Entrelinhas #52
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Fotografia da minha autoria |
«O Sul é uma porta de avião que se abre e um cheiro inebriante a verde que nos suga, o calor, a humidade colada à pele, os risos das pessoas, o ruído, a confusão de um terminal de bagagens, um excesso de tudo que nos engole e arrasta como uma vaga gigantesca»
Miguel Sousa Tavares é um verdadeiro contador de histórias. E eu sigo embalada no seu discurso fluído; nas suas palavras expressivas, que nos transportam para cenários surpreendentes. Como referi no Entrelinhas #29, rendi-me completamente à sua escrita, porque consegue ser crua e poética, envolvente e misteriosa. Simultaneamente, enquanto autor, é extremamente versátil, o que, para mim, é mais um argumento válido para descobrir as suas obras literárias.
À semelhança do que aconteceu com Equador, foi o meu vizinho que me emprestou Sul - iniciado com um poema delicioso de Sophia de Mello Breyner Andresen e apresentando uma nota introdutória tão sincera e comovente. É um facto comprovado que adoro ler sobre viagens. E, sendo este é o tema central do livro, tinha tudo para me conquistar. E conquistou! O registo narrativo é bastante diferente, com uma vertente mais jornalística, mas igualmente proximal, uma vez que o relato paisagístico e sequencial é intercalado com descrições de momentos, peripécias e contratempos. Muita coisa deve ter mudado entretanto. Ainda assim, é fascinante conhecer a realidade de cada local visitado e explorado, até porque Miguel Sousa Tavares não se limita a partilhar informações formais e biográficas dos mesmos, muito pelo contrário, abre-nos as portas para um lado histórico, social, cultural e político. Além disso, as viagens são realizadas por caminhos não turísticos, possibilitando-nos uma visão mais profunda e pura da essência dos diversos lugares. De uma forma natural, sentimo-nos a viajar sem sair do lugar, pois as suas descrições incitam-nos a imaginar. A desfrutar de todas as componentes. E é este cuidado, esta atenção aos pormenores que nos transmite a sensação de estarmos a viver esta experiência na primeira pessoa.
Ao volante da minha Pão de Forma imaginária, acompanhei o protagonista por São Tomé e Príncipe, pela Amazónia, pelo Egipto, por Goa, por Cabo Verde, pelo Alentejo [o meu adorado Alentejo], por Alhambra, por Marraquexe, pela Costa do Marfim, pela Tunísia, pelo Brasil, por Veneza, por Guadalupe, pelo Parque Kruger, por África e pelo Deserto do Saara. As deslocações - e consequente desbravamento - sucederam-se em meses e anos diferentes. Portanto, é possível ler cada relato pela ordem que pretendermos - seja por nos ser mais confortável, seja por nos despertar maior interesse. Apesar de não existir um fio condutor, que nos obrigue a conhecer a rota traçada sem avançar e/ou recuar páginas a nosso bel-prazer, optei por seguir o rumo tal e qual como aparece estruturado. E, confesso, fiquei particularmente encantada com Cabo Verde, Egipto e Marraquexe. Este livro mostra-nos que, para além dos compromissos profissionais, estamos perante uma viagem de auto-descoberta, sobretudo pela quantidade de imprevistos que foram necessários solucionar e pelos contrastes culturais e humanitários. Outro aspeto interessante é que existe um foco nos preparativos que antecederam a partida e já nos próprios locais, tornando a narração muito mais consistente e completa. Atendendo a que estes textos têm mais de 20 anos, acabam por assumir a função de documentos históricos, ajudando a preservar a identidade passada de cada um dos destinos mencionados.
Como uma narrativa repleta de cores, aromas e sons, também sentimos a dureza de determinadas realidades, porque prevalece sempre a verdade - em momento algo há uma tentativa de romantizar os acontecimentos. Em compensação, principalmente depois de ser ler No Teu Deserto, identifica-se a paixão e o lado familiar que o deserto desperta no autor. Sul é, definitivamente, um livro com mundo dentro!
