ENTRELINHAS ||
MEMORIAL DO CONVENTO

Fotografia da minha autoria


«Era uma vez um rei que fez promessa 
de levantar um convento em Mafra»


O percurso de cada estudante é distinto, por isso, permaneço relutante à imposição de estudar certas obras. Ou, talvez, apenas continue a recear a abordagem em sala de aula, pois pode condicionar a proximidade com as mesmas. Enquanto aluna do secundário, não consegui estabelecer qualquer vínculo com os livros obrigatórios. Não só porque me faltou o estímulo apropriado, mas também porque ainda não tinha maturidade literária para compreender a mensagem. Após uma experiência negativa, senti que estava na hora de regressar a José Saramago.

«Calaram-se os homens, indignados, das freiras não se ouvia agora um suspiro»

Memorial do Convento transporta-nos para Mafra, maioritariamente, mas faz-nos descobrir um mundo maior, sobretudo, quando nos concentramos nos valores que movem o ser humano. Porque o poder ainda impera numa sociedade com claras divisões entre classes. No entanto, não é necessário avançarmos muito nesta história - com tantas outras dentro - para identificarmos o seu tom irónico e a crítica social inerente. Além disso, compreendemos que é um autêntico tributo ao povo anónimo, sempre subjugado, mas que não vira costas ao trabalho - nem à luta.

«Já sabemos que destes dois se amam as almas, os corpos e as vontades»

Num país e num tempo em que as superstições adquirem força, e as fogueiras da Inquisição são um destino quase inevitável, «há três loucos portugueses» que se afiguram no nosso pensamento, porque trazem na bagagem e no peito uma missão e uma essência inspiradoras. E é impressionante como, acompanhando-os, verificamos que existem muitos aspetos atuais, sendo exemplo disso a falta de oportunidades de emprego para pessoas com algum tipo de limitação, o papel diminuído da mulher, a cegueira religiosa, a pobreza e o suicídio. Assim, num misto de sonho e de revolta, cruzamo-nos com vidas muito distintas, mas que parecem combinar na perfeição. Por essa razão, Blimunda, Baltasar e o Padre Bartolomeu serão sempre a minha parte favorita desta narrativa.

«(...) que seria de nós se não sonhássemos»

A escrita, para um primeiro contacto com o autor, continuo a sentir que não é tão intuitiva - e reconheço que há pormenores a mais, que pouco acrescentam à ação. Contudo, fiz as pazes com esta obra, porque compreendi a riqueza das suas entrelinhas. A harmonia com a Natureza [enquanto elemento e enquanto caráter]. As viagens idílicas. A dor da perda. O tom cómico. E, sobretudo, o poder dos sonhos e das promessas. Ainda que o final me tenha custado, transmite uma energia especial.

«É quando somos velhos que as coisas que estão para vir começam a acontecer»

Memorial do Convento tece uma linha bastante ténue entre a realidade e a ficção. E interliga, com equilíbrio, os dados históricos com a beleza de um texto que é sobre amizade, rebeldia, sacrifício e amor.

«(...) pela primeira vez sentiu o vazio do espaço»


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Comentários

  1. Confesso que nunca li nada do Saramago, já comecei a ler este livro, mas desisti por não apreciar o estilo de escrita do autor, mas reconheço a sua genialidade. Quem sabe um dia mais tarde regresse a ele.

    Também só estabeleci vínculo com algumas obras, muito depois de ter terminado o secundário, quando senti que tinha maturidade para os ler. Tenho aproveitado o teu desafio para reler alguns.

    Beijinho grande!

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    1. Quero aproveitar, agora, para explorar outras obras do autor. Acho que o Memorial talvez não seja o mais amigável para começar, mas tudo dependerá da nossa maturidade e predisposição, claro.

      Oh, que bom, fico contente por o Alma Lusitana estar a permitir esse caminho :)

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  2. Na minha altura, não estudei Saramago. A obra em estudo foi "Aparição" de Virgílio Ferreira e simplesmente adorei.
    De Saramago li "O conto da ilha desconhecida" em fiquei super admirada com a sensibilidade que o escritor impunha à sua escrita. Não estava nada à espera. E li, também, o livro "Ensaio sobre a cegueira" e também gostei muito. Estranhei a escrita no início, mas depois consegui avançar bem na leitura.

