Entrelinhas #9

«Em O Tempo dos Amores Perfeitos, Tiago Rebelo conta-nos as aventuras de um oficial português em Angola, nos finais do século XIX, nos conturbados anos que se seguiram ao Ultimatum britânico...»

Um Homem Escandaloso. Era este o título que me vinha automaticamente ao pensamento sempre que ouvia/lia o nome de Tiago Rebelo. Contudo, foi O Tempo dos Amores Perfeitos que comprei primeiro, até porque a curiosidade foi aumentado. Era uma estreia, uma vez que nunca tinha lido algo dele, e tenho a certeza que escolhi muito bem. Agora resta-me esperar pela oportunidade de ler o próximo!

A linguagem utilizada permite-nos compreender com facilidade a sequência da história. Os diálogos são muitíssimo bem construídos e à medida que a ação se desenrola é impossível não nos envolvermos. Há presença de humor, personalidades vincadas, ideais defendidos na altura que rapidamente transportamos para o presente (como é o caso da luta pelo direito das mulheres); ciúme, ódio, abusos de poder, jogo de interesses, tragédia. No fundo, há um conjunto de fatores que nos agarram às palavras e nos fazem avançar rapidamente, porque queremos saber o que acontece depois.

A época a que este livro nos remete tem bastante influência na forma como determinados acontecimentos são tratados. E o facto de se basear, em parte, num antepassado do escritor permite-nos conjugar realidade e ficção. Verdade seja dita, conseguiu fazê-lo de forma exemplar! Não há pontas soltas. E há cuidado na descrição dos pormenores - e por ser repleto deles torna tudo muito mais coerente.

Demonstra-nos a cruel realidade em que algumas pessoas viviam, o quanto as aparências iludem e que, muitas vezes, não fazemos ideia da bagagem que carregam. A força dos preconceitos, também eles abordados na história, alteram a forma de agir - há ódios que se desenvolvem e passam a ser transversais a uma raça inteira, e a sede de vingança manifesta-se. A necessidade de fugir em busca de liberdade cresce. E o desespero leva-nos a tomar decisões drásticas. 

Paralelamente a tudo isto, este livro também nos dá a conhecer uma história de amor conturbada, é certo, e condicionada desde o início. No entanto, o caminho foi percorrido de modo a que resultasse. Este amor foi colocado à prova inúmeras vezes, mas em todas elas houve sempre algo que o fez vencer. Mas será que foi suficiente? Será que há sempre um final feliz?

Não ficamos indiferentes. Em muitos momentos vamos sentir as nossas emoções à flor da pele. E, confesso, houve partes em que as lágrimas quiseram rolar pelo meu rosto. Há revolta, há injustiça, há questões que se levantam porque não conseguimos compreender como é que um ser humano pode ser capaz de determinados atos. Mas também há lealdade, valores e muita verdade. O Tempo dos Amores Perfeitos é surpreendente!

Agora deixo-vos algumas citações: 

«- Não concordo nada com isso. A vida de uma mulher não é mais preciosa do que a de um homem.

- Talvez, mas cada um é para aquilo que nasceu. 

- Pois sim, não vou ao exagero de dizer que o exército devia recrutar mulheres, mas insisto que todas as vidas são preciosas por igual.

- Certamente, certamente... - aquiesceu Carlos, apaziguador» (pág. 20);

«Sem se deter no gesto, sem ponderar a insensatez, Leonor pousou a mão em cima da dele, apertando-a contra o rosto. Carlos aproximou-se um pouco mais, lentamente, fez-lhe uma carícia, como que a compor-lhe o cabelo desalinhado. Olharam-se nos olhos, a centímetros um do outro, notando a respiração apressada, os corações galopantes, as bocas entreabertas numa expectativa amorosa, inevitável» (pág. 35);

«Benvinda, pequenina e magrinha, foi agarrada por um braço e atirada violentamente e com desprezo contra uma parede da casa. Desmaiou, e só não teve o mesmo destino dos outros porque, no meio da confusão da chacina, ninguém voltou a reparar na menina ensanguentada que, após recuperar a consciência, se deixou estar, imóvel, a fazer-se de morta» (pág. 65).