás, há situações tão surreais, que quase duvidamos da sua veracidade, mas aconteceram e são um retrato fiel da vida dos tribunais portugueses. Equilibrando um traço ora inocente, ora caricato, estes registos fazem-nos refletir sobre o rumo da nossa jornada, sobre as nossas escolhas e sobre quem somos em sociedade - com ironia.

Obras Completas Maria Judite de Carvalho
O nome passou despercebido a maior parte da minha vida e, agora que o descobri, questiono-me como é que não é uma figura constante, quando se debate literatura, questiono-me como é que nas minhas aulas de português não me mostraram o mundo que é Maria Judite de Carvalho.

O Momento em Que nos Perdemos, Maria José Núncio
Numa época em que a moda portuguesa conheceu o seu auge, assistimos ao sucesso e ao declínio das personagens principais. Pelo meio, como se vida fosse um jogo de sombras e perdas subtis, mas com um impacto barulhento no quotidiano, é fácil perceber que nem sempre é evidente o momento em que nos perdemos; que, se calhar, nos vamos perdendo aos poucos, até já não ser mais possível colarmos os cacos.

Giz, Gisela Casimiro
Dividido em quatro partes, Giz, para mim, foi alternando entre um misto de mágoa, descoberta e humor. Parece que, à medida que vamos avançando, saímos da rua, onde é necessário intervir acerca de uma série de questões, para entrarmos em casa, onde a conhecemos um pouco melhor, onde conhecemos as cicatrizes que ainda carrega, embora já tenham outro peso. Além disso, entramos num plano mais intimista ao termos acesso aos sonhos que a autora foi registando - e é curioso como existem temas recorrentes. Para terminar, creio que ficamos com uma nota para o futuro, que interliga diferentes pólos: o que foi, aquilo que pode ser reescrito e o que poderá vir.

Autismo, Valério Romão
É um livro doloroso, que nos tira de qualquer zona de conforto, uma vez que nos impulsiona a refletir sobre escolhas, sobre expectativas e sobre aquilo que seríamos nós a fazer, caso estivéssemos no contexto dos protagonistas. Com uma escrita frenética e crua, chega a sufocar, a afligir pelo desnorte, pela falta de respostas e pela sensação de estarmos a falhar num papel específico - e, aqui, refiro-me a um nós pelo simples facto de nos sentirmos parte deste enredo. Colocando o espectro do autismo como peça central, ficamos mais conscientes dos seus condicionantes, ao mesmo tempo que somos convidados a reconsiderar tudo aquilo que implica em quem o sente na pele, nos pais, no casal, na família, porque as repercussões afetam um todo, diariamente, ainda que em graus distintos. Acho que continuo a processar o final.

A Importância do Pequeno-Almoço, Francisca Camelo
Os seus poemas, tão reais, que parecem uma história versada, são-nos servidos passo a passo, como se fossemos, todos juntos, confecionar este grande pequeno-almoço: para alguns, indigesto, porque coloca em evidência o patriarcado, o medo, a solidão, a diminuição, a violência, a necessidade que ainda temos de, enquanto mulheres, nos fazermos visíveis. E, aqui, refiro o quanto adorei Manifesto de Identidade.

Esse Cabelo, Djaimilia Pereira de Almeida
A escrita quase poética da autora transporta-nos para o lado emotivo e doloroso deste conflito interior, colocando uma bandeira nas questões raciais e nas raízes. Esse Cabelo é, portanto, uma tomada de consciência. Porque o nosso cabelo é a nossa identidade. E não tem de ser mudado para sermos aceites.

Tudo São Histórias de Amor, Dulce Maria Cardoso
O amor é complexo e, tal como percecionamos nesta obra, há vários momentos em que parece não estar presente. No entanto, acompanha-nos, ainda que o faça de um modo tão subtil. Porque, continuo a acreditar, Tudo São Histórias de Amor - algumas menos convencionais, outras mais arrebatadoras, mas todas de amor.