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    1. Aparição nunca li, mas vou procurar :)
      Sim, O Conto da Ilha Desconhecida é um encanto. Esqueço-me sempre dessa obra, mas também adorei-a. É como tu referes, tem uma sensibilidade inspiradora. Tenho de a reler.
      Ensaio Sobre a Cegueira está na minha lista

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  3. Acreditas se disser que nunca li Saramago? Tenho imenso medo de não gostar e nunca peguei em nenhuma obra. E nem estudei no secundário, estudei a Aparição, que gostei imenso. Enfim, irei fazê-lo um dia, estou certa.

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    1. Acredito, claro. Também demorei bastante até priorizar a leitura das suas obras, até porque tinha esta experiência bem presente.
      Quando sentires que é o momento :)

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  4. Não li o livro mas conheço muito bem o Convento, por dentro e por fora.
    .
    Cumprimentos poéticos.
    Cuide-se
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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    1. O Convento também tenho a sorte de conhecer. E estou desejosa de lá voltar :)

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  5. Deve ser mais uma boa sugestão para conhecer, mas acho que esse livro nunca ouvi falar dele
    Beijinhos
    Novo post
    Tem post novos todos os dias

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  6. O meu Rui leu Ensaio sobre a Cegueira :) Nunca li Saramago mas tenho muita curiosidade :) No meu tempo da escola os Maias foram leitura recomendada/obrigatoria mas eu so li os resumos o que deixou a minha madrinha, que viveu na casa do Eça na Granja, muito triste...

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    1. Tenho o Ensaio Sobre a Cegueira na lista :)
      Também tive Os Maias como leitura obrigatória e fiz o mesmo que tu. Quero ver se entre este mês e o próximo leio a obra

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  7. A única vez que tentei ler Saramago foi justamente esse livro e não consegui. Um dia talvez tente ler de novo. Também acredito que tudo tem o seu tempo e quem sabe se numa próxima vez eu não gostarei? :)

    Coisas de Feltro

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    1. Também acredito muito nisso. Cada livro tem o seu momento :) nada como dares uma segunda oportunidade, se te fizer sentido

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  8. Já li esse livro, mas confesso que já não me lembro da história.

    Isabel Sá  
    Brilhos da Moda

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  9. Não consegui gostar (a não ser os Maias) das obras que dei enquanto estudante. Sou apologista de que não deveriam haver tantas obras obrigatórias no ensino, porque os alunos não dão a devida atenção e vejo uns quantos a ler apenas resumos, a deixar de querer ler só por causa dos livros obrigatórios. Quando nos obrigam a ler, é óbvio que não vamos querer ler. Surge o efeito contrário ao que queremos.
    Tenho de voltar a Memorial do Convento porque sei que não fiquei com a história que deveria ter ficado. ☹️

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    1. Também não consegui fazê-lo - nem com Os Maias -, se calhar, porque a abordagem não foi a mais estimulante. Ainda não tinha maturidade literária suficiente e senti que as obras foram dadas porque tinham de ser :/
      Força nisso, pode ser que, dessa vez, te surpreenda pela positiva

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  10. Deve ter sido o único livro que li no liceu e gostei ;)

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  11. Li em tempos excertos deste livro. Saramago é um "osso duro" de ler....

    Beijos e abraços.
    Sandra C.
    Bluestrass

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    1. É um bocadinho, sobretudo, quando não estamos habituados ao estilo. Mal posso esperar por avançar para outras obras :)

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  12. Infelizmente tentei ler este livro e não consegui passar das 40 páginas.
    O ritmo é-me confuso... e assim foi autor a que não regressei...

    Boa semana,

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    1. Compreendo, não tem o estilo narrativo mais intuitivo.
      Pode ser que outro livro do autor te surpreenda mais :)

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  13. Em Janeiro li o Ensaio sobre a cegueira e adorei! Devias experimentar esse. Irias identificar-te muito visto que o livro retrata uma pandemia. :)

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