Deixo-vos, agora, com algumas citações:
«Nunca mais me esqueço deste voo, porque nele sucedeu um fenómeno a que nunca tinha assistido: de repente, ouviu-se um estrondo medonho, seguido de um poço-de-ar interminável, como se o avião estivesse em queda livre, de barriga» [p:17];
«Além da possibilidade de ver uma paisagem lindíssima, a experiência é um excelente teste cardíaco» [p:41];
«Da janela do hotel, na escuridão sem lua duma noite de Janeiro, espreito o Alhambra, agora silencioso e deserto de turistas. Vejo apenas sombras e curvas que se agitam suavemente. Imagino palácios adormecidos e mouras encantadas em furtivas janelas. Azulejos e fontes, sedas e oiro. Esplendor e outras eras. E, devagar, releio uma frase que li, escrita numa placa incrustada numa das estradas: "Mesmo que nada restasse senão as sombras destes muros, a sua lembrança ficaria para sempre, indestrutível, como refúgio único dos sonhos e da arte"» [p:63];
«Quando me ajoelhei na água, no fim do caminho, para agradecer aos deuses terem-me levado até ali, fiquei a imaginar o que teriam pensado os que, há quinhentos anos, ali chegaram pela primeira vez, àquelas mesmíssimas praias onde eu tinha passado. Algum dia terão imaginado conhecer os limites deste imenso país?» [p:111];
«Mas, enfim, é nestas coisas que eu cada vez sinto mais que o deserto é uma escola de vida. Aqui, grandes valentões ficam sem coragem e frieza alguma e tipos por quem à primeira vista não se dá nada, revelam-se verdadeiros aventureiros de sangue-frio e coração quente» [p:126]
Nota: As gavetas da minha casa encantada tornaram-se afiliadas da Wook. Por isso, ao comprarem através dos links disponibilizados, estão a contribuir para os meus hábitos de leitura e, consequentemente, para o crescimento do blogue. Obrigada ❣
Já li quase todos os livros senão todos do Miguel Sousa Tavares e este Sul foi o primeiro livro que li dele e quase me fez fazer uma viagem a Marrocos para ver e sentir o deserto.
ResponderEliminarUm abraço e continuação de boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros
MST tem nos genes a escrita da sua mãe, concordo ctg é mesmo um contador de histórias e um homem de palavras :)
ResponderEliminarGostei do review, também gosto de me deixar embalar por livros de viagens :) Dão-me vontade de querer ir para o sitio que estou a ler :) e viajo muito na minha mente :)
Bjinhosss
https://matildeferreira.co.uk
Confesso que não é um autor que siga religiosamente, li apenas "Madrugada Suja" e gostei muito.
ResponderEliminarVou ter que mudar isso, fiquei com curiosidade em ler este livro, parece-me excelente :)
Beijinhos!
Como sempre, as tuas entrelinhas maravilhosas sobre os livros, abrem sempre o apetite, mas este autor também ainda não me puxou!!
ResponderEliminarBeijinhos
Agradeço, de coração, o feedback :)
EliminarPodes ainda não ter encontrado o livro certo dele para ti
Como sempre, mais uma maravilhosa publicação. Parabéns. :))
ResponderEliminarBjos
Votos de uma óptima Quinta - Feira.
MST é mesmo um bom contador de histórias.
ResponderEliminarE este livro é muito bom.
Continuação de boa semana, amiga Andreia.
Beijo.
Nunca li nada dele, mas gostava!
ResponderEliminarTive este livro nas mãos na Feira do livro e acho que não me ia enganar. Seria uma óptima escolha...
Beijinhos
Sandra C.
bluestrass.blogspot.com
Fiquei com vontade de ler!
ResponderEliminarInteressante! :)
ResponderEliminarNão é do meu género, mas despertou curiosidade.
Deixaste-me com o bichinho para ler este livro!!!
ResponderEliminarSegui o blog :)
Beijinhos
Cloud World
Poxa, aqui no Brasil não conhecemos o autor ... vou anotar e procurar mais sobre ele!
