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Fotografia da minha autoria |
Gatilhos: Drogas, Prostituição, Transfobia; Linguagem Gráfica e Explícita
O nosso corpo pode ser casa, mas também pode ser uma espécie de prisão. Quando tentamos descobrir a nossa verdadeira identidade, quando compreendemos que essa procura se opõe a valores/ideias pré-concebidas, é complicado assumir quem somos, até porque há uma série de fatores que nos parece manter à margem. E esconder é a nossa salvação. Tudo isto é explorado no livro de Alana S. Portero.
à revelia de tudo e de si mesma
Maus Hábitos é a história de uma menina presa num corpo de rapaz. Recuando à infância em San Blas, um bairro operário suburbano dizimado pela heroína, embarcamos numa travessia intimista, que, creio, não nos deixará indiferentes.
O medo, a opressão, a violência perante a diferença marcam o tom da narrativa, mas impressionou-me o discurso isento de revolta. Nota-se a mágoa da protagonista, a angústia e o sufoco, mas em nenhum momento há uma abordagem reativa, de quase sentir necessidade de responder na mesma moeda. Não sei se foi intencional, se foi apenas uma consequência da alma pura de sempre, mas não deixa de ser surpreendente: no meio de tanta animosidade, é um raio de luz a romper o caos.
Outro aspeto que achei fascinante foi a noção de família. Ainda que a sua tenha sido presente, houve uma porta que nunca foi aberta, portanto, não podia ser quem era em pleno. Mas durante o seu crescimento encontrou colo e aconchego noutras figuras de referência, construindo uma família só sua. Da infância à idade adulta, desde os anos 80 até meados da década de 2000, foi posta à prova inúmeras vezes. Mais do que aquelas que deveriam acontecer. E foi no amparo dos seus pares que encontrou coragem para continuar a desbravar o seu caminho, a lutar.
«Antes de conseguirmos definir-nos, os outros desenham os nossos contornos com os seus preconceitos e as suas violências. Apertei os punhos até ficar com as unhas marcadas nas palmas, tentei engolir as lágrimas, mas silenciar o pranto é uma incapacidade que iria manter durante toda a vida»
Fiquei mesmo rendida à história, à transparência da partilha, à escrita e ao traço poético que emerge das adversidades. Ademais, fiquei rendida ao amor que foi falando sempre mais alto: nos detalhes, no cuidado, na aceitação. A protagonista passou por um longo e doloroso processo de descoberta e de libertação, o que também nos permite refletir sobre duas questões: que a dificuldade em aceitar vem, muitas vezes, de dentro e que a pressão exterior tem um peso gritante no modo como nos observamos. Estes pólos vão-se influenciando e tornando ainda mais complexo este território.
Maus Hábitos interliga, na perfeição, a história de uma pessoa trans com a realidade do bairro onde nasceu. E, acima de tudo, empatiza-nos para os perigos que precisam de enfrentar. Há feridas que o tempo não elimina, contudo, ao conseguir apaziguá-las, pode fazer surgir sinais de esperança.
🎧 Música para acompanhar: Holding Out For a Hero, Bonnie Tyler
6 Comments
Muito curiosa com este livro!
ResponderEliminarAconselho! Vale muito a pena 🥺
EliminarEste tem mesmo que ir para a minha lista pois fiquei bastante curiosa *.*
ResponderEliminarSinto que também é a tua cara!
EliminarNão conhecia 🤔
ResponderEliminarAconselho :)
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