O nosso amor é como o vento #2

Fotografia retirada do tumblr Public friend





Nunca soube mentir. E muito menos a ti. Como fizeste questão de o mencionar uma vez, os meus olhos são demasiado transparentes e expõem-me a alma com facilidade. Por isso, não conseguia esconder-te as minhas preocupações e as minhas inseguranças; os meus medos e as minhas incertezas. No entanto, até isso tive que aprender a fazer. Não digo mentir na totalidade, apenas ocultar o que, de facto, me passava pela cabeça e atormentava o meu coração. Se, por um lado, o último me dizia que tudo isto era apenas uma má fase e que irias sobreviver. A minha racionalidade, por outro, tinha uma voz poderosa, avisando-me de que as probabilidades não jogavam a nosso favor. O que não demoveu a nossa luta.

Quando estava contigo, tentava ser a rapariga mais segura. Dava-te força. E fazia-te acreditar que ias vencer a doença - mas venceu-te ela a ti. No fundo, procurei sempre mostrar-te que, independentemente do caminho, regressaríamos juntos a nossa casa - e refugiava-me na vista daquela janela ampla, como se procurasse o resto de ar que me faltava. Assim que abandonava o hospital e entrava no carro, desfazia-me em lágrimas, sentindo-me culpada por te fazer crer numa realidade que poderia não acontecer. Mas, agora, tanto tempo depois, acho que tu sempre soubeste que a minha determinação não era mais que uma simples fachada; que eu estava destroçada por dentro. Não me interpretes mal, eu acreditei genuinamente em ti, na tua luta, na tua fé. Porém, o medo de te perder era demasiado grande, ao ponto de não ser capaz de apagar do pensamento que cada dia soava a despedida. Não deixa de ser irónico o número de vezes que foste tu a transmitir-me força e esperança. Não deveria ter sido ao contrário? Provavelmente. Mas era essa a tua essência: os outros vinham em primeiro, tu podias esperar. E eu quis tanto que esperasses mais um pouco. Mas tu esperaste o tempo que te foi possível.

Depois de colocar um novo girassol no teu copo branco - a tua cor favorita -, sentava-me no cadeirão ao lado da tua cama, agarrava-te a mão esquerda, aconchegando-a entre as minhas, e tu pedias que eu te contasse como tinha sido o meu dia. Desde que esta passou a ser a nossa rotina, a maioria não tinha pormenores especiais. Engraçado como, neste momento, parecia estar fora do meu corpo, a viver uma vida que não era a nossa - não poderia ser. Só que tu fazias questão de me ouvir, mesmo assim, e eu fazia um esforço por me recordar de algo digno de ser partilhado. Era uma forma de nos distrairmos, de ocuparmos o tempo e de darmos um pouquinho mais de brilho às circunstâncias. Um dia, visivelmente esgotado da medicação, pediste-me que nunca perdesse o meu propósito. Não tenho a certeza de ter compreendido a mensagem, mas garanti-te que não o iria permitir. E tu sorriste. E eu tive vontade de te abraçar até não sentir os meus braços. Hoje, sei que querias que eu não me fechasse para o mundo, que aproveitasse os meus dias, que me distraísse; querias que eu mantivesse a minha luz positiva - que era uma das coisas que mais amavas em mim. Mas como, se isso me parecia tão errado? Como, se tu estavas a sofrer? Era impensável. E completamente incompatível com o meu estado de espírito. 

Não gostava de te deixar sozinho, nem por uma questão de segundos. Ficava sempre em sobressalto, porque podias precisar de mim e eu não estaria ali para te ajudar. Se te acontecesse alguma coisa durante a minha ausência, dificilmente iria conseguir perdoar-me, pois ficaria com aquela sensação gritante e dilacerante de que tudo seria evitado ou tratado a tempo. É essa mesma sensação de culpa que ainda hoje preservo dentro de mim, uma vez que não estive ao teu lado quando, mesmo auxiliado pelas máquinas, respiraste uma última vez, fechaste os olhos e calaste o coração com um único suspiro.

Comentários

  1. Que história linda, triste mas real...
    Muitos Parabéns por este texto inspirador :)
    Bjinhosss minha querida*
    https://matildeferreira.co.uk

    ResponderEliminar
  2. Realidade ou ficção?
    Esta tua história, Andreia, deixou o meu o meu coração a sangrar, porque para mim é crúa realidade.

    ResponderEliminar
  3. Pois também fiquei na dúvida se é realidade ou ficção!!!
    Espero que não tenhas passado por isso, a história é comovente e, como estou a passar por problemas de saúde tocou-me particularmente.
    Ontem vi o desafio no blog da Cherry, 13 qualidades isso é muito difícil, porque eu tenho muitas mais ahahahah Brincadeirinha!!! isto é só para aliviar do tema!!!
    Beijinhos e bom dia.
    Marisa

    marisasclosetblog.com

    ResponderEliminar
  4. Já disse e vou ter que voltar a dizer: esta história vai dar cabo de mim. Está tão bem escrita que nos passa as dores, os medos, as tristezas. Tu tens um dom.