Fotografia da minha autoria

O mês de abril reencontrou-me com um autor que se tem tornado num caso sério de admiração. Depois de me perder de encantos por Mãe, Doce Mar e Perguntem a Sarah Gross, foi tempo de descobrir o seu segundo romance publicado, vencedor do Prémio LeYa, em 2017. Confesso, ainda assim, que a experiência foi ligeiramente diferente.


 quando a realidade tem diferentes perspetivas

Os Loucos da Rua Mazur leva-nos até à Livraria Thibault, que será palco de memórias dolorosas e de uma tentativa de ajustar contas com o passado. Em 2021, Yankel, um livreiro cego, recebe a visita de Eryk, seu amigo de infância e um escritor famoso, com o propósito de escrever «o livro que o há de redimir». Os dois já não se viam «desde um terrível incidente, durante a ocupação alemã, na pequena cidade onde cresceram» e este reencontro colocará em evidência todas as feridas que ainda estão por sarar.

A abordagem de João Pinto Coelho pareceu-me interessante, atendendo a que quebra um pouco a unilateralidade do período histórico retratado e destaca a fragmentação da sociedade polaca, numa «cidade de cristãos e judeus, de sãos e de loucos, ocupada por soviéticos e alemães». No entanto, tive alguma dificuldade em relacionar-me com a história, talvez pelos protagonistas que escondem tantas sombras e discursos dúbios, talvez pela quantidade de personagens que vão desfilando nesta viagem no tempo. Só que dei por mim a ficar ancorada na travessia, porque, ao assentarem as cinzas, vamos descobrindo pequenos rasgos de lucidez, embora nos revoltem os cenários bárbaros.

«- (...) Tens coisas que me pertencem.
- Falas das sombras, Eryk? Os anos gastam-nas, não sobra nada.»

O contexto do massacre, afinal estamos perante a Segunda Guerra Mundial, já foi explorado de várias maneiras, mas, mesmo não sendo a leitora mais entendida nesse facto, creio que o autor encontrou uma perspetiva distinta, que não só nos impacta pela ausência de dignidade e de humanidade, como também nos faz questionar se existirão papéis que nos passaram despercebidos, se assumimos todas as alusões como certas e deixamos de procurar pelas micro verdades que se perdem com o tempo, com a morte, com as memórias que se esbatem. E mesmo que o seu objetivo não seja ter, aqui, um documentário escrito, porque não deixa de ser um romance, parece-me que nos abre a porta para que se encontrem novas formas de conhecermos a História.

Independentemente do contexto, interessa-me sempre observar o traço humano de cada narrativa e, para mim, Yankel e Eryk são uma metáfora perfeita das diferenças, das distâncias que se criam, do quanto a mágoa contamina as relações e do peso que a herança religiosa e cultural assume num vínculo de amizade. Se, pelo meio, a paixão ainda for colocada na equação, talvez se compreenda que os alicerces não tenham sido construídos com a solidez necessária. Portanto, estamos perante diferentes divisões.

Ficou o terror, o ressentimento, os estilhaços de uma confiança quebrada e os efeitos de todas essas camadas no quotidiano. Como é que se vive nestas condições? Como é que se restitui a esperança, os laços afetivos, a fé? Como é que se avança sabendo que, a qualquer momento, a nossa vida pode desabar? É esta voz da consciência que vamos encontrando ao longo do livro, ainda que nem sempre sejamos capazes de encontrar respostas animadoras. Ademais, através das vivências dos protagonistas, que se unem por causa de um terceiro elemento, Shionka, tentamos sacudir a inércia e bordar esta manta de retalhos que esconde tantos segredos e situações pessoais mal resolvidas.

«(...) acima da gargalhada havia dois olhos molhados, comovidos pelo tanto que podiam as palavras, mesmo nas mãos de quem poucas palavras tinha.»

Ser quase um livro dentro de outro livro é entusiasmante, no entanto, sinto que se perdeu na quantidade de camadas que procurou explorar, condicionando a minha envolvência e, até, aquilo que considero ser a parte mais valiosa da história: o facto de as personagens terem resistido, mas estarem emocionalmente debilitadas. Nota-se que continuam a ser assombradas pelo passado, mas gostava que, ao recuperarem certas memórias, não ecoasse a sensação de terem ficado à superfície. Não creio que o ideal fosse mergulhar sem critério no sofrimento, mas, se calhar, se as mantivesse mais tempo no presente conseguiria ter compreendido melhor os seus fantasmas.

