e o telefone não toca

Fotografia da minha autoria


Esperar não é necessariamente ficar à espera

O telefone não toca. As horas vão passando, em câmara lenta, e o telefone continua sem tocar. E eu que odeio falar por chamada, como se o corpo estivesse numa extensão invisível até ao outro lado da linha, da vida, de qualquer coisa que não sou eu, só queria ouvir o seu toque. Mas ele não toca e eu continuo a desbloqueá-lo ao segundo, à espera de um sinal, de um pequeno milagre que sossegue a ansiedade

É curioso como, de repente, funcionamos pelo inverso, como somos aquele carro em contramão, porque queremos um pouco de paz, porque procuramos algo que cale o medo que se agiganta no peito. Quando estava apaixonada, eram aqueles malditos três pontinhos que me levavam à loucura. O abismo do silêncio estava próximo e aqueles três pontinhos, de quem continua a escrever, carregavam o mundo inteiro. Mas a mensagem nunca mais aparecia no ecrã, presa num vendaval emocional que parecia nunca encontrar maneira de chegar até mim.

Eram as borboletas na barriga a crescer e o fosso cada vez maior, até que o fundo da mensagem deixava de estar vazio. Havia uma resposta e uma possibilidade de futuro. E, mesmo que não fosse o futuro desejado, era um caminho, algo concreto com o qual poderia lidar. No fundo, acho que é isso que me assusta: o abstrato, o que pode ser, mas não sei se é, os cenários infinitos que, não tão raras vezes assim, nunca são uma das hipóteses que idealizei. Hoje, é o telefone que não toca. É a voz que não ouço do outro lado da linha a afagar as inseguranças, a repetir em surdina, com palavras novas, que o pior já passou. Hoje, sem que exista qualquer romantismo na equação, é o raio do telefone que continua inerte. E eu continuo a tocar-lhe ao segundo, só para garantir que tem som, que não se desligou, que não está em modo voo a impedir qualquer comunicação. Sei que nenhuma destas fatalidades é viável, mas o discernimento da ausência ativa o pânico.

O mundo continua em movimento e nem sequer vou discutir como é que isso é possível, quando me sinto paralisada, nada funcional, a ansiar que me puxem desta dormência. Mas, depois, de olhar atento, sei que o problema não é bem o telefone não tocar: é a incerteza. É o medo do que pode soar do outro lado, quando a chamada chegar. E a mim sempre me ensinaram a ter cuidado com o que desejo. Será?

Agora é outra coisa. A hora já vai adiantada e, por fim, o telefone toca. E quando desligo, há uma descarga que me inunda com as lágrimas que fui acumulando nos dias anteriores. Porque o telefone tocou, finalmente, e o pior já passou. Agora, só te falta ver chegar a casa: é que aqui o silêncio é mais confortável.

9 Comments

  1. Esperar faz parte *.* Muito muito obrigada pela partilha desta escrita tao inspiradora :) Continua, por favor *.*

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    1. Bom é... entrar no teu Cantinho e ser brindada com estas historias e pensamentos incriveis *.* Bem hajas :)

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    2. Eu é que agradeço por esse retorno tão bom! Muito, muito obrigada *-*

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  2. Fiquei com um nó no coração com este suspense.

    Maravilhoso *.*

    Beijinho grande, minha querida!

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