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o americano

by - fevereiro 10, 2025

Fotografia da minha autoria


O início dos anos 80, no Algarve, ficou marcado por momentos de terror, uma vez que o gangue FP-27, liderado por Faustino Cavaco, protagonizou vários assaltos na região. Ao todo, contabilizaram-se vinte a bancos e a «fuga da prisão de Pinheiro da Cruz».


impressões depois de ver o primeiro episódio

A série O Americano, que estreou na primeira segunda-feira de dezembro, foca-se na história dos «irmãos Cavaco», considerada uma das mais intrigantes, uma vez que colocou em evidência não só as inúmeras facetas da criminalidade e a habilidade do grupo, mas também a precariedade e a necessidade de sobreviver a todo o custo.

De acordo com o realizador Ivo M. Ferreira, O Americano «assume um tom western de uma certa portugalidade rural». E, embora seja cedo para tecer uma análise profunda ao enredo, acho que o episódio inicial já nos deixa antever o quanto é ténue a linha que separa a honestidade da trafulhice, sobretudo, quando as dificuldades financeiras ampliam uma constante sensação de sufoco. Ademais, é tentador transpor limites quando nos prometem uma solução rápida, praticamente inconsequente. Mas será que os meios justificam os fins? Será que o risco compensará olhar por cima do ombro?

Achei interessante o espelho da dúvida e o prenúncio de mudança, porque, perante momentos de tensão, que nos tiram o tapete, não é assim tão óbvio sermos capazes de nos mantermos fiéis aos nossos valores. Entre negócios, festa e ligações questionáveis, a tragédia permanecerá à espreita. E o jogo de manipulação será um aliado de peso.


considerações finais sobre a série

A história de um gangue que aterrorizou o Algarve, no início dos anos 80, foi a minha companhia nas últimas semanas. Nesta adaptação ficcionada, inspirada «na história verdadeira dos irmãos Cavaco», como referi antes, ficamos a conhecer a extensão dos danos, que incluem não só assaltos, mas também homicídios, «nomeadamente de três guardas prisionais».

Eu ainda não tinha nascido quando tudo isto aconteceu, no entanto, considerando as palavras do realizador da série, foi um assunto que dominou o país, não só o Algarve, uma vez que a fuga do estabelecimento prisional de Pinheiro da Cruz foi uma das mais minuciosas e violentas e os criminosos andavam a monte. Portanto, só houve um pouco de sossego quando os envolvidos foram capturados. Faustino Cavaco, mais conhecido com O Americano, foi o último a ser encontrado, saindo da prisão em 1999.

Inevitavelmente, uma situação desta magnitude desperta interesse e, quase quarenta anos depois do sucedido, talvez os traumas que possam existir comecem a dar lugar a uma análise distanciada, menos emocional, que nos permita refletir sobre motivações e sobre a forma como este grupo foi atando todas as pontas soltas para que os crimes fossem bem sucedidos, trazendo-lhes estabilidade financeira e um estatuto social. O importante era aparecer, mas nunca ser visto por aquilo que acontecia nas sombras.

Um aspeto que, para mim, ficou claro no decorrer dos oito episódios foi o quanto a vida das personagens estava intimamente ligada à história do país, sendo um espelho do panorama político, das fragilidades económicas, do equilibrismo necessário para manter negócios rentáveis (e legais), enquanto patrões falhavam ordenados, as famílias aumentavam e o futuro risonho parecia escapar por entre os dedos. Claro que nenhum dos cenários desculpabiliza as ações do gangue, nem é esse o propósito, mas creio que se torna evidente que surge como uma consequência de cada um deles, da necessidade de sobreviver e de não passar a vida a contar tostões, perante a incerteza do amanhã.

A concretização deste argumento expõe a violência e o medo sentidos na altura, bem como todos os desafios e as relações duvidosas, mas também parece ter um tom de inocência, muito por causa de algumas decisões irrefletidas do protagonista. Embora nos faça acreditar que sabe o que está a fazer, pela firmeza do diálogo, pela maneira como ludibria aqueles com quem se cruza, não deixa de ser um homem de 20 e poucos anos a jogar um jogo demasiado perigoso para a vida que ainda não tinha feita.

Faustino foi-me desconcertando, por um lado, pela sua postura fechada, de quem não chegou para fazer amigos, e, por outro, pelo seu sentido de lealdade. Nem sempre foi prudente, mas a sua inteligência minimizou as fragilidades. E em vários episódios dei por mim a pensar que parecia ser duas pessoas completamente diferentes, porque era impossível que um homem tão preocupado com os seus não tivesse qualquer prurido em atormentar terceiros, se se revelassem um estorvo nos seus esquemas. Além disso, questionei-me se, em algum momento, ele quis mesmo fugir, recomeçar noutro lugar, ou se há promessas inquebráveis que mudam o curso da nossa história para sempre.

Apesar de não ser possível identificar com precisão o que é real e o que foi pensado para o enredo, há mensagens que ficam a pairar: uma delas é que «o mal existe para lá das pessoas», outra é que o lugar de onde vimos nos molda, mas que não é o único responsável por quem nos tornamos. Aliás, comprovamo-lo com as personagens de Cavaco e de Godinho, cujos caminhos e desfechos não poderiam ser mais opostos.

O Americano transita entre o passado e o presente, até que se tornam parte da mesma matéria. Transportando-nos para as guerras que cada um carrega por dentro, admito que terminei comovida, porque existe uma certa poesia nas cenas finais: ainda que não seja possível esquecer, compreendemos que talvez ninguém seja genuinamente mau.

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12 comments

  1. Não tenho memória disso, mas vou guardar esta sugestão!
    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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  2. Vou levar a sugestão. Só recentemente descobri que a Vodafone incluía a RTP Play e tenho aproveitado para descobrir as séries e filmes.
    Tenho de ver essa.
    Beijinho grande, minha querida!

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  3. Parece ser uma película bem interessante de ser acompanhada.

    Boa semana!

    O JOVEM JORNALISTA está em HIATUS DE VERÃO do dia 19 de janeiro à 06 de março, mas comentarei nos blogs amigos nesse período. O JJ, portanto, está cheio de posts legais e interessantes. Não deixe de conferir!

    Jovem Jornalista
    Instagram

    Até mais, Emerson Garcia

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  4. Comecei a ver esta serie mas adormeci :/ Mas tenho de a retomar pois gostei bastante. E nem de proposito, este domingo estava a ver na RTP Play a hora do provedor, e nao pude deixar de reparar numa queixa de um telespectador a esta serie: dizia ele q achava lamentavel esta serie passar no horario nobre tendo cenas de sexo. So pergunto em que seculo esta pessoa vive? Para ja a serie passa depois do telejornal, às 9 da noite e nao acho que a essa hora as crianças devam estasr acordadas. Ja para nao falar que nao acho q a serie tenha cenas muito chocantes... mas enfim. Faz-me lembrar quando eu era miuda e tambem existiam pessoas destas a queixarem-se por tudo e por nada. Será que nunca vao evoluir?... Desculpa o desabafo mas fiquei mesmo parva com esta "queixa"...

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    Respostas
    1. Estava a leste dessa queixa, confesso 😱 por essa ordem de ideias, não podiam transmitir novelas, não podia haver episódios dos Morangos antes do telejornal... Compreenderia se fossem cenas super explícitas, que chocassem, o que não acho que seja o caso destas

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  5. Não conhecia! Obrigada pela partilha.

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