Os Loucos da Rua Mazur não deixa, ainda assim, de dar voz àqueles «que viram o inferno de frente», até porque se baseia nos acontecimentos iniciados a 10 de julho de 1941. E vale muito pela escrita de João Pinto Coelho, que tem a capacidade de nos transportar para diferentes emoções e estados de espírito. No fundo, apenas queria que existisse uma ligação maior entre as histórias, no entanto, talvez seja esse o seu propósito: mostrar que existem várias faces e ângulos para os mesmos acontecimentos.


 notas literárias

  • Gatilhos: Linguagem gráfica e explícita
  • Lido entre: 14 e 18 de abril
  • Desafio: 5 autores para 2025
  • Formato de leitura: Físico
  • Género: Romance
  • Pontos fortes: A forma como nos transporta para diferentes emoções/estados de espírito
  • Banda sonora: La Vie en Rose, Édith Piaf | Irreal Social, Ban | A Morte Saiu à Rua, Bezegol

Disponibilidade: Wook (Livro | eBook) | Bertrand (Livro | eBook)
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Fotografias da minha autoria

O Festival Internacional Literatura em Viagem, o LeV, que é organizado pela Câmara Municipal de Matosinhos, encontrou nas palavras de Eduardo Lourenço o mote para mais um encontro: «mais importante do que o destino é a viagem». Cruzando memórias, conversas e diversas experiências, levantamos voo para descobrir histórias que combinam continentes longínquos e imaginação.

Foi a primeira vez que marquei presença neste evento e apenas consegui ir ao último dia, ainda assim, trouxe três conversas maravilhosas e uma forte vontade de regressar.


 a matéria da ficção

O primeiro painel juntou Rita Redshoes, Martim Sousa Tavares e Mário Cláudio, com moderação de Mónica Guerreiro, fazendo uma travessia pelas vivências pessoais, pelo imaginário coletivo, pelos acasos, pelas obsessões, pelo quotidiano, pelas leituras e pelo extraordinário, com o intuito de refletirem acerca de como nascem as narrativas.

Nos meus apontamentos, registei pensamentos como o facto de sentirem fascinante a dúvida, de ser pouco relevante saber o que é real num plano narrativo, de não existir diferença, para um dos autores, entre a realidade e a ficção e de realizarmos várias viagens interiores, mas também não podermos ignorar as viagens que fazemos com e pelos outros. Além disso, focou-se a necessidade de não se esconderem as origens.


 escrever com os pés 

O segundo painel juntou Hugo Gonçalves, Bruno Paixão e Francisco José Viegas, com moderação de Sara Otto Coelho, com a premissa de cada viagem ser uma história à espera de ser contada. Desta forma, estiveram a refletir sobre como os caminhos já percorridos influenciam as narrativas e como levam à criação de novos mundos.

Nos meus apontamentos, eternizei pensamentos como não existirem histórias e, até, literatura sem viagens, porque a escrita implica movimento, como a necessidade de se esquecer e de partir e como qualquer saída da rotina ativa as primeiras ideias que serão colocadas no papel, ainda que, posteriormente, o enredo siga outra abordagem. Além disso, houve uma frase de Francisco José Viegas que ficou a ecoar, uma vez que afirmou que o escritor não tem um compromisso com a verdade. Acho que é isso que, depois, permite que escalemos para cenários tão distintos e com novas descobertas.


 entrevista de vida com valter hugo mãe

O último momento do festival, para mim, foi passado a escutar um dos meus autores favoritos, Valter Hugo Mãe. Nesta entrevista de vida, moderada por Maria João Costa, deambulamos por inquietações, sonhos, processos de escrita, amor e o seu fascínio por escrever sobre pessoais reais, podendo atribuir-lhes o destino que considera ser o melhor para cada uma delas. Por outro lado, também nos falou sobre o desenho e o quanto as ilustrações lhe permitem explorar outras narrativas e outros contextos.

Gostei mesmo de o ouvir, até porque acho que tem muita graça na forma como conta as suas histórias. E, atendendo a que não se leva nada a sério, não tem qualquer pudor em partilhar os seus pensamentos - acho que há uma certa inocência que o orienta.

