ESTANTE CÁPSULA JUKEBOX (10)

Fotografia da minha autoria



A banda sonora de uma viagem literária


A montanha russa que vai nesta playlist é difícil de qualificar, mas entusiasma-me. Dos catorze temas que foram adicionados este mês, reconheço que fiquei viciada num deles e que há outro que foge completamente da minha zona de conforto. Pelo meio, recordei canções que adoro e ainda pude recuar no tempo.


OBRA POÉTICA, SOPHIA DE MELLO BREYNER
Na Ilha, Elisa ▫ Um dos livros compilados nesta obra é o “Ilhas” e, quando lá cheguei, recordei-me logo da música da Elisa, que me pareceu muito alinhada com a mensagem: pelo traço camaleónico, pela viagem, pela noção de lugar e pela vontade de chegar a algum lado. Há um impulso de ida e a certeza do regresso.

NO MEU BAIRRO, LÚCIA VICENTE & TIAGO M.
Chelas, Sara Correia ▫ A realidade representada tem as suas diferenças e, no entanto, consegui rever este livro nas palavras da Sara, porque há uma pressão exterior para “esconder as raízes”, para seguir uma norma que foi definida sabe-se lá por quem e com que propriedade. Além disso, quando ela canta “Mas no meu bairro eu vejo prédios de todas as cores”, pensei que esses prédios poderíamos ser nós, cada um com as suas características, cada um com as suas diferenças, mas a coexistir num espaço comum, porque tem de existir espaço para todos. Não temos de ser mais comedidos, não temos de fingir ser o que não somos, nem precisamos de ser de mais lado nenhum, porque neste bairro cabemos todos.

PRETÉRITO PERFEITO, RAQUEL SEREJO MARTINS
I Am The Resurrection, The Stone Roses ▫ The Stone Roses era uma das bandas favoritas de Vasco, o protagonista de Pretérito Perfeito. Tendo em conta que, numa das cenas, estava a ouvir este tema em concreto, achei que seria a associação mais justa. Quando terminei a leitura, fui procurar a letra e percebi que versos como “I need to be alone” ou “There's a time and place for everything/I've got to get it through” podiam muito bem ser usados para descrever a personagem.

ONTEM À NOITE NO TELEGRAPH CLUB, MALINDA LO
1950, King Princess ▫ Queria que esta leitura tivesse banda sonora, por isso, abri o Spotify e procurei por uma playlist inspirada no livro, para que fosse mais fácil entrar no ambiente. A autora tinha criado uma, com músicas mencionadas na história ou que se pudessem adequar de alguma forma, e carreguei no play. Fiquei logo encantada pela primeira, de King Pricess, e percebi que não podia escolher mais nenhuma. Pelos temas centrais, talvez houvesse outras que encaixassem melhor, mas a letra de 1950 foi-me recordando das protagonistas, além disso, imaginei muitas das cenas entre ambas a acontecerem ao som desta canção.

O CADERNO VERMELHO DA RAPARIGA KARATECA, ANA PESSOA
Lobo Bobo, João Gilberto ▫ A N não é uma menina, é karateca e decidiu salvar um caderno vermelho, aparentemente banal, mas que se revelou o mundo inteiro. A dado momento, alguém lhe sugere escrever na companhia de João Gilberto, porque a sua voz está entre o jazz e o samba. Embora não o tenha feito, a verdade é que este tema em concreto, tendo em conta a letra, poderia muito bem ser palco das suas histórias.

O CORAÇÃO DOS HOMENS, HUGO GONÇALVES
Battle Scene, Hans Newman ▫ Fui para este instrumental por três motivos: 1) faz parte da banda sonora do filme Million Dollar Baby, cuja protagonista também pretende fazer do pugilismo a sua vida; 2) o título funciona como uma extensão da narrativa, já que parece que as personagens estão numa batalha constante - ora física, ora interior; 3) pela melodia que vai oscilando no seu ritmo, como se fosse composta por diferentes fragmentos. No livro de Hugo Gonçalves, o ritmo também vai oscilando, como se, no centro do ringue e/ou na vida lá fora, os passos assumissem diferentes notas.

BORDADOS, MARJANE SATRAPI
Ginger Ale, Diana Castro ▫ A escolha desta música foi mais pela ideia do que propriamente pela letra em si. No livro de Marjane Satrapi, vemos mulheres a assumir as rédeas das suas vidas, a debater sobre feminismo, ainda que isso não seja explícito, a comentarem as suas fisionomias e sobre sexualidade. Na sala, reunidas numa tertúlia despojada, é o tom cómico que assume protagonismo. Ao ouvir a música da Diana Castro, imaginei estas mulheres a dançarem embaladas pelo sua melodia. Livres, a tentarem mover montanhas e com um passaporte para voltarem a cada uma delas.

