notas literárias mar'24

Fotografia da minha autoria



A banda sonora de uma viagem literária


Março é o mês em que faço por ler só mulheres, com o intuito de celebrar a data tão importante e vital que é o Dia da Mulher. Nas associações musicais, essa intenção não foi tão evidente, ainda assim, acho que consegui um bom equilíbrio. Quanto à sonoridade em si, creio que é uma playlist muito mais introspetiva, intimista.


a cicatriz, maria francisca gama
Quem Tem Mossa, Iolanda A autora revelou que o EP que mais ouviu durante a escrita do livro foi o Cura, da Iolanda, com particular destaque para a música Quem Tem Mossa. Uma vez que decidi acompanhar a leitura com esta banda sonora, fez-me ainda mais sentido o vínculo entre a história e a canção, até porque os versos «e o coração chora/e em silêncio, o pensamento sente/escuta quem tem mossa/p’ra afogar a dor que um dia ficou presa na memória» poderiam muito bem ter sido escritos pela protagonista/narradora. Ademais, quando a Iolanda canta «água p’ra limpar as feridas» fui logo transportada para uma cena em específico.

uma vida assim-assim, cláudia araújo teixeira
Uma Tarde de Domingo, Tim Maia & Gal Costa Os limites do Bairro podiam ser sufocantes, mas Cristina Maria também vivenciou memórias felizes. Uma delas, que tem tanto de cómica como de simples, aconteceu com esta música e na companhia de algumas amigas. Foi um daqueles momentos de brincadeira que muitos reproduzimos na infância, que soam a má educação, mas que não passam de uma forma de ocupar o tempo, sem maldade.

supergigante, ana pessoa
Nuvem, Carolina Deslandes Edgar afirmou algumas vezes que o seu avô era uma nuvem e isso transportou-me logo para a música da Carolina Deslandes. Talvez a relação retratada na letra não seja próxima daquela que o protagonista tinha com o avô, ainda assim, há um elo que permanece evidente, que os tornava da mesma alma, da mesma casa, da mesma costela. E, agora, Rígel encontra-se no mesmo lugar do sujeito poético, porque «não te tenho, só te lembro».

ajudar a cair, djaimilia pereira de almeida
Tudo o Que Eu te Dou, Pedro Abrunhosa ▫️ A rádio estava sintonizada na M80, enquanto um dos residentes do Centro Nuno Belmar da Costa, aguardava o momento em que seria deitado. Entre tarefas corriqueiras, de quem cuida para que o outro sinta conforto, foi a música do Pedro Abrunhosa que acompanhou a ceia de Luís. Por isso, e pelos versos «tudo o que eu te dou/tu me dás a mim», achei que fazia sentido manter esta ligação. Afinal, houve sempre muita reciprocidade neste livro. E metamorfoses também.

o caminho imperfeito, josé luís peixoto
Time In a Bottle, Jim Croce ▫️ Este tema aparece numa cena do filme A Ressaca 2. Uma vez que José Luís Peixoto o menciona e acaba por fazer um paralelismo com uma das suas idas a Banguecoque, achei que teria o seu encanto associar ambos. Além disso, a canção de Jim Croce fala «de como o tempo passa» e esta energia também é explorada pelo autor, ao recordar tantos momentos passados.

antes que o amanhã se vista de fogo, cátia cardoso
Araucária, Aldina Duarte ▫️ A poesia da Cátia foca-se muito nas nossas raízes, sejam elas dos lugares que nos erguem, das escolhas que fazemos, dos vínculos que estabelecemos connosco e com os outros. Vai daí que me ocorreu este tema, cuja mensagem parece estar alinhada com esta imagem. Acho maravilhoso como a natureza e a poesia se entrelaçam, fazendo-nos sentir que encontramos sempre um lugar.

