intermezzo, sally rooney

Fotografia da minha autoria



Gatilhos: Referência a Doença Oncológica, Relações Disfuncionais, Luto, Negligência, Pensamentos Suicidas


Os interlúdios preenchem vários espaços na nossa vida, como se fossem uma ponte entre tudo o que nos compõe. E sinto que, em relação a Sally Rooney, tive de me socorrer de Sr. Salário para preencher um desses espaços e não acusar a falta que me estava a fazer lê-la. O seu último lançamento foi há três anos, mas não estive esse tempo todo longe das suas histórias, ainda assim, parece que encontrei uma autora completamente nova - e encheu-me as medidas.


um livro que cresce com o tempo

Intermezzo conta-nos a história de dois irmãos: Peter, um advogado de sucesso, de 32 anos, e Ivan, dez anos mais novo, que é um exímio jogador de xadrez. Encontrando-se em pólos opostos de personalidade (e não só), veem-se unidos pela perda. Portanto, assistimos à forma como o luto se agrega à realidade de cada um e como a morte do pai é gerida tendo em conta todos os problemas com que se debatem.

É, no fundo, um drama familiar e fascinou-me logo perceber que a autora se focaria em duas personagens masculinas, mantendo questões políticas como plano de fundo, enquanto a saúde mental tem um destaque maior. Além disso, achei curiosa a evolução que a comunicação tem tido nas suas obras. É um elemento que continua a manifestar fragilidades entre os protagonistas, mas, neste enredo, vemo-los a analisar tudo ao detalhe, a verbalizar o que os apoquenta, a não esconder totalmente o que sentem. Se o fizeram sempre da melhor maneira? Nem por isso, mas nenhum deles é um ser perfeito e eu gosto dessa verdade, da vulnerabilidade e, inclusive, do desconforto que surge em algumas cenas.

A escrita deste livro está diferente: senti-a mais profunda e mais complexa. Por vezes, nem me parecia bem a da Sally Rooney. E entendo a arrogância que é escrever isto, como se a conhecesse, como se soubesse de cor a sua voz e fosse capaz de antecipar os seus passos - é só a ilusão de ter encontrado uma autora que adoro e de quem leria até a lista de compras. No entanto, também a encontrei sempre lá, porque sinto que ninguém constrói dinâmicas intra e interpessoais como Rooney.

«A vida, afinal, não se escapuliu da sua rede. Isso é coisa que não existe, a vida a escapulir-se: a vida é a própria rede, mantendo as pessoas nos lugares, conferindo sentido às coisas»

Demorei um pouco a entrar na história, porque precisava de ser descoberta devagar e não de um modo frenético, para ser capaz de absorver cada camada, para ser capaz de compreender que a energia dos capítulos é um espelho dos seus narradores e da forma como observam e se posicionam no mundo. Sobretudo, para perceber que há muitas mensagens naquilo que não é partilhado, nos silêncios que se interpõem nos diálogos.

Levantaram-se questões interessantes sobre diferenças geracionais, sobre relações não monogâmicas, sobre feminismo e a intervenção masculina nos movimentos que têm surgido e, claro, sobre o luto. Em simultâneo, percebe-se que existem feridas muito profundas a condicionar a vida de Peter e de Ivan, e a intimidade entre ambos. E, atendendo a que as mágoas do passado ainda lhes pesam, é interessante ver como este intervalo se revela uma viagem de (auto)descoberta.

Assim que me alinhei com a dinâmica deste livro, foi mais simples entrar na cabeça dos protagonistas, ao ponto de, por um lado, sentir que havia capítulos em que podia estar mais tranquila, como se estivesse a explorar novas facetas sem consequências de maior, e, por outro, que havia capítulos em que estava em apneia, num fluxo de consciência que me impedia de respirar. Acho que a autora teve um trabalho de escrita exímio para nos fazer sentir esta dicotomia, colocando-nos na pele dos dois irmãos.

Intermezzo é complexo, emocionalmente denso e acredito que é uma história que vai crescendo em nós. Sendo o trabalho mais maduro de Sally Rooney, não deixa de transparecer a sensibilidade que lhe reconhecemos, mostrando-nos a importância de perdoar e o poder da aceitação. É necessário continuar a viver, a conseguir ver para lá do luto, e estas personagens - este livro - vieram fazer morada em mim. Não lhes largarei a mão.


🎧 Música para acompanhar: Timmy's Prayer, Sampha



Disponibilidade: Wook | Bertrand

Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

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