ResponderEliminarhttps://roomofasickboy.blogspot.com/
Se me esquecesse da quantidade de parvoíces que diz na qualidade de jornalista e cronista, podia ser que me interessasse pelos seus romances. Mas tenho este terrível defeito, que posso eu fazer? E pronto, despertaste o Ricardo Araújo Pereira que há em mim. Não aquele Ricardo Araújo Pereira que é muito bom humorista, mas aquele Ricardo Araújo Pereira que "ama de paixão" Miguel Sousa Tavares, leia-se =P
ResponderEliminarOh não sou muito de ficar presa a ler livros, mas o que mais gosto são de saber a opinião de quem o faz assim posso indicar ao meu mano que adoro ler
ResponderEliminarBeijinhos
Novo post (Compras & Recebidos?) // CantinhoDaSofia /Facebook /Intagram
Tem post novos todos os dias
Nunca li nenhuma obra dele, mas deixaste-me curiosa! :P
ResponderEliminaramarcadamarta.blogspot.pt
Filho de uma das minhas poetisas de eleição.
ResponderEliminarTenho os livros dele na estante, mas nunca os li.
Confesso que o Miguel Sousa Tavares não é o meu autor de eleição!
ResponderEliminarBjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram
Como já te disse noutros tempos, Equador não foi dos que mais gostei, na altura houve também a novela sobre o livro e gostei mais. Mas gosto muito de algumas frases de livros e poesias que ele escreveu. Está por exp: e de novo acredito que não perdemos nada, apenas nos iludimos ser donos das coisas e dos outros, não perdemos nada, apenas a ilusão de que tudo pode ser nosso para sempre.
ResponderEliminarRevejo me muito neste pequeno texto dele.
Beijinhos minha linda.
Igualzinha eu! hehehe! ;)
ResponderEliminarApesar de não ser grande fã da temática "viagem" em livros, fiquei bem curiosa com esse. Achei interessante demais as viagens serem realizadas por caminhos não turísticos! Isso com certeza deve deixar a narrativa única!
Ótima sexta!
Beijo! ^^
Será o suficiente, meu bem :P o importante é desenrascar!
ResponderEliminarObrigado! Espero, genuinamente, que ajude alguém!
Deve ser um livro delicioso. De verdade. Também sou fã de livros de viagens e se for composto por descrições bem detalhadas, tanto melhor :D Fiquei muito curioso!
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Instagram ∫ Facebook Official Page ∫ Miguel Gouveia / Blog Pieces Of Me :D
Só li "Equador" há já meia dúzia de anos e se tinha (e tenho) uma certa embirração com o Miguel de Sousa Tavares, isso não invalida que o considere um bom escritor. "À beira dele", o orelhas (José Rodrigues dos Santos) é um aprendiz. Tenho "A Filha do Capitão" no tablet (em PDF), desde 2013 e não passei das primeiras páginas.
ResponderEliminarP.S. Embirrei com o MST, há uns anos, por causa de duas opiniões que, na altura, achei estúpidas. Uma foi aquela polémica sobre proibir os pais de levar os filhos ao restaurante. Outra foi por ele achar muito "civilizado" jogar futebol na praia cheia, a mandar areia e boladas na "tromba" dos outros banhistas.
A primeira já lhe perdoei, pois hoje até eu acho que certas crianças só deviam sair à rua com trela curta e açaime lol. A segunda não. Vá jogar futebol na sala da avozinha dele, porque a praia é de todos. xD
Consegues até despertar vontade para ler um autor que não vai de encontra o meu gosto. :)
ResponderEliminarBeijinhos, Tatiana*
Gostava muito de me estrear no Miguel. Ainda não sei se será este ano, pois tenho algumas leituras em atraso, mas tenciono que seja para breve... E uma das alegrias de terminar o curso é o facto de poder dedicar-me mais aos meus livros, aos meus cadernos, à minha paixão... a leitura e a escrita! Parece que nos últimos tempos perdi tanto do que tinha ou daquilo que podia dar/trazer pela falta de tempo para ter inspiração e agora espero que uma brisa me ajude a recuperar este tempo, que não foi perdido, de certeza, mas que foi muito ocupado :)
ResponderEliminarBeijinho grande, querida Andreia!
Nunca li nada do autor mas confesso que fiquei muito curiosa. Tenho que tratar desta minha falha!
ResponderEliminarAinda não li nada sobre este autor - único livro dele que está na minha lista é "Madrugada Suja" e penso que também conheci através de uma review tua - mas, mais uma vez, deixaste-me curiosa :)
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