continuar a escrever, mesmo sem sermos publicados

Fotografia da minha autoria


«Um escritor não deve verdade a quem o lê. Deve-lhe trabalho, esforço, escrita e reescrita, talvez honestidade intelectual 
e humildade para não partilhar as páginas que escreveu quando elas não interessam a ninguém»


A noção do que é ser escritor consegue ser subjetiva e potenciar uma discussão ampla. Por definição, um escritor é «um autor de obras literárias ou científicas». Para mim, um escritor é alguém que escreve. E todos nós, de uma maneira mais ou menos regular, mais ou menos intencional, fomos ou somos escritores. A diferença é que nem todos queremos ser publicados.

Quando comecei o meu percurso na escrita, não me debruçava muito sobre esta questão, porque o que eu queria era escrever, era pegar nos meus cadernos e deixar que a imaginação florescesse, mesmo que, no fim, o texto não fizesse qualquer sentido ou eu sentisse que não era aquilo que procurava. No entanto, quanto mais interiorizava que queria ser escritora, mais percebia que aquilo que queria era ser uma escritora publicada, com obras que leitores pudessem escolher, ler e ter em casa. Nem sempre trabalhei com esse foco, aliás, durante muito tempo bastou-me esta ideia de ser lida por aquilo que partilhava nas minhas plataformas, mas chegou a uma altura em que me começou a saber a pouco, porque sabia que não queria ficar por aí.

Acredito que, em parte, me acomodei ao primeiro cenário por não ter uma identidade definida, por saber que queria escrever, mas não estar confortável com a voz que queria ter no meio; em parte, foi uma consequência de não ter uma premissa que me parecesse entusiasmante para lhe dar bagagem. A partir do momento em que desbloqueei e percebi que queria que o meu caminho passasse pela poesia (ainda que não descarte outros géneros), foi quando deixei de ter receio de assumir que queria ser escritora, mas uma escritora publicada.

«Se um escritor serve para alguma coisa, quando não está a escrever, é para isso: para nos conduzir rumo a novas questões, para nos revelar o espaço infinito de uma dúvida»

Continuo a escrever para mim. E digo-o porque me centro naquilo que me estimula e não naquilo que pode chamar à atenção. Na minha escrita há muito daquilo que sou, daquilo que me apoquenta, daquilo que acho relevante e isso nem sempre é transversal à sociedade. Ainda assim, gostava de ser lida, de chegar a uma livraria e ter um exemplar meu exposto, de receber mensagens a dizer que compraram o meu livro. E acho que estas duas realidades não se anulam. Quanto muito, complementam-se em fases distintas da caminhada.

É claro que vamos continuar a ter pessoas que só querem escrever. Vamos continuar a ter pessoas que escrevem, porque querem ser autoras. Eu continuo a estar entre estes pólos, porque nem sempre escrevo com a intenção de ter um manuscrito pronto, mas também é um sonho em construção.


 escrever para ser publicada

O ano passado, no dia mundial da Poesia, resolvi silenciar os meus medos e enviei o meu manuscrito para algumas editoras. Fi-lo para um grupo muito restrito e fiquei a aguardar. Como sou inexperiente nestas andanças, fiquei a duvidar da minha abordagem, duvidei da qualidade dos meus poemas, duvidei ainda mais de possíveis respostas. Recebi uma. Negativa, mas com uma atenção que não esquecerei. Porque eu acho que estou preparada para ouvir «nãos», o que não quer dizer que não custe, mas o vazio é o que mexe mais com as minhas inseguranças. Portanto, mesmo que a resposta não seja a que queremos ler/ouvir, prefiro que chegue. E eu giro-me emocionalmente a partir desse ponto.

Este processo é bastante solitário. Há fantasmas que nos inquietam e que alimentam as dúvidas que vamos repetindo em surdina. Uns tempos depois de ter enviado o manuscrito, convenci-me que o problema era meu. E, atenção, é claro que pode ser, é claro que a minha poesia pode não estar pronta o suficiente para merecer a publicação, mas há sempre uma rasgo de esperança. Não estava à espera de respostas entusiastas, como se tivessem recebido um manuscrito de um possível Nobel, mas há sempre a esperança de que exista alguém a querer dar-nos a mão e a estar disposto a arriscar no nosso trabalho - principalmente, no nosso sonho.

