quando passamos a estar sempre atrasados?

Fotografia da minha autoria



«O caminho também é um lugar»


O Supergigante, que conhecemos como Edgar no livro de Ana Pessoa, estava sempre a correr, muitas vezes sem saber se corria atrás de algo em concreto. E há uma passagem na qual afirma que é como se ele «próprio tivesse chegado atrasado à [sua] história». De repente, parecia que a sua vida já ia a meio, mas ele tinha acabado de chegar ali: àquele momento, àquele sentimento. E a minha dúvida foi: quem o fez acreditar nisso?


 quando passamos a estar sempre atrasados?

O princípio de qualquer coisa afigura-se turvo e, por esse motivo, talvez seja tão palpável a sensação de estarmos numa luta contra o relógio. Piscamos os olhos e o tempo avançou, as pessoas à nossa volta mudaram e tudo parece ter saído do lugar. E nós fomos os últimos a chegar. Só ainda não descobri onde.

Eu sei que, lá no fundo, esta noção permanece vinculada às verdades com que crescemos e que teimam em ficar presas à nossa pele. Sei que é uma consequência de todas as vezes que não conseguimos silenciar, que se manifestam num aparente conselho ou cuidado, mas que evidenciam sempre mais o traço da condescendência e das inseguranças. Por isso, tendemos a sentir-nos em dívida, num plano de prejuízo, porque já definiram todas as etapas do nosso caminho e nós não as alcançamos. Mas será que queremos?

Há dias em que me sinto como o Supergigante. Estou sempre a correr para não chegar atrasada. Mas atrasada para quê? Quem é que definiu o meu tempo? Sempre que me perguntam se continuo solteira, se não acho que está na hora de tirar a carta, se não me apetece aprender a nadar, se não devia fazer isto ou aquilo, ecoa o grito de que estagnei. Depois, mesmo que as palavras não sejam ditas de um modo audível, começa a ser tarde para viver em casa dos pais, começa a ser tarde para ser autora publicada, começa a ser tarde para viajar de avião pela primeira vez, começa a ser tarde para ser mãe - mas ninguém ouve a minha vontade. E sinto-me a falhar, porque não sou a versão que acham que eu já deveria ser. E, de repente, é como se na minha cabeça habitasse um inverno longo e doloroso, e a travessia estivesse dependente de alguém exterior.

Vivemos cheios de pressa (e com uma gestão de expectativas nem sempre equilibrada) de um futuro que nunca será igual para todos, mas que insistimos em uniformizar. Enquanto seres humanos, temos de almejar os mesmos sonhos e conquistar os mesmos patamares - e tudo nas mesmas ocasiões. Só que não tem de ser assim e tenho aprendido a ser mais vocal nestas questões, uma vez que não quero sentir, em momento algum, que estou atrasada na minha história. Porque quero que me perguntem o que desejo e não que o assumam. E, sobretudo, que respeitem que o meu ponto de chegada poderá ser completamente diferente - e é válido.

Não sei quando é que passamos a assumir que estamos sempre atrasados, mas sei que me quero libertar desse peso, quero desfrutar das várias velocidades da minha passada. Quero ter tempo para respirar fundo, sem sentir que isso me faz ficar para trás. E, abrandando o passo, sigo em frente, sem ter de correr.

Eu comprei um bilhete de ida, mas a direção sou eu que a escolho. Esta viagem terá outras paragens. E a hora a que chego também continuará por definir. Mas acabarei por chegar ao destino, indo pelo meu próprio pé.

10 comments

  1. Excelente reflexão 💛 Nao gosto de chegar atrasada, tenho pontalidade britanica, sofro de ansiedade so de pensar se nao vou chegar a tempo… mas por outro lado nao tenho a carta nem sei nadar e fui mae tarde e esta tudo bem com isso 💛 A partir do momento em que passei a ignorar a sociedade, passei a ser mais feliz *.*
    Tily💛

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  2. Texto muito bem escrito, concordo e revejo-me inteiramente.

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  3. Excelente reflexão. Acho que não somos todos iguais, não temos que fazer as coisas no tempo definido pela sociedade. Cada pessoa tem o seu tempo para fazer as coisas.

    Ainda há pouco tempo vi uma notícia de uma senhora que faz maratonas aos 90 anos e começou a correr aos 50, por isso, não há tempo para as coisas serem feitas. Há o momento certo.

    Beijinho grande, minha querida!

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    1. Exato, cada um tem o seu ritmo. E pode ter objetivos completamente diferentes. Não temos de seguir os mesmos padrões

      Esse exemplo é mesmo perfeito para esta reflexão. Obrigada pela partilha, minha querida

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  4. Verdade... tem dias que me sinto sempre atrasada, mesmo que não esteja realmente. Queremos fazer tudo ao mesmo tempo, não falhar com nada nem com ninguém e acabamos por falhar connosco.

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    1. E é tão importante cuidarmos de nós para não nos sentirmos a falhar

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