OLHAR PARA AS ESTRELAS

Fotografia da minha autoria



Título sugerido pela Matilde Ferreira


Estava a ficar farta da ladainha de sempre, daquela espécie de mantra que é suposto alinhar os nossos chakras  seja lá isso o que isso for , mas que só me deixa com os nervos em franja! Desde quando é que um «olha para as estrelas» é a resposta para todos os problemas do mundo? Perdão, do meu mundo? Isto é do mais piroso que pode existir. Preciso mesmo de sair deste lugar.

Sim, reconheço, as estrelas são bonitas vistas de longe, mas já não tenho cinco anos para acreditar que escondem qualquer mensagem encriptada, que deciframos se as observarmos com atenção. Eu cresci, estou a um passo de ser mulher, mas é como se à minha volta ninguém percebesse isso. Pior, é como se se recusassem a aceitar que não sou mais uma criança e que este pedaço de terra esquecido pela humanidade já não me serve. Calma, não me acho grande de mais para ele, não me acho assim tão importante, apenas sinto que preciso de viver coisas diferentes, de esfolar os joelhos em asfaltos diferentes, de ter o coração despedaçado e de lamber as feridas numa vista panorâmica diferente  é parvo, admito, mas curar um desgosto na Capadócia é bem mais glamoroso do que fazê-lo numa casa no meio do monte. Este último ganha pontos pela melancolia, mas o primeiro vence qualquer pódio: pelo charme desconhecido, pela vista idílica, pela esperança em céu aberto. Aqui, até a vizinha mais deslocada consegue ouvir os meus suspiros profundos.

Passo noites em claro a traçar estratégias, mas há sempre alguma merda a estragar os planos. Por isso, engulo o orgulho e continuo no sítio de sempre, a ouvir que devia olhar mais para a estrelas, porque são demasiado bonitas para não serem contempladas. Se o meu futuro dependesse desta beleza, certamente, já teria orientado toda a minha vida.

Há uns dias, esparramada no sofá, a ver uma série qualquer, uma das personagens disse «vá, mundo», como se fosse uma maneira subtil de dizer ao outro para ir, para desamparar a paciência, que é sempre tão curta nestes contextos. E eu até ia, apanhava essa boleia, se este lugar não me prendesse. Esta ideia de ficar presa a algo que já não sou perturba-me, deixa-me a cabeça a explodir. Fui tão ingénua ao pensar que tinha encontrado a solução perfeita, mas, em vez de se construírem pontes, edificaram-se muros mais altos.

Estou uma lástima, eu sei, embora pareça a única a corroborar esse facto, mas preciso tanto de ver o mundo florir para me ver a mim a ganhar cor. Ando pálida de sonhos, inerte, a arrastar-me por vontades alheias. «Vá, mundo», repito em surdina, mas parece-me que não surte o efeito pretendido.

Antes que me afunde de vez, preciso que me deixem ir. Não basta que me abram a janela à noite, para que respire o ar da madrugada, preciso de pisar a terra. Estar aqui sufoca-me, compenso em demasia e ninguém o sabe. Só me sabem dizer para olhar para a porra das estrelas, como se isso fosse suficiente, como se isso chegasse para me realizar. Não é, não chega, todos sabem, ninguém o respeita.

Eu fui feita para sentir saudades, não para me habituar à presença. Fui feita para regressar, em períodos próprios, não para ficar eternamente. E por mais que os caminhos tenham sido construídos em paralelo, preciso de curvar para uma direção que me leve para longe. Estou farta de pensar pequeno, mesmo que a imensidão me assuste.

Dou voltas e mais voltas na cama. Conto até cem. Conto carneiros, vacas, pinguins, nada resulta. Sento-me à secretária e deixo que seja o coração a guiar as palavras. Faço as malas, seguro as lágrimas e fecho a porta devagar. Não sei para onde será suposto ir, mas existirão estrelas por lá.

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