      

Viajar sem sair do lugar é uma forma muito interessante de percorrer trilhos distintos. E fazê-lo através das palavras dos autores, que nos abrem portas para os seus mundos, é mais uma maneira de estreitarmos laços. Ancoraria mais tempo neste destino.

Fotografia da minha autoria


O nome José Cardoso Pires era daqueles que ia povoando a minha memória, sempre à espera de uma oportunidade para priorizar a sua obra. Havia curiosidade, sim, mas, por qualquer razão, fui sempre adiando o encontro, até que a Sofia sugeriu este livro e trouxe para que o lesse. Aproveitar a biblioteca dos nossos amigos é um belo tesouro.


 recuar ao passado, sentindo o presente

O Hóspede de Job transporta-nos para o Alentejo dos anos 50, em plena época feudal e com a ditadura a subir de tom. Por esse motivo, vamos reunindo recortes desse tempo, do quotidiano da população que espelhava assimetrias, da realidade que era marcada por uma profunda disparidade social e económica. Aliás, o texto poderia mesmo ser uma espécie de legenda para aquilo que os nossos olhos não veem, mas imaginam.

O tema é complexo por si só, atendendo a que recupera um passado com várias feridas expostas, no entanto, sinto que, ao afastar-se de um tom documental, o autor teve a sensibilidade de, primeiro, dar voz às pessoas e, segundo, de tornar a compreensão das situações mais acessível. Não creio que a literatura tenha a obrigação de nos facilitar a interpretação, mas considero valioso quando um escritor consegue incluir diferentes leitores. Além disso, os capítulos são curtos e a escrita faz com que nos envolvamos em ocasiões longínquas, que apenas conhecemos através de discursos indeferidos.

«Só passados momentos é que começam a avaliar a emboscada para onde foram levados. Tinham escapado a um perigo que não sabiam ao certo medir, tinham-se entregado ao cansaço, perdidos de susto. E agora, agora que vêem eles?»

A obra, dedicada ao irmão que faleceu «num acidente de aviação em cumprimento do serviço militar», não fica, então, isenta de um propósito maior, já que alguns detalhes pretendem evocar, em forma de protesto, a guerra fria e a colonização militar. E, por isso, os pormenores que nos parecem usufruir de uma certa inocência podem muito bem esconder mensagens subliminares, já que Cardoso Pires utiliza a subtileza para tecer uma assertiva crítica política e social, por muito que não sintamos o seu peso.

O Hóspede de Job não se esconde em subterfúgios. Gostava de ter ficado a saber mais sobre a vida de algumas personagens, ainda assim, o que me marcou nesta narrativa foi mesmo a necessidade de denunciar os constantes jogos de poder e de colocar a nu que o sofrimento de um povo fica esquecido perante os caprichos de quem governa.


 notas literárias

  • Lido entre: 9 e 11 de abril
  • Formato: Físico
  • Género: Romance
  • Pontos fortes: uma certa familiaridade e a crítica política e social
  • Banda sonora: Há Sempre Um Fardo, Capitão Fausto | Que Força é Essa, Sérgio Godinho | Alentejo, Cassete Pirata

Disponibilidade: Wook | Bertrand
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Fotografia da minha janela



vertigem
mar ao longe
e eu de janela aberta sem o ver
e eu que acabo assim ondulante
como chuva que rompe
da tempestade que só em mim repousa

são as minhas sombras
que me desenlaçam
desta insônia persistente
qual lusco-fusco descontrolado

afundo
porque é de sombras
a transparência da minha janela
como se cada folha bamba
amparasse os meus traumas silenciosos 

Fotografia da minha autoria


O livro O Lugar das Árvores Tristes entrou na minha vida por acaso. O nome da autora não me era familiar, mas tenho ideia de que foram as palavras da Filipa Santos Lopes que me fizeram arriscar de olhos fechados. E a verdade é que foi uma aposta certeira, não só pela narrativa, mas também pela escrita da Lénia Rufino, cujo percurso quis passar a acompanhar de imediato. Estava, portanto, bastante curiosa com as histórias que viriam a seguir, porque acredito mesmo que a Lénia tem uma voz literária muito interessante, e o seu segundo manuscrito, acabado de sair, veio reforçar essa perceção.


uma história melancólica e muito humana

Silêncio no Coração dos Pássaros transborda de musicalidade, até porque nos permite conhecer Laura, uma prestigiada violinista de uma orquestra. A música sempre foi o seu ponto de encontro e talvez seja ela o impulso para ultrapassar a encruzilhada a que chegou: casada há vinte e sete anos, percebe que não quer permanecer ao lado de Álvaro. Deste modo, embarcaremos numa travessia entre o passado e o presente.

