lisboa, chão sagrado, ana bárbara pedrosa

Fotografia da minha autoria


Gatilhos: Linguagem Explícita; Referência a Aborto


O livro de Ana Bárbara Pedrosa foi a minha companhia no feriado - e durante parte da tarde de sábado. Da lista de 24 autores que selecionei para o Alma Lusitana, era um dos nomes que mais queria descobrir: por um lado, pelas críticas pouco consensuais com que me fui cruzando e, por outro, pela imagem que construí acerca da sua escrita. Em relação a esta última parte, encontrei um registo diferente do que estava à espera.


carnal e muito íntimo

Lisboa, Chão Sagrado cruza vários cantos do mundo, levando-nos da capital portuguesa até ao Rio de Janeiro, do interior da Bahia à Palestina, e cinco personagens: Eduardo, Mariana, Noé, Matias e Dulcineia são os eixos desta narrativa e é interessante como, tendo histórias individuais, existe um ponto em que se interligam sem o prevermos. Além disso, parece haver um denominador comum a todos eles: as relações carnais.

A cama é, nesta lógica, o ponto de encontro para explorarem fantasias e anseios, para resolverem o tédio, a tristeza e a falta de amor. Num misto de urgência e decadência, vemos a autora a explorar muitos conflitos emocionais e materiais sem qualquer filtro.

Devo confessar que achei o início da obra um pouco confuso, por nos confrontar com dinâmicas tão distintas (e distantes), mas também gostei que abrisse essa porta e que nos transportasse para realidades e perspetivas muito íntimas, ao mesmo tempo que nos mostra as várias facetas do mesmo problema. No final, acabei por sentir que esse jogo ajudou a compreender a complexidade das relações. As personagens aparentam estar a tentar preencher vazios, no entanto, é como se só vissem aumentar o desnorte.

«Não sabia como explicar-lhe que entendia a farsa e não lhe competia apaparicar-lhe o ego. Não cabia a mulher nenhuma ser o bem-estar de um homem»

A linguagem é crua e faz-nos sentir a oscilação dos protagonistas, que passam do fascínio à desilusão, que investem na sedução, mas que também têm necessidade de lamber as feridas do desgosto, do que se quebra, do que se procura e está inacessível. Eduarda, Mariana, Noé, Matias e Dulcineia lutam contra os seus fantasmas, tabus e preconceitos e improvisam numa dança de corpos ofegantes e perdidos, à procura de um sentido, à procura de calar desamores e um futuro tão incerto, onde se veem sós.

Não vou desenvolver muito mais sobre o enredo, para não comprometer a experiência, mas não podia deixar de destacar dois aspetos: a abordagem sobre as dificuldades da língua (partilhamos o português, mas há diferenças que erguem muros e provocam desentendimentos) e o facto de não ser um romance heteronormativo (sem que isso seja anunciado, já que acredito que parte da aceitação também passa por abordarmos as questões sem lhe colocarmos esse holofote). Gostava, ainda assim, que alguns acontecimentos fossem menos céleres e algumas descrições menos estereotipadas.

Lisboa, Chão Sagrado, creio, é um retrato do que procuramos nos outros, quase como se estivéssemos à espera que nos concertassem ou que trouxessem aquilo que sentimos estar em falta. E isso, quase sempre, desenvolve frustrações, mal entendidos e uma pressão desleal. Por outro lado, sinto que espelha o que julgamos merecer e o perigo de construirmos a nossa vida em função de uma só pessoa. Com um tom impulsivo, visceral, a autora também nos mostra que a casualidade expõe as nossas fragilidades.


🎧 Música para acompanhar: Quina da Cama, Pedro Sampaio


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Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

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