a origem dos dias, miguel d'alte

Fotografia da minha autoria



Gatilhos: Luto, Álcool e Drogas


A escrita de Miguel D’Alte foi um dos aspetos que mais me fascinou quando li Os Crimes do Verão de 1985, deixando-me com vontade de o descobrir noutro registo. A ideia seria ir ao primeiro livro, mas acabei por avançar para o romance mais recente.


uma viagem por diferentes lugares e estados de espírito

A Origem dos Dias não só nos faz viajar no tempo, como também nos leva a transitar entre diferentes lugares e estados de espírito. Tomás Franco mudou-se para o Porto com o objetivo de se desvincular «de uma infância lacerada por uma tragédia» e de se tornar escritor. Em simultâneo, sentiu o impulso de compreender a verdade sobre a história do seu avô, Pierre Lacroix, um escritor maldito, que fugiu de França durante a Segunda Guerra Mundial, porque a imagem que preserva do avô não corresponde ao homem que descrevem. Já na Invicta, será confrontado com uma série de fantasmas.

O discurso na primeira pessoa aproxima-nos e, creio, foi a abordagem mais certeira para o enredo, uma vez que precisamos de sentir todas as sombras do protagonista; precisamos de nos colocar no seu lugar e sentir o desconforto, a desorientação, o medo e a sua vulnerabilidade. Tomás aparenta carregar o peso do mundo nos ombros e quase se torna aflitivo acompanhá-lo, visto que são mais os momentos em que se sente perdido, absorto numa espiral de autodestruição. Por esse motivo, não é difícil de compreender que encontra alento em certos vícios, que o adormecem e ajudam a esquecer, tornando os dias mais suportáveis. Numa bolha de solidão profunda, a sua vida está sempre a um passo do abismo, no entanto, vai conquistando novos fôlegos.

É quando conhece Leonor, uma mulher sobre quem sabe muito pouco, que o destino se altera e o nosso protagonista/narrador começa a perseguir os pequenos rasgos de luz, ao mesmo tempo que procura respostas e atar todas as pontas soltas: quer em relação ao que pretende para o futuro, quer em relação ao passado. Portanto, nesta travessia marcada por tantas oscilações, obsessões e doses de esperança, percebemos que é muito ténue a linha que separa a vontade de continuar e o desejo de desistir.

«Eu não escrevia para ser rico ou famoso, mas para me ocupar, para aprender a viver, para não pensar no que não estava resolvido no meu passado»

Sinto que fui avançando nesta leitura com pés de lá, para não incomodar e para ser capaz de absorver cada camada - e este livro tem várias, sendo um dos seus pontos fortes. E deambulei, igualmente, atormentada pelos silêncios, pelas inquietações tão evidentes, pela tristeza quase palpável. É certo que nem sempre me revi nas decisões e nos comportamentos de Tomás Franco, contudo, acho que consegui compreender as suas motivações e, sobretudo, distinguir as metamorfoses pelas quais foi passando.

A Origem dos Dias tem histórias dentro de histórias, linhas narrativas que se cruzam e que nos mantêm em suspenso, intrigados com a forma como se desenrolarão. Fui criando as minhas teorias em relação a algumas situações e adorei como, no fim, tudo encaixou tão bem. Explorando heranças familiares, paixões extremas e a procura pela nossa identidade, enquanto descobrimos diferentes versões de quem somos, o autor também nos coloca em contacto com a complexidade do processo de escrita e das memórias. E mostra-nos que existem pessoas que nos estendem a mão, salvando-nos.


🎧 Música para acompanhar: Shadowplay, Joy Division

📖 Outro livro lido: Os Crimes do Verão de 1985


Disponibilidade: Wook | Bertrand

Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

Comentários

Enviar um comentário