ENTRELINHAS || O RETORNO

Fotografia da minha autoria



«África sempre presente mas cada vez mais longe»


A história do nosso país reserva muitos traços de heroísmo. Porém, também carrega o peso de feridas em aberto, sobretudo, por mostrarem o pior traço da humanidade. E, em 1975, durante a descolonização, houve muito ódio destinado a um grupo de pessoas em específico. Portanto, como terá sido regressar a casa, sentindo que não lhe pertencemos? Foi o que procurei descobrir no livro da autora Dulce Maria Cardoso.

«A doença da mãe e esta guerra que nos faz ir para a 
metrópole são assuntos parecidos pelo silêncio que causam»

O Retorno mostra-nos uma família preparada para abandonar Angola e voltar a Portugal, através da voz, dos pensamentos e dos sentimentos do filho adolescente. Perante esta realidade dolorosa - e a transbordar de hostilidade -, compreendemos o limbo em que se encerra o seu crescimento, até porque tudo é novidade e há alguma dificuldade em decifrar o verdadeiro impacto desta mudança. Mas, por outro lado, o relato «sem paninhos quentes» é uma evidência das consequências a que estão sujeitos. Porque existe muita desconfiança em relação aos retornados. E não há, propriamente, vontade de a minimizar. Pelo contrário, é visível. É intencional. É verbal. E, claro, dilacera.

«Tenho tanto medo que quero desaparecer»

Num quarto de hotel, presos a divagações que se revelam murros no estômago, somos confrontados pelos limites da decência e da moralidade. Pelo preconceito, pelo racismo, pelo medo e pela doença. E é insano, mas atual, perceber que os rótulos ainda assumem um lugar de destaque na sociedade, como se as pessoas não valessem mais. Além disso, incomoda a designação de «portugueses de segunda», porque amplia as dificuldades. Assim, este livro tem a capacidade de nos desorganizar por dentro, fazendo-nos repensar o nosso privilégio.

«(...) quem tem uma boa família não tem nada a temer no mundo»

A escrita da autora tem uma certa leveza, ao mesmo tempo que choca e que nos leva a sentir o contraste cultural, económico e social. Embora tenha sentido a narrativa menos intensa na parte da metrópole e algo repetitiva, creio que a sua humanidade é transversal, apelando à empatia e à perfeita noção do desespero, da revolta, da raiva e do amor que floresce nas entrelinhas. Porque, apesar de tudo, também transmite alguma esperança - mesmo que seja necessário inventá-la.

«(...) esta terra não nos pertence enquanto não lhe conhecermos o coração»

O Retorno é comovente, mostrando a identidade individual e coletiva, as origens e aquilo que é ser família. Existe uma altura em que sentimos vontade de partir e de recomeçar, por maiores que sejam as dificuldades. Mas há fragmentos que permanecerão enraizados em nós.

«Fecho os olhos com mais força»


Disponibilidade: Wook | Bertrand

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Comentários

  1. Nunca li nada da autora, obrigada pela partilha desta resenha, parece-me um livro interessante.

    Beijinho grande!

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    1. Estreei-me na obra da autora com este e estou desejosa de ler mais :)
      Vale mesmo muito a pena!

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  2. Tenho mesmo de ler este livro pois tambem eu tive familiares retornados das ex-colonias, tambem de Angola... muito muito obrigada por esta partilha <3

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  3. Apesar de tudo integraram-se muito bem na sociedade!
    xoxo

    marisasclosetblog.com

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  4. Mais um que deve ser bastante interessante para conhecer, nunca ouvi falar
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

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  5. Ainda hoje, passados tantos anos, continuam a ser chamados de retornados.
    Boa sugestão.

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  6. Pela sua narrativa me parece uma que merece ser lida
    Obrigada pela partilha
    Beijinhos

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  7. Este é mesmo muito muito interessante! Não conhecia a autora. É por estar “por dentro” das vivências de quem sofreu tudo isto. Mais uma ótima sugestão para a minha lista 😍😍😍

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    1. Recomendo, minha querida. É um livro muito interessante, que nos dá uma perspetiva muito humana desta situação

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  8. Já ando há muito tempo para ler algum livro desta autora, mas por uma razão ou por outra, ainda não aconteceu. Mas este tu review deixou-me cheia de curiosidade para ler este livro.
    Beijinhos,
    Six Miles Deep

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    1. Há livros que se vão tornando mais prioritários, faz parte :)
      Foi o meu primeiro contacto com a autora e fiquei fascinada com a escrita

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