descansos, susana amaro velho
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Fotografia da minha autoria |
Gatilhos: Luto, Linguagem Gráfica e Explícita
A tragédia não escolhe berços, nem a profundidade com que nos atinge, mas é capaz de fazer mossa, de deixar estilhaços que nos recordam sempre do passado. No seu mais recente livro, Susana Amaro Velho mostra-nos o impacto desse cenário sombrio.
um livro cheio de camadas surpreendentes
Descansos é um drama familiar que nos coloca na rota dos Alarcão. Consumidos pela dor de eventos traumáticos, pela culpa e pelo desgosto, veem os seus laços afetivos a ficarem cada vez mais frágeis, distanciando-os. Com a vergonha e a intransigência a assumirem uma voz firme, rapidamente compreenderemos que existem situações pendentes, demasiadas perguntas que ficaram sem resposta e silêncios esmagadores.
Laura, uma das protagonistas, regressa à vila que a viu crescer por causa do funeral da mãe, «com quem já não se relacionava há treze anos». Este reencontro desperta muitas emoções fortes, sendo notória, por um lado, a mágoa e, por outro, os fantasmas do passado a serem desenterrados devagar, no momento mais (in)oportuno. Ainda assim, parece-me que ela estava longe de imaginar todas as feridas que ficariam expostas.
O nome da vila nunca nos é relevado e, no entanto, creio que lhe construímos uma imagem, uma identidade que se reveste com os nossos costumes, o nosso dialeto. Embora não pertençamos ao mesmo lugar, nem partilhemos qualquer vínculo de memória, senti-me a voltar a um espaço que me é familiar, sobrepondo-me aos passos das personagens, até porque o enredo é construído a partir de diferentes perspetivas.
Já me tinha cruzado com a indicação de que este livro tem um início mais lento e acho que isso teve uma excelente influência na forma como me relacionei com o desenrolar da ação. Assim, preparada para ir saboreando as palavras, em vez de as devorar, senti-me a orbitar nestas histórias, quase como se me convidassem a sentar e me fossem explicando cada visão dos factos e o modo como se implicaram nos mesmos. Acredito que construir a narrativa com esta especificidade trouxe uma maior consistência às interações, até porque, enquanto leitora, fiquei com a sensação de que nada aqui é unilateral ou enviesado, partilhado apenas para nos confundir e desviar da verdade. As peças vão sendo encaixadas e nós vamos acompanhando todo o processo, sem pressa.
Laura, uma das protagonistas, regressa à vila que a viu crescer por causa do funeral da mãe, «com quem já não se relacionava há treze anos». Este reencontro desperta muitas emoções fortes, sendo notória, por um lado, a mágoa e, por outro, os fantasmas do passado a serem desenterrados devagar, no momento mais (in)oportuno. Ainda assim, parece-me que ela estava longe de imaginar todas as feridas que ficariam expostas.
O nome da vila nunca nos é relevado e, no entanto, creio que lhe construímos uma imagem, uma identidade que se reveste com os nossos costumes, o nosso dialeto. Embora não pertençamos ao mesmo lugar, nem partilhemos qualquer vínculo de memória, senti-me a voltar a um espaço que me é familiar, sobrepondo-me aos passos das personagens, até porque o enredo é construído a partir de diferentes perspetivas.
Já me tinha cruzado com a indicação de que este livro tem um início mais lento e acho que isso teve uma excelente influência na forma como me relacionei com o desenrolar da ação. Assim, preparada para ir saboreando as palavras, em vez de as devorar, senti-me a orbitar nestas histórias, quase como se me convidassem a sentar e me fossem explicando cada visão dos factos e o modo como se implicaram nos mesmos. Acredito que construir a narrativa com esta especificidade trouxe uma maior consistência às interações, até porque, enquanto leitora, fiquei com a sensação de que nada aqui é unilateral ou enviesado, partilhado apenas para nos confundir e desviar da verdade. As peças vão sendo encaixadas e nós vamos acompanhando todo o processo, sem pressa.
«Era esse tipo de pessoa, das que permanecem em silêncio, que guardam, que absorvem, para depois voltarem com a clareza de um sinal no rosto, de uma marca do sol, com o perfume de um cabelo na ponta dos dedos»
Um dos aspetos que mais me fascinou na obra, para além do cuidado e do espaço para que o texto amadurecesse, foi a capacidade que a autora teve de ir desvendado cada camada, fazendo-nos questionar sobre a pertinência de determinado tema ou, até, de certas personagens secundárias, para depois nos mostrar o quanto o seu testemunho era crucial para termos acesso ao cenário completo. Com esta abordagem, explorou a revolta, a tristeza, a impotência, o luto e a necessidade de abraçarmos a redenção.
Confesso, no entanto, que a minha única fragilidade com o livro se prende com o ritmo entre as duas partes centrais, atendendo a que gostava que houvesse um equilíbrio maior nessa transição, no escalar dos acontecimentos. Por outro lado, compreendo que isso possa ser fruto de uma tragédia que se alastra num ápice.
Esta história tira-nos o tapete, fragmenta-nos e faz-nos pensar na quantidade de vezes que permitimos que o rancor mine todas as nossas relações. Em simultâneo, mostra-nos que existem circunstâncias das quais não podemos escapar e que, por mais que o tempo apazigue as nossas dores, talvez nunca nos consigamos reerguer em pleno.
Descansos deixou-me em lágrimas, não só pela maneira como se uniram todas as pontas soltas e por nos transportar para um acontecimento devastador, mas também pelo significado do seu nome. Estava longe de o imaginar e impactou-me de uma forma que ainda não consigo definir. É por detalhes como este que cada vez mais me convenço que a Susana Amaro Velho é uma das vozes maiores da literatura nacional.
🎧 Música para acompanhar: Until The Hurting Is Gone, Billy Raffoul
Confesso, no entanto, que a minha única fragilidade com o livro se prende com o ritmo entre as duas partes centrais, atendendo a que gostava que houvesse um equilíbrio maior nessa transição, no escalar dos acontecimentos. Por outro lado, compreendo que isso possa ser fruto de uma tragédia que se alastra num ápice.
Esta história tira-nos o tapete, fragmenta-nos e faz-nos pensar na quantidade de vezes que permitimos que o rancor mine todas as nossas relações. Em simultâneo, mostra-nos que existem circunstâncias das quais não podemos escapar e que, por mais que o tempo apazigue as nossas dores, talvez nunca nos consigamos reerguer em pleno.
Descansos deixou-me em lágrimas, não só pela maneira como se uniram todas as pontas soltas e por nos transportar para um acontecimento devastador, mas também pelo significado do seu nome. Estava longe de o imaginar e impactou-me de uma forma que ainda não consigo definir. É por detalhes como este que cada vez mais me convenço que a Susana Amaro Velho é uma das vozes maiores da literatura nacional.
🎧 Música para acompanhar: Until The Hurting Is Gone, Billy Raffoul
📖 Outros livros lidos: O Bairro das Cruzes | Inquieta | As Últimas Linhas Destas Mãos | O Sono Delas
6 comments
Fiquei bastante curiosa com esta sugestao *.*
ResponderEliminarAcho que ias gostar de ler, minha querida 😊
EliminarAndréia não podemos deixar o rancor invadir a nossa vida por completo, uma boa sugestão de livro bjs.
ResponderEliminarConcordo, Lucimar! Isso acaba por trazer ainda mais sofrimento
EliminarÉ uma autora que quero ler, já ouvi falar maravilhas.
ResponderEliminarBeijinho grande, minha querida!
Aconselho muito 🥰
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