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Fotografia da minha autoria |
«Cobrar é o pior»
A reciprocidade é uma manifestação de genuíno apreço, revelando-se ainda mais importante quando a nossa partilha nasce de um lugar benigno. Porque é entusiasmante criar conteúdo por pura paixão e ver o retorno de quem o abraça com tanto interesse. O problema é quando tornamos essa motivação numa exigência constante - a nós e aos demais.
A NOSSA POSTURA NO DIGITAL
A nossa presença no mundo digital é cada vez mais expressiva. Não só porque há uma vontade evidente de nos manifestarmos, mas também porque recebemos imensos estímulos que nos incitam a permanecer online. E isso pode ser um luxo, uma bênção ou uma fonte de ansiedade. Enquanto existe quem encontre nas suas plataformas uma ferramenta de descontração, há quem acuse a pressão de viver em rede. Porque, de repente, encontramos requisitos e obrigações que devem ser cumpridos.
Quando refleti acerca da minha pegada, nesta publicação, foquei-me num aspeto que considero ser o desencadeador da problemática: os números e a falsa imagem de competência que podem transmitir. No entanto, creio que a questão estende-se por outros parâmetros, nomeadamente, para a Síndrome de FOMO - Fear Of Missing Out. Ou seja, o medo de ficarmos de fora e de, por consequência, perdermos algo. Por essa razão, comprometemo-nos a estar e a tentarmos ser relevantes em cada um dos nossos passos, porque sentimos necessidade de nos destacarmos. Quando as vozes aumentam, não queremos ficar esquecidos. E isso, consciente ou inconscientemente, despoleta uma nova condicionante: a cobrança.
O PERIGO DA COBRANÇA
Delinearmos um objetivo e reunirmos esforços nesse sentido não é errado. É, antes de tudo, uma questão de disciplina e prioridade. Contudo, se nos começarmos a exigir em demasia, o problema floresce.
1. Porque passamos a comparar-nos e a desvalorizar o nosso trabalho;
2. Porque desencaminhamos o nosso propósito;
3. Porque achamos que aquilo que fazemos nunca é suficiente;
4. Porque o nosso investimento passa de orgânico a obrigatório;
5. Porque [talvez a mais importante] perdemos a diversão toda.
Querermos produzir o melhor conteúdo que somos capazes é maravilhoso, porque sentimos o doce sabor do desafio e a nossa criatividade a borbulhar. Mas, se o fizermos apenas para mostrar, porque sentimos a pressão de sermos produtivos, ativos e visíveis nas redes, então, já nos deixamos consumir e andamos em círculos. E aí nasce a cobrança.
1. Porque deveríamos ter publicado e não o fizemos;
2. Porque não definimos um nicho;
3. Porque não satisfizemos o algoritmo;
4. Porque o nosso feed não segue uma linha coerente;
5. Porque deixamos comentários sem resposta;
6. Porque não aparecemos nas histórias;
7. Porque não somos regulares.
A lista, na realidade, é interminável. Mas... E onde fica a minha liberdade? Volto a reforçar esta pergunta, porque considero fundamental separarmos os propósitos de cada utilizador, em vez de nos tentarmos colocar na mesma caixa. E este é outro tipo de exigência.
LAZER VS PROFISSÃO
Eu entendo a necessidade inerente de contas maiores, que têm no mundo digital a sua fonte de rendimento, permanecerem atentas a todos estes fatores. O que importa compreender é que não procuramos todos o mesmo.
É possível profissionalizar este meio, mas também é válido mantermos as nossas plataformas por puro entretenimento. E a partir do momento em que fazemos essa distinção é mais simples irmos diminuindo exigências descabidas, porque o resultado difere. Aliás, perpetuá-las só nos leva a obter o contrário do que idealizamos: baixo rendimento.
Além disso, reparem neste cenário: cobramo-nos por não publicarmos. Publicamos. E, à posteriori, cobramo-nos porque a nossa partilha não tem a qualidade que pretendíamos. Qual é a lógica? Não é preferível desligarmos por uns tempos, em vez de nos impormos algo que não nos deixa confortáveis? É assim tão necessário aparecermos? Vale tudo?
Estabeleçam bem o vosso propósito e mantenham-se fiéis a essa essência. E, acima de tudo, não permitam que o caminho não seja saudável. Nem sintam que por alguém criar conteúdo diariamente essa tem de ser a vossa meta, se não o quiserem. A vida já cobra de tantas formas, não necessitamos de lhe providenciar mais esta oportunidade.
COBRAR MENOS
A cobrança desmedida traz, como é fácil de compreender, mais prejuízos. Quer quando a aplicamos a nós, quer quando a direcionamos a terceiros. Porque, embora nos pareça o oposto, não conhecemos a realidade de quem gere determinada conta de Instagram, Facebook, blogue ou outra. E não é justo passar a sensação que nos devem algo, só porque consumimos o seu conteúdo. Pelo mesmo princípio, também não o devemos a quem nos acompanha. Por isso, respirem. Desfrutem [mesmo quando é o vosso trabalho]. E, sobretudo, ouçam a vossa vontade e respeitem-se. Essa é a melhor forma de valorizarem os vossos leitores.
Em simultâneo, é a maneira mais favorável de enaltecerem os vossos projetos. Caso contrário, podem ficar desmotivados, perder o interesse e, inclusive, virem a desistir de uma ideia/iniciativa que tanto vos entusiasmava. Porque cobrar toldou o vosso discernimento e fez com que deixassem de compreender qual o motivo que vos fez arriscar e avançar.
Portanto, priorizemos sempre o que nos corre no peito. Pela verdade.
FAÇAM O QUE VOS APETECE
No final do dia, as redes são apenas isso. Como mencionou a Sofia no episódio mais recente do seu podcast - Crise de Identidade [que, a propósito, recomendo em pleno] -, podemos parar. Não temos de estar sempre a mostrar conteúdo, caso a nossa vontade seja estar onfline. Porque não há uma maneira exclusiva de construirmos a nossa bolha digital, nem de sermos relevantes. Quem chega por bem sabe esperar e aceitar o nosso ritmo. Caso não o faça, lembrem-se, o importante é que vocês se sintam serenos. Porque o vosso espaço não é o dos outros.
Cuidem de quem vos apoia e mostra interesse. Mas não [se] cobrem. Neste panorama a transbordar de novidades, ainda são a autenticidade e a espontaneidade que tecem belos fios de proximidade. Saibamos manter esse nó seguro. Mesmo que nos apeteça desligar. Não é o fim do mundo.