as primas, aurora venturini
Que Força é Essa Amiga, Capicua ▫️ Demorei até conseguir associar uma canção a esta história. Foi só quando me reencontrei com esta versão da Capicua que me fez todo o sentido aliá-las, uma vez que tanto o livro como a letra da canção evidenciam «tudo aquilo que falta cumprir na luta pelos direitos das mulheres». Embora Aurora Venturini se concentre, depois, numa relação entre primas que procuram quebrar um ciclo de abusos, é ao trazer uma narrativa cheia de mulheres com limitações que compreendemos várias das condicionantes que ainda se evidenciam na sociedade. A mulher parte em desvantagem em inúmeras frentes e o aproveitamento da sua vulnerabilidade perpetua estereótipos. Mas, aqui, todas elas tentaram fugir à norma. E a Capicua, ao reescrever este tema, não deixou de seguir essa linha, apenas fê-lo a partir de outra perspetiva.

finalmente o verão, mariko tamaki
Summertime Blues, Rush ▫️ O pai de Rose tem todo um momento a ouvir Rush. Embora seja uma passagem simples, achei-a muito terna, até porque acompanhou uma certa serenidade na dinâmica familiar, trazendo a paz antes de uma futura turbulência. Deste modo, e ainda que a letra desta canção não encaixe totalmente na história de Mariko Tamaki, quis associá-la muito pelo jogo que consigo fazer com o título: por um lado, transporta-me para a estação do ano retratada no livro, por outro, transporta-me para a tristeza que também é evidente no texto (e no tom das ilustrações). Nenhuma das personagens quis berrar por trabalhar o verão todo, mas acho que, às vezes, perguntavam o que iriam fazer - na vida, no geral.

in memoriam, alice winn
All I Ask, Adele ▫️ Optei por associar esta canção da Adele por causa dos versos «I will leave my heart at the door/I won't say a word» (porque os protagonistas, mesmo sem dizerem o que sentiam um pelo outro, deixavam o coração deles nas mãos um do outro), «Give me a memory I can use» (porque, obviamente, não queriam correr o risco de se esquecerem um do outro) e «No one knows me like you do» (porque só li verdades neste). A própria melodia parece encaixar na personalidade de ambos.

um preto muito português, telma tvon
Igualdade é Uma Ilusão, Chullage & Vilma ▫️ O protagonista desta história, Budjurra, procurou no Rap uma forma de se reencontrar e um dos nomes que mais o marcou foi o Chullage. A primeira música que ouviu foi Igualdade é Uma Ilusão e, de repente, foi como se a sua vida só existisse para a ouvir, porque se reviu em várias partes da letra. Aliás, chega mesmo a referir que sentiu «todas as palavras como se fossem uma maldição materializada em bênção» e isso potenciou uma mudança na sua forma de estar. Além disso, como se recusa a acreditar que a igualdade é uma ilusão, achei que esta combinação tinha tudo para funcionar.

nini, ticas graciosa
Saudade, Saudade, Maro ▫️ Há uma palavra que acompanha grande parte do crescimento de Nini. E essa palavra é saudade, embora a protagonista refira que «quando alguém morre, não são apenas saudades o que sentimos, é uma coisa sem nome». Mas a verdade é que este sentimento esteve sempre presente e em várias circunstâncias, mesmo antes de toda a tragédia. Por esse motivo, regressei a um dos temas que, para mim, reflete melhor toda esta dor da perda, até porque não há mais nada que possa dizer.

ode triumphal à cona, cláudia lucas chéu
Cuff It, Beyoncé ▫️ O livro da Cláudia Lucas Chéu é um manifesto feminista, com poemas que exaltam o empoderamento da mulher. Por isso, abri aquele que, para mim, é o álbum da Beyoncé que mais espelha esta condição e optei por escolher o tema Cuff It, porque acho que grita emancipação e amor próprio. É a mulher a expressar a sua vontade sem filtros, sem medos, apenas com a liberdade que merece.

a ilha das árvores desaparecidas, elif shafak
The Fig Tree, Jakob Ahlbom ▫️ A Figueira é uma das figuras centrais desta história. Uma vez que me conquistou por completo, quis trazer um tema que a destacasse. The Fig Tree é um instrumental e acho que podia muito bem embalar todas as memórias partilhadas por esta personagem tão carismática.

As minhas leituras de março incluíram uma releitura: A Importância do Pequeno-Almoço, da Francisca Camelo. No ano anterior, associei-lhe o tema Nome de Mulher, da Ana Magalhães, e podem ler aqui a explicação.

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