É ainda tão difícil que arrisquem em novas vozes, sobretudo portuguesas. Há tantos muros que ainda precisamos de escalar, que a desmotivação também vai conquistando palco. Por vezes, em demasia. E, quase em simultâneo, ficou a ecoar uma pergunta: de que vale continuar a escrever, se não me querem publicar?


 continuar a escrever, mesmo quando não nos querem publicar

Não concordo com a narrativa de combater fogo com fogo, mas, neste caso, depois de uma espiral de melancolia, depois de ter curtido a minha neura, voltei a escrever. Quer dizer, nunca parei, mas precisei de fazer o meu luto e de me dedicar a outras ideias que não sejam propriamente para publicação. Assim, fiz aquilo que acho que sei fazer melhor: usar a escrita a meu favor, para lamber as feridas e continuar. Não sei se algum dia o Entre Margens terá um formato físico, mas o próximo manuscrito já está em construção.

Acho que me perguntarei muitas vezes se valerá a pena escrever, mesmo quando não nos querem publicar - ainda que não nos digam isso diretamente, mas a ausência de uma resposta for suficiente para compreender a mensagem. No entanto, também tenho a certeza que a resposta continuará a ser a mesma: sempre!

As palavras são o meu dialeto favorito e brinco com elas desde que aprendi as letras, desde que me deixei conquistar pela possibilidade de contar histórias - em prosa ou em verso - através da minha imaginação. Por isso, sei que nunca estarei disposta a abdicar desta realidade. Durante muitos anos, eu não soube que queria ser publicada, mas sempre soube que queria escrever. Que queria ser escritora. E, perdoem-me a minha falta de modéstia, mas isso sei que já sou. Por muito que as minhas palavras fiquem apenas numa plataforma digital, continuam a cumprir o meu propósito maior: escrever.

Se também continuarei a sonhar com a possibilidade de ter um lançamento meu? Claro. Nunca o descartarei, porque também quero essa versão. Mas quando comecei a preencher folhas em branco, e a perceber que me transcendia, foi isso que sempre me guiou. E é esse princípio que continuarei a respeitar. Mesmo que os cadernos se multipliquem cá por casa e nenhum deles se materialize numa estante, sei que nada mais importa. Também sei que esta visão parece muito romantizada e, talvez, uma desistência, mas não é.

Não me conformei com a possibilidade de nunca vir a ser uma autora publicada, apenas compreendi que não é bem isso que me move. Quero, mas não será o fim do mundo se nunca vier a acontecer. Porque, quando mais nada fizer sentido, a escrita estará lá para mim. E, por isso, continuarei a escrever.

Comentários

  1. É difícil continuar quando não recebemos respostas ou só recebemos respostas negativas. Mas se dependermos de sermos publicados, acho que a escrita perderá o sentido. Sinceramente, acho que as editoras só perdem por não apostarem na tua poesia, mas eu sou suspeita, porque adoro os teus versos. Acho que mereciam uma oportunidade. Como disseste, e bem, ainda há muitas barreiras a ultrapassar. Ainda assim, não desistas, minha querida.

    Beijinho grande!

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    1. Sim, também acredito que a escrita tem de ser o principal motor, porque é a partir dela que tudo o resto se constrói.
      Oww, és uma querida 🥺
      Não desistirei, obrigada por todo o apoio!

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  2. Estou contigo *.* Aqui sempre :) E quando a oportunidade (eu sinto que vai acontecer) surgir vou estar aqui a aplaudir-te de pé :)

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    1. Não me podes dizer uma coisas dessas, que fico já emocionada! Muito, muito obrigada, minha querida 🥺💜

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    2. É de coração *.* Nao pares, por favor! Escrever ajuda tanto mas tanto!

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