A ausência de um certo fulgor foi enfraquecendo os alicerces deste casamento e isso fez-me logo pensar na linha ténue que existe entre encontrarmos alguém que nos faça sentir confortáveis e estarmos numa relação que se habitou ao conformismo. Apesar da longevidade, creio que, existindo amor, continua a ser importante conquistarmos o outro e não darmos a sua presença por garantida. É certo que o alimentar da relação se despe da urgência dos primeiros tempos, daquela fase do deslumbramento, porque os sentimentos se vão fortalecendo e edificando através da confiança, mas necessita desse gatilho, dessa vontade de lutar, quase diária, para que não se caia no marasmo. No fundo, para que, em cada regresso a casa, se sinta aquele nervoso miudinho do reencontro e não a sensação de que aquela pessoa estar ou não ali é-nos indiferente.

«A culpa é um ferro demasiado quente que nos queima a pele ainda que nos toque apenas ao de leve»

Qualquer relação é feita de oscilações e a Lénia retratou-o de uma forma exímia, por esse motivo, é fácil sentirmos na pele a angústia, a dúvida, o processo de luto que é imprescindível em cada término e a necessidade de se aprender a viver a partir dai, porque há uma rutura com o que conhecemos e uma infinidade de portas abertas. Na teoria, este caminho seria sempre em linha reta, só que as circunstâncias da vida - e o nosso lado emocional - obrigam a que a estrada seja curvilínea, com avanços e vários recuos. E a nossa protagonista foi-se confrontado com cada um desses momentos.

É fascinante como algumas pessoas (e objetos, neste caso) nos impactam, ao ponto de sabermos que nos mudaram por dentro, que nos deixaram mais conscientes de quem somos e do que já não nos serve. Isso não significa que as decisões que tomemos em concordância com essas mudanças sejam menos dolorosas, contudo, acabam por nos deixar em paz. Por isso, um dos aspetos mais valiosos desta história, para mim, é o tom credível e humano com que é contada. Adorei que não existissem reviravoltas megalómanas e que a autora nos trouxesse a perspetiva de três personagens comuns, com quem nos poderíamos cruzar a qualquer instante - inclusive, podia ser a história de qualquer um de nós, por mais distante que seja a nossa realidade. Todos nós já passamos por ciclos que começam e acabam, já tivemos de lamber as feridas, abraçar a catarse e recomeçar, numa relação ou noutra área qualquer da nossa vida, portanto, acho que esta história é, também, transversal e uma metáfora para várias situações.

«São as pequenas coisas. São sempre as pequenas coisas, os pequenos gestos, as pequenas atenções»

Permitam-me, ainda, destacar a escrita. Não estava à espera de encontrar um tom tão melancólico, triste, mas senti muito conforto a acompanhar a narrativa, porque é uma escrita madura, bordada milimetricamente às emoções das personagens. Além disso, sem floreados, faz-nos sentir cada fragmento. Posso ou não rever-me nos pensamentos e opções dos protagonistas, mas em nenhum momento pus em causa as suas partilhas, as suas hesitações, as suas quebras. E vi tudo isto a acontecer à minha frente, porque a Lénia tem a capacidade de construir esse lado cinematográfico através das palavras.

Silêncio no Coração dos Pássaros é uma viagem de autodescoberta, mostrando-nos que não temos de viver um conto de fadas para experienciarmos o encanto. Podemos, até, andar à deriva, mas há acordes que não se silenciam. Não nos silenciam. E, no final, conscientes de que já não temos de ficar no mesmo lugar, conseguimos renascer.


notas literárias
  • Lido entre: 3 e 6 de abril
  • Formato: Físico
  • Género: Romance
  • Personagem favorita: Neste caso, nem é tanto identificar personagens favoritas, mas destacar o quanto os protagonistas são credíveis 
  • Banda sonora: Silêncio no Coração dos Pássaros (playlist criada pela autora)

Disponibilidade: Wook | Bertrand
Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

Fotografia da minha autoria



As portadas são abertas cedo, para que a luz da manhã vá abraçando o espaço com uma certa leveza, com serenidade; para que cada fragmento amanheça sem pressas, acolhendo o silêncio que tanto me aconchega.

