As minhas viagens de metro #31

«Do lugar onde estou já fui embora», Manoel de Barros

A garrafa de vidro partiu. Estilhaçou-se na bancada da cozinha. Cortou-me o pulso enquanto me arrancaste mais um pedaço da minha dignidade. Esta relação doentia que nos envolve tinha que chegar ao fim. Fui fraca ao aceitar ser tua submissa. E aproveitando esse meu passo em falso, enclausuraste-me como se fosse um pássaro impedido de voar. Basta! Foi o último corte que me infligiste. Desta vez fui eu que cortei. Não partes do que és, mas tudo aquilo que nos unia.

Arranquei as amarras que me prendiam ao chão e fugi para longe; para um lugar onde nunca mais me poderás encontrar. Os vidros ficaram espalhados. Virei costas e parti sem transparecer um pingo de insegurança, dúvida, medo, remorso. Não me tentes seguir, será em vão, porque não vais gostar da sensação do vidro-verdade a rasgar-te a pele - ainda que este tipo de dor seja mínima quando comparada à que me provocaste todos estes anos. Perdi-me no meio da neblina, agora estou em paz!

M, 02.02.2015