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Fotografias da minha autoria |
«Uma das melhores vozes da ficção portuguesa»
O meu primeiro contacto com a escrita de João Tordo ocorreu através de Ensina-me a Voar Sobe os Telhados e o fascínio foi imediato, portanto, o passo seguinte pareceu-me evidente: descobrir toda a sua obra.
Esta travessia tem acontecido de um modo gradual, até porque a lista de livros publicados já é considerável. Comecei por concentrar a minha atenção nos mais recentes, mas quero recuar aos antigos, pois acredito que é uma forma interessante de identificar a sua evolução narrativa. Se é estritatemente necessário? De todo, mas aprecio fazer este exercício. No topo das minhas preferências estava a Trilogia dos Lugares Sem Nome.
A TRILOGIA DOS LUGARES SEM NOME
A premissa que unifica esta trilogia demonstra bem o quanto João Tordo «explora, através de personagens únicas e universais, numa geografia singular, os temas da memória e do afeto, do amor e da desolação, da vida terrena e espiritual, procurando aquilo que com mais força nos liga aos outros e a nos próprios».
Apesar de terem, em tal caso, elos que os interligam, os romances podem ser lidos de modo independente, porque respeitam uma época cronológica distinta, ao mesmo tempo que dão voz a histórias, vidas e problemáticas autónomas. Ainda assim, para captar certos detalhes, preferi descobri-los pela ordem sugerida.
A estrutura quebra um pouco a identidade literária que fui construindo do autor, mas achei isso maravilhoso. Aliás, é um dos aspetos que mais admiro no João Tordo, porque não tem receio de experimentar registos diferentes. Além disso, adorei as pontes que criou para que reconhecêssemos os três exemplares uns nos outros, criando uma atmosfera própria: traduz a sensação de reconhecermos a nossa casa em qualquer lugar.
O LUTO DE ELIAS GRO

Avisos de Conteúdo: Doença, Morte, Referência a Violência
A perda, o sofrimento e a culpa são realidades transversais a qualquer ser humano, mas a maneira como lidamos com cada um destes conceitos é completamente distinta. Por isso é que não existem comportamentos mais ou menos certos: há, sim, gestões que podem fazer mais ou menos sentido na vida das pessoas, transmitindo-lhes um maior conforto ou expiação. E o João Tordo fez este exercício com muita mestria.
«Eu carecia de razões como o céu da cidade carece de estrelas»
Embarcar nesta leitura foi emocionalmente exigente, porque sentimos a dor e a solidão das personagens. Sentimos o desnorte, a hesitação e os contratempos que as envolvem. E, sobretudo, sentimos que o amor, mesmo que se manifeste com subtileza, está sempre presente, a evitar que resvalem numa escuridão profunda, a evitar que o futuro se esfume. Senti-me a sufocar em algumas passagens, enquanto outras me revestiram de esperança. E senti-me a ceder no final, porque é de uma humanidade desconcertante.
O PARAÍSO SEGUNDO LARS D.

Avisos de Conteúdo: Crueldade Animal, Suicídio,
Doenças Terminais; Linguagem Explícita
O Paraíso existirá mesmo ou será apenas um subterfúgio da nossa realidade? Neste segundo volume, acabamos por refletir sobre isso e sobre os efeitos que a solidão tem em nós e em quem nos é próximo.
«Tudo passa por nós, mas quem escolhe as coisas que ficam?»
Confesso que não me relacionei tanto com os protagonistas, mas a carga emocional é extraordinária, implicado-nos nos seus debates internos - que, mais tarde, também são fonte de medo, de angústia, de desnorte. Achei particularmente curioso o jogo que há ao longo destas páginas, numa constante dança entre o desencanto e o deslumbre, entre o desinteresse pela vida e a chama que nos impulsiona a continuar.
«Passamos a carregar o peso de uma coisa que não nos pertence»
Vivemos nestas palavras como Lars procurava viver nas suas histórias - publicadas e por publicar -, sempre à procura de um sentido, sempre a tentar encaixar todas as peças, sempre a encontrar formas de apaziguar inquietações e silêncios que nos fragmentam, até ao dia em que uma insónia nos pode levar para longe.
O DESLUMBRE DE CECILIA FLUSS

Avisos de Conteúdo: Linguagem Explícita, Depressão, Demência,
Referência Suicídio, Morte, Mutilação
O final da trilogia dos Lugares Sem Nome deixou-me sem chão, porque é inacreditável como o autor nos faz sentir os dilemas, os conflitos internos, os fragmentos de dor e a subtileza do amor nos mais pequenos gestos. Além disso, é fascinante perceber como costurou cada ligação, transportando-nos para o seu universo.
«O meu caso, creio, é mais difícil que o da maioria, porque eu
consigo lidar com as emoções; o que eu não aguento são os factos»
Neste livro, há reviravoltas que nos desconcertam, que fazem querer descobrir o destino de cada um dos envolvidos. Depois, há um protagonista a descobrir o mundo e a carregar nos seus ombros o peso da perda, de uma vida em suspenso, de uma filosofia que o pretende deixar mais sereno e de um legado familiar que não é capaz de controlar. Regressando sempre ao passado, é evidente que há assuntos que tem por resolver.
«Toda a gente precisa de um lugar onde transformar a sua dor»
A solidão volta a funcionar como personagem e a ser um elemento agregador, ainda que isso não seja discutido. Em simultâneo, pelos seus caminhos paralelos, faz-nos pensar sobre a maneira como nos relacionamos com os outros e, acima de tudo, sobre o pouco poder que temos, quando as nossas capacidades cognitivas enfraquecem. É mesmo um deslumbre. Talvez estejamos todos a tentar não cair nos seus braços.
12 Comments
O João Tordo já é dos meus autores de eleição, tem uma escrita absolutamente extraordinária. Só me faltam 5 livros para terminar a sua bibliografia. Quero muito ir à Feira do Livro do Porto conhecê-lo e dar um abraço ao José Luís Peixoto, se estiver por lá este ano. Adorei esta trilogia, prendeu-me completamente.
ResponderEliminarBeijinho grande, minha querida!
Tudo o que tenho lido dele tem-me deixado fascinada. Esta trilogia, então, nem se fala *-*
EliminarFico a torcer para que isso aconteça. Pode ser que até nos cruzemos por lá
Beijinho grande, minha querida
Uma resenha excepcional e que sempre nos desperta o desejo que conhecer a obra do autor
ResponderEliminarUm lindo dia para você
Beijinhos
Muito, muito obrigada, Gracita!
EliminarNunca li nenhum livro dele. Talvez tenha chegado a hora.
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda
Aconselho, Isa :)
EliminarEstou muito curiosa em relacao a este autor *.*
ResponderEliminarSou suspeita, mas é maravilhoso!
EliminarAgradeço pela recomendação, não conhecia o autor.
ResponderEliminarObrigada pelo retorno :)
EliminarMe parece ser mais uma boa opção para se conhecer, vou levar a dica
ResponderEliminarBeijinhos
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Recomendo, Sofia. Tenho adorado tudo o que tenho lido do autor
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