perguntem a sarah gross, joão pinto coelho

Fotografia da minha autoria



O reencontro com João Pinto Coelho não tardou, primeiro, porque fiquei fascinada com a sua escrita em Mãe, Doce Mar e, segundo, porque eu e a Sofia o incluímos num desafio literário: seis autores para 2025. Sendo totalmente franca convosco, embora seja apenas o segundo contacto, entrou para a minha lista de escritores favoritos.


um passado a apanhar todas as nossas fugas

Perguntem a Sarah Gross leva-nos até 1968, quando Kimberly Parker, «uma jovem professora de Literatura», concorre a uma vaga em St. Oswald’s, um colégio interno de elite, dirigido pela enigmática Sarah Gross. As vidas destas duas mulheres interligam-se não só graças ao contexto profissional, mas também aos fantasmas do passado. Em simultâneo, somos transportados para a cidade de Oshpitzin, a sessenta quilómetros de Cracóvia, que recebeu os primeiros judeus e viu a sua comunidade a aumentar. A felicidade foi dando lugar ao horror e, com a invasão da Polónia pela Alemanha nazi, transformou-se no «maior campo de extermínio da História», de seu nome Auschwitz.

Entrei nesta narrativa devagar, para me habituar ao ritmo e à alternância temporal, mas assim que me familiarizei com a dinâmica fui sugada para aqueles ambientes, para as partilhas das personagens, para o impacto dos seus sonhos, dos seus medos, das suas incertezas. E isso só foi possível porque a escrita do autor é cinematográfica, com a dose certa de detalhes, de emoção e, até, de humor. Há muita coisa a separar-me destas pessoas e, ainda assim, senti-me a caminhar ao lado de cada uma delas.

«Que sentimentos esconderia o silêncio que se seguiu?»

É curioso como o passado parece apanhar todas as nossas fugas, como nos tentamos resguardar e os nossos esforços parecem insuficientes. Na tentativa de encontrar paz, Kimberley mudou-se para longe de tudo o que conhecia, mas a verdade é que nunca se sentiu verdadeiramente livre. Sarah, por seu lado, sem que nunca nos revelasse a sua história, escudou-se da maneira mais inteligente para se proteger - a si e aos seus, como depois compreenderemos. E não consigo deixar de pensar como o futuro de ambas poderia ter sido tão diferente, caso a tragédia não se imiscuísse no caminho.

Pouco a pouco, João Pinto Coelho tirou-me o chão, porque há mestria no modo como traça cada fragmento, no modo como tece as várias camadas desta história e nos envolve nas suas reviravoltas surpreendentes. E, por esse motivo, dei por mim lavada em lágrimas em partes muito específicas, porque conseguiram ser espelho daquilo que o ser humano tem de pior e do que tem de melhor. Acho impossível ficarmos dormentes ao lermos este livro, porque nos desassossega, porque nos obriga a sair da nossa bolha de conforto e a questionar os valores que defendemos, o nosso propósito.

«É curiosa a maneira como certas recordações nos prendem aos lugares onde as vivemos, mesmo que estes não passem de um cenário tão neutro como papel de embrulho»

Creio que me cruzei com protagonistas que dificilmente esquecerei, porque, acima de tudo, o livro é sobre elas, sobre as suas histórias, sobre as suas dores, sobre a forma como resistiram às mais diversas circunstâncias. E sem que seja possível esquecer, também, este período histórico, fica evidente que não estamos perante mais um retrato dentro do tema: o autor trouxe uma perspetiva que parece estar em falta.

Perguntem a Sarah Gross tem tanto de triste como de belo, explora abusos, preconceitos e dinâmicas familiares/de amizade. E é arrebatador do início ao fim. Regressarei.


notas literárias
  • Gatilhos: Preconceito, Luto, Linguagem Explícita
  • Lido entre: 1 e 4 de janeiro de 2025
  • Desafio: 6 autores para 2025
  • Formato de leitura: Físico
  • Género: Policial/Thriller
  • Personagens favoritas: Miranda Pritchard e Sarah Gross
  • Pontos fortes: A escrita envolvente, o mistério e os diálogos
  • Banda sonora: Acácia, Luís Severo | Lembras-te de Mim?, Nena & Carolina de Deus | Piece Of My Heart, Janis Joplin | Lift Me Up, Ground Zero Academy Orchestra | No Body, No Crime, Taylor Swift & HAIM | Buongiorno Principessa, Nicola Piovani

Disponibilidade: Wook (Livro | eBook) | Bertrand (Livro | eBook)
Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

Comentários

  1. Foi o primeiro livro do autor que li e gostei imenso. Até agora não voltei a ler mais nenhum livro dele, mas conto mudar isso com a BiblioLED.

    Beijinho grande, minha querida!

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  2. Não conhecia. Obrigada pela partilha, vai ser uma leitura a ter em conta!
    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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  3. Um autor que está há demasiado tempo na minha lista de autores para ler!

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