    ResponderEliminar
  5. Definitivamente, muitas vezes dizemos que acreditamos sem acreditar. A primeira parte da cura é acreditar nela e certamente ela queria que ele melhorasse, mas não acreditava nisso, lá está, devido às probabilidades de não vencer serem maiores. A cada "capítulo" tenho mais a certeza de que será uma história magnífica. Beijinhos <3

    ResponderEliminar
  6. Excelente texto minha amiga (será que foi real?).
    Gostei da fotografia pelo simples facto que é uma vista duma parte da minha cidade, Setúbal, foi dos primeiros edifices altos de Setúbal e deram-lhe o nome de edifícios São Bernardo, visto estar ao pé do hospital com o mesmo nome.
    Um abraço e tenha um bom dia.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

    ResponderEliminar
  7. Embora seja um tema bastante triste, o teu texto está lindo e tu escreves de uma maneira que nos envolve e nos faz sentir cada pormenor.
    Parabéns por esse teu talento e espero que continues a tirar o maior proveito dele.

    ResponderEliminar
  8. Tocou mesmo no coração ❤️
    Embora seja triste, conseguiste prender e despertar emoções.
    Continua 🙂

    ResponderEliminar
  9. Bonito texto, tocante, mas interessante.
    Hoje: - Adormecer na dor das palavras.

    Bjos
    Votos de uma óptima Quarta-Feira.

    ResponderEliminar
  10. A vida é feita de momentos. Gostei de ler-te!

    =))

    Bjinhos

    ResponderEliminar
  11. uau que texto mais sentimental e lindo, sentimentos sao assim mesmo

    www.tofucolorido.com.br
    www.facebook.com/blogtofucolorido

    ResponderEliminar
  12. É um texto bastante bonito, mas faz bastante pesar nas coisas da vida, pois há coisas que não passam daquele momento
    Beijinhos
    Novo post (Unha Decorada?) // CantinhoDaSofia /Facebook /Intagram
    Tem post novos todos os dias

    ResponderEliminar
  13. Ai... o meu coração ficou tão pequenino, sobretudo com esse final. Escreves muito bem =)

    MRS. MARGOT

    ResponderEliminar
  14. Que palavras fortes , só queria ter o teu talento para a escrita.

    ResponderEliminar
  15. Que história tão forte e que sentimento tão marcante o que a acompanha. Senti o meu coração tão apertado no peito...
    E faz sem dúvida refletir sobre o facto de existirem pessoas que significam tanto e que perdê-las dói mais do que sabemos exprimir, mas que nos amam e que por isso querem que nunca deixemos de ser felizes.
    Beijinhos querida*

    ResponderEliminar
  16. Que história! O final fez doer-me o coração!
    O teu estilo de escrita faz-me lembrar o da Colleen Hoover (uma das minhas escritoras favoritas). As tuas histórias são contadas de forma intensa, se um dia escreveres um livro dá-me a sensação que irá ser assim.
    Beijinhos
    Blog: Life of Cherry

    ResponderEliminar
  17. Que aperto tão grande no coração... Vivenciei tudo enquanto lia.

    Está incrível!

    Beijinhos!

    ResponderEliminar
  18. Escreves mesmo bem. É impossível descrever.

    ResponderEliminar
  19. Texto tão intenço, lindo e triste. Mas uma realidade infelizmente. Muitos parabéns.
    Beijinhos minha linda.

    ResponderEliminar
  20. Bom dia, julgo que, o que muito bem escreveu, é só, uma historia a revelar a sua criatividade, a vida tem de tudo, estamos sujeitos a ser visitados pelo inesperado, quando o somos, a vida altera-se, umas vezes pela positiva, outras pela negativa.
    Continuação de feliz semana,
    AG

    ResponderEliminar
  21. É engraçado que até a nossa família consegue ter coisas em comum tal e qual como nós!
    Obrigado, meu bem! De coração :D Foste uma das melhores pessoas que a blogosfera me trouxe e só posse louvar por isso :')

    Tal como o trecho anterior, esta história tem qualquer coisa de especial. Como muitos dos comentários aqui referem, faz-nos estar lá, quase a sentir o cheiro do hospital. Está tudo muito bem escrito que chega a arrepiar. É impossível não comover e passar indiferente! <3

    NEW TIPS POST | KONJAC SPONGES: THE NATURAL WAY TO CLEAN YOUR FACE. :O
    InstagramFacebook Official PageMiguel Gouveia / Blog Pieces Of Me :D

    ResponderEliminar
  22. Ohhh agora o meu coração encolheu... lembrei-me de muita coisa! Maravilhosa a escrita e muito forte!!

    Beijinhos

    ResponderEliminar
  23. Que texto tão intenso, Andreia.
    Tu usas e abusas das palavras, que talento.
    Apesar de me deixar um certo aperto no peito, estou a adorar acompanhar estas publicações, porque as tuas palavras prendem-me de uma maneira maravilhosa.

    ResponderEliminar
  24. "Depois de colocar um novo girassol no teu copo branco" que imagem bonita, porra!

    ResponderEliminar

Enviar um comentário