Não necessito que cada divisão permaneça excessivamente arrumada, porque sou apologista de um certo caos, porque gosto da urgência que se instala na breve desorganização que eu entendo como a palma da minha mão. Por outro lado, também não pretendo que os visitantes entrem e não saibam onde pôr os pés, com medo de pisar artigos delicados. Quero, isso sim, um equilíbrio desconstruído, percebendo-se que sou eu que habito aquela casa.

Observo o que se esconde para além da fachada e sinto o peso confortável de todas as suas histórias, das curtas metragens transitórias que abrem janelas para diferentes perspetivas. E, então, se delas fizesse um museu?

Há umas semanas, a Rita da Nova e o Guilherme Fonseca, no Terapia de Casal, estiveram a falar sobre o que venderia a loja do museu sobre as suas vidas. E os meus sentidos ficaram logo alerta, atendendo a que senti que poderia ser uma forma engraçada para celebrar a entrada nos trinta e três, sobretudo, pelo seu traço intimista.

Permitam-me, antes de passarmos ao compartimento da loja, sempre tão apetecível nos demais, que vos faça uma visita guiada rápida pelo local, dividido por áreas temáticas, exposições temporárias e outras permanentes.


 o museu sobre a minha vida

As áreas temáticas: 
  • As séries da minha vida (Friends, Foi Assim Que Aconteceu, Mentes Criminosas, Castle, Liberdade 21);
  • Viagem no Tempo (com fotografias de vários momentos, pessoas e lugares onde me sinto em casa);
  • Biblioteca (com todos os meus livros e um espaço de leitura);
  • Casa dos Gatos (sendo os reis da casa, não poderiam ficar de fora);
  • Gira-discos (uma curadoria com as músicas da minha vida).
Exposições temporárias:
  • Aeróbica e Zumba (porque, embora sem qualquer talento, sempre adorei dançar e estas duas modalidades fizeram parte do meu crescimento);
  • Basquetebol (desporto que nunca pratiquei e que continua a ser o maior arrependimento da minha vida).
Exposições permanentes:
  • Poesia (sempre a poesia, por ser a minha voz, tenho cada vez mais certeza disso);
  • Azul e Branco (é o coração e é claro que o Porto teria um lugar de destaque);
  • Cartaz (com todos os bilhetes de concertos e espetáculos a que assisti);
  • Portugalid[Arte] (um espaço dedicado à cultura portuguesa).

 o que venderia a loja do museu sobre a minha vida

A visita termina na loja e, aqui, enquanto nos vamos despedindo devagar, espero que desfrutem de todos os detalhes que me acrescentam, que me definem e sem os quais a minha história ficaria sempre incompleta.

  • Tulipas (as minhas flores favoritas e que me recordam pessoas especiais);
  • Dedais (por ser a coleção que mantenho há mais tempo);
  • Máquinas fotográficas (porque, a par da escrita, é uma das minhas paixões);
  • Artigos de escritório (existe sempre espaço para mais, certo?);
  • Canecas (de várias cores, formatos e funcionalidades);
  • Merchandising (de artistas que admiro, com os quais cresci, que me amparam todos os dias);
  • Livros (favoritos de vida e obras que quero muito ler);
  • Batons (porque, no mundo da maquilhagem, continuam a ser a minha obsessão);
  • Brincos (ao nível dos acessórios, são sempre a minha escolha);
  • Postais do Porto e de Gaia (as minhas margens, o meu lar);
  • Cd's e vinis (porque não há um dia que passe sem banda sonora);
  • Sacos de pano (para transportarmos todas as nossas compras e artigos pessoais).

Abraço os 33 de peito aberto, desejosa de que novas áreas sejam acrescentadas a este museu em construção.

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andreia morais

andreia morais

O meu peito pensa em verso. Escrevo a Portugalid[Arte]. E é provável que me encontrem sempre na companhia de um livro, de um caderno e de uma chávena de chá


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