TODAS AS PALAVRAS, MANUEL ANTÓNIO PINA
Casa - Vem Fazer de Conta, Da Weasel & Manel Cruz ▫ Ler os poemas de Manuel António Pina é ter uma sensação constante de regresso a casa. É sentir que deixamos o mundo lá fora e nos refugiamos no único espaço onde estamos em paz. Por isso, a associação musical só podia ser esta. Ademais, «Nunca tão poucas palavras tiveram tanto significado/E de repente era assim, do nada, como um ser iluminado/Tudo fazia sentido, respirar fazia sentido, andar fazia sentido». O tema que junta os Da Weasel e o Manel Cruz parece trazer vários cenários de uma relação - própria e com outros -, tal como os versos do poeta.

APONTAR É FEIO, JOANA MARQUES
Wannabe, Spice Girls ▫ Não imaginava Joana Marques, no intervalo grande da escola, a imitar o vídeoclipe de Wannabe, enquanto Victoria Adams (futura Victoria Beckham), mas não é assim tão descabido, já que as Spice Girls foram a banda sonora de muitos jovens (eu incluída). Portanto, para prolongar esta imagem e para marcar uma posição quanto à passagem do tempo, achei por bem embalar este livro com a música em questão.

MISERICÓRDIA, LÍDIA JORGE
Gaivota, Amália Rodrigues ▫ O Hotel Paraíso contava sempre com os momentos musicais do senhor Peralta. Inicialmente, brindava os seus companheiros com canções religiosas, mas, depois de uma temporada no Canadá, mudou o seu registo. Se calhar, foram as saudades de Portugal que o mudaram, por isso, «passou a tocar fados e canções nacionais», sendo um deles Gaivota, de Amália Rodrigues. Como este tema marcou um momento encantador e feliz no lar, senti que não precisava de procurar por uma música melhor.

DEIXA-TE DE MENTIRAS, PHILIPPE BESSON
Veiller Tard, Jean-Jacques Goldman ▫ Não sei se esta imagem pertence ao plano ficcional ou se o autor a resgatou da sua realidade, no entanto, nas paredes do seu quarto tinha cartazes de Jean-Jacques Goldman, cantor e compositor francês. Quando este seu gosto é colocado em causa, contrapõe, sugerindo que se preste atenção às letras, sobretudo da canção Veiller Tard. E, de facto, os versos que utiliza como exemplo não podiam encaixar mais nesta história: “estas palavras presas que não se foi capaz de dizer, estes olhares insistentes que não foram compreendidos, estes apelos evidentes, estes lampejos tardios, estas mordeduras de arrependimento que se confiam à noite”. Estes versos são um retrato fiel dos protagonistas.

ENQUANTO VAMOS SOBREVIVENDO A ESTA DOENÇA FATAL, NELSON NUNES
Death Is Not Defeat, Architects ▫ Se o autor menciona que os Architects foram "força motriz e um combustível para a escrita", servindo como banda sonora na construção deste livro e como inspiração, parece-me lógico que a combinação só poderia ser esta. Confesso que não seria a minha escolha, porque não é um género que costume ouvir, no entanto, cruzando o tema do livro com a história da banda - e com esta letra em particular - foi fácil colocar as minhas preferências de parte. Este tema é o que lhe assenta melhor.

BAIRRO DAS CRUZES, SUSANA AMARO VELHO
Grândola, Vila Morena, José Afonso ▫ A música do Zeca Afonso, no início do livro, não seria permitida, porque as personagens ainda viviam em ditadura. A partir de certa altura, ouvir Zeca também não seria suportável para Luísa. No entanto, sendo tema de liberdade e sendo essa liberdade procurada ao longo da narrativa, acho que não poderia selecionar outra canção. Não sei se, nestas páginas, temos «em cada esquina um amigo», mas sei que encontraremos as suas cruzes em cada uma delas.

SOLITÁRIO, ALICE OSEMAN
It's Not, Aimee Mann ▫ Tori tinha um gosto muito mais melancólico e, graças a isso, consegui descobrir novos artistas. Ainda pensei associar o tema Creep, dos Radiohead, porque sinto que ela tinha essa imagem sobre si, mas percebi que a canção de Aimee Mann a representava melhor: porque ela continuava «a dar voltas e voltas no mesmo velho circuito», porque atrás «do quadro pode-se ver isso tão perfeito, mas não é» e, sobretudo, porque esperava por uma mudança, embora não soubesse qual era. As pessoas são complexas e houve muitos momentos em que se sentiu congelada, em total apatia e descrente em relação ao futuro.

Comentários

  1. Só grandes sugestoes *.* Tambem li No Meu Bairro e gostei muito :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Aww, que bom, fico mesmo feliz. É um livro maravilhoso, não é?

      Eliminar
  2. Vou guardar mais estas sugestões. Boa semana!
    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

    ResponderEliminar
  3. A Wannabe da Spice Girls faz-me tanto lembrar a minha adolescência. Acho que combina muito bem com o livro da Joana Marques, destaca a irreverência.

    E a música Gaivota parece-me perfeita para o livro da Lídia Jorge.

    Vou guardar a playlist.

    Beijinho grande, minha querida!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Ri-me muito quando vi a referência à música, mas, de facto, faz sentido pela irreverência 🤣
      Também sinto que sim

      Eliminar
  4. Que são uma boa sugestão até algumas que ainda não conhecia de todo
    Beijinhos
    Novo post
    Tem Post Novo Diariamente

    ResponderEliminar

Enviar um comentário