O vizinho do 1º andar

Imagem retirada do google

«E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti», Friedrich Wilhelm Nietzsche


Silencioso. E pouco atencioso. Era assim que viam o vizinho do 1º andar. E por pouco se dar a conhecer, nos raros momentos em que não conseguia evitar sair à rua, estavam longe de imaginar o segredo sangrento que carregava na sua história.

Era uma noite de verão sufocante. Afonso não conseguia dormir, não tanto pelo calor, mas pelo cheiro nauseabundo que vinha dos seus lençóis. Abriu os olhos, claramente desconfortável. E quando acendeu a luz saltou em pânico ao ver a enorme poça de sangue ao seu lado. E a sua atual namorada mutilada com vários golpes.

De repente, sentiu-se sem chão. Uma forte dor no peito impedia-o de rever todos os seus passos até ao momento em que se deitou para adormecer. Teria sido ele? Que surto psicótico teria vivido para fazer tamanho crime e não se lembrar? Sentiu-se a fraquejar. Aquele cenário trágico e negro estava a consumir a sanidade que questionava se ainda teria. E sem mais nada poder fazer, chorou agarrado ao corpo desfigurado da mulher que pensou ser o amor da sua vida.

Atónito, pegou nos poucos pertences que tinha levado. E fugiu. Para longe. Para um lugar onde ninguém sonhasse conhecê-lo. E muito menos associá-lo a Mafalda e àquele dia. Mas consigo foi a culpa de uma vida que chegou ao fim de uma forma tão horrenda. Assim, passou a sobreviver entre as quatro paredes daquele apartamento isolado da grande cidade. Entrou em delírio. E qualquer proximidade com terceiros deixava-o ansioso, motivo pelo qual se afastava sem qualquer hesitação. Dentro da sua cabeça só via o mal de uma noite que não consegue explicar. E viveu para sempre com medo: de um dia abrir a porta e ser levado pela polícia. Ou, pior, de tudo se voltar a repetir.

As alucinações, os suores frios e o sofrimento eram cada vez mais evidentes e torturantes. As palavras que ouvia sobre si ecoavam e abriam a ferida que aquela noite provocou na sua alma. Não o conheciam. Não sabiam o quanto poderia ser perigoso. Nem mesmo ele próprio...

A porta do 1º andar nunca mais se abriu. Mas a 27 de agosto, um ano depois daquele fatídico momento, quando o relógio marcava as 4h37, um som oco invadiu os ruídos da madrugada.

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