onde crescem os limoeiros, zoulfa katouh

Fotografia da minha autoria



O ato de escolher um livro pela capa ainda levanta questões, no entanto, existem algumas que nos saltam logo à vista, quase ao ponto de as querermos expor. Isso aconteceu-me com a do livro de Zoulfa Katouh, cujo azulão combinado com o dourado do título ocupou um espaço considerável na minha memória. Aproveitando que foi a escolha de janeiro da Rita no Livra-te, pedi-o emprestado à Sofia e parti à aventura.


uma história sobre escolhas (ou a falta delas)

Onde Crescem os Limoeiros transporta-nos para a Síria, no início dos anos de 2010, quando o país está em plena revolução. A ecoar, para além do medo, temos os sucessivos pedidos de socorro, clemência e liberdade, porque o ambiente começa a revelar-se irrespirável. Aqueles que ficam não sabem a que custo, mas partir, apesar de tentador, pode não ser uma solução, já que há sempre um fator a pesar: ir parece significar virar costas ao país e a todos aqueles que continuam a resistir.

É através de Salama, de 18 anos, a estudar Farmácia e a trabalhar num hospital de Homs, que temos uma visão aproximada do conflito, conhecendo os contornos horrendos de famílias destruídas, de vítimas altamente maltratadas, da desumanidade, de sonhos que ficam suspensos. Em simultâneo, como se já não fosse choque suficiente assistir a tudo na primeira fila, a jovem mulher procura reerguer-se de um luto profundo, tendo em conta que a guerra lhe levou os pais e o irmão. No meio de tanto sofrimento, resta-lhe a companhia da cunhada Layla, «que tanto quer proteger» e que acaba por ser a sua maior fonte de esperança.

«Não quero chorar sobre como vou acabar a adolescência com nada mais do que esperanças perdidas e o sono repleto de pesadelos. Quero sobreviver»

O enredo é gráfico e cinematográfico, portanto, senti-me muitas vezes a ser repescada para a ação, sendo impossível não estabelecer uma ponte com o que se está a passar, hoje, no mundo, onde assistimos a uma crise de refugiados fraturante, pessoas a largarem tudo o que conhecem para sobreviverem, direitos básicos a serem descartados, a mortes por negligência e a um tom de incerteza constante. Aliás, como mencionou a Rita no discord, estar a ler sobre esta guerra civil na Síria ou sobre o que se passa atualmente na Palestina é quase igual, porque existem inúmeros aspetos transversais.

Foi muito duro de acompanhar, por todos os inocentes que não tiveram escolha, por tudo o que não se controla e pelo cenário de caos. No entanto, também encontrei vários pontos de luz e acho que a autora conseguiu equilibrá-los muito bem, já que nem tudo é destruição. Às vezes não temos noção do nosso privilégio e esta história dá-nos outra perspetiva, permite-nos sair da nossa bolha e pensar no outro.

«- Despojaram-nos das nossas escolhas e, por isso, agarramo-nos ao que pode assegurar-nos a sobrevivência»

Adorei a construção das personagens, o ritmo, a forma como oscilamos entre o horror e a esperança e como pomos em causa os nossos valores por um bem maior, porque a narração é bastante credível. Ademais, sinto que esta história tem detalhes lindíssimos, que nos fazem encontrar salvação no meio da catástrofe. A maior fragilidade, para mim, talvez seja mesmo a componente romântica, porque interessou-me mais o elo que se sobrepõe nas entrelinhas.

Onde Crescem os Limoeiros desarmou-me em partes distintas, ao ponto de dar por mim a chorar em muitas delas, porque é uma história sobre pessoas e não sobre números, é sobre aqueles que permanecem no silêncio, esquecidos, a lutarem para sobreviver. E isso, muitas vezes, implica ir, apesar dos riscos, de não se saber o que se encontrará. Por isso, acho que este livro é, ainda, sobre o que pode crescer nos ambientes mais inóspitos, tal como os limoeiros que continuarão a crescer apesar de os tentarem destruir.


notas literárias
  • Gatilhos: Guerra, Linguagem Gráfica e Explícita
  • Lido entre: 5 e 7 de janeiro de 2025
  • Desafio: Clube do Livra-te
  • Formato de leitura: Físico
  • Género: Romance
  • Personagens favoritas: Layla e Salama
  • Pontos fortes: As temáticas que potenciam debate, os detalhes simbólicos e a construção de personagens
  • Banda sonora: Marjorie, Taylor Swift | Epiphany, Taylor Swift | Run For Your Life, The Fray | Wander, Dyathon | Horizons, Marika Takeuchi | Ya Lalali, Kawtar

Disponibilidade: Wook (Livro | eBook) | Bertrand (Livro | eBook)
Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

Comentários

  1. Andréia é um livro que fala do sofrimento pra quem vive nessas áreas de conflito que tem que fazer tudo pra sobreviver, é um bom livro Andréia bjs.

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    1. Sinto que o li sempre em apneia, porque há passagens muito duras (nem poderia ser de outra forma), mas depois também é interessante perceber os traços de esperança

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  2. É um livro que sem dúvida chama pela capa e principalmente pela temática. É recorrente ver nas críticas ao livro falar na parte romântico como o ponto mais fraco, e confesso que tenho medo que essa questão me estrague a leitura por inteiro..

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    1. Percebo o receio, mas, pessoalmente, não acho que estrague a leitura, porque tudo o resto acaba por ser maior e ter mais impacto. O que pode ajudar é mesmo já ires preparada para o facto de a parte romântica não ser um ponto forte

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  3. Vou levar a sugestão para ler mais tarde.

    Estou a ler O Rouxinol sobre a 2a Guerra Mundial e preciso de uma leitura mais leve. É um livro poderoso, mas pesado.

    Beijinho grande, minha querida!

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