pintado com o pé, djaimilia pereira de almeida

Fotografia da minha autoria



As caixas de madeira, a simular uma estante, com os livros por ler acabaram de ficar sem o último manuscrito de Djaimilia Pereira de Almeida. Este ano, comprometi-me a ler todas as obras que me faltavam da autora e, assim, concluí o desafio Ler Djaimilia.


diversidade, inseparabilidade e amadorismo

Pintado com o Pé é um título «roubado à legenda de um postal» e contém vários mundos dentro das suas páginas. Dividido em duas partes, a primeira reúne crónicas inéditas e outras que já tinham sido publicadas em jornais, revistas e/ou blogues; a segunda, por seu lado, compila dois ensaios: Inseparabilidade, numa versão reduzida da sua tese de doutoramento, e Amadores, que corresponde à sua dissertação de mestrado.

Dispersos, que é a porta de entrada para este exemplar tão plural, apresenta-nos textos escritos entre 2013 e 2019, permitindo-lhe deambular por temáticas que podem ir desde a influência dos nossos autores até às memórias que permanecem anónimas; temáticas que podem explorar a continuidade da vida, mesmo quando estamos em mudança, a diferença de oportunidades ou o impacto que temos nos outros. Confesso que gostei mais desta parte, porque está num registo que aprecio e porque senti Djaimilia mais objetiva nas ideias, reconhecendo melhor a sua voz. O seu tom metafórico, quase fabular, agrada-me, mas também reconheço que, por vezes, torna a narrativa mais demorada, talvez por não ser imediata a intenção. Aqui, vemos o oposto.

Neste conjunto de textos, fiquei, ainda, presa a duas reflexões: uma sobre a vontade que temos de crescer rápido, de largar a infância para fazermos coisas de adultos, e outra que estabelece uma ponte entre a letra que se vai tornando ilegível e que se revela «um contraponto perfeito da maneira como a nossa cara vai envelhecendo». Porque a passagem do tempo torna-se curiosa na forma como se vai manifestando.

«(...) estamos presos a desconhecidos por laços que não nos lembramos de ter atado, e cuja revelação apenas esclarece o pouco que sabemos sobre a nossa vida vista de fora (e vista por dentro); estamos presos a pessoas cuja existência desconhecemos, por uma ligação a que apenas podemos fazer jus continuando a viver a vida de sempre»

Relativamente aos ensaios, em Inseparabilidade temos a autora a refutar o argumento de estar tudo pré-determinado, excluindo-nos da função de agentes. Será mesmo um caminho fechado ou haverá forma de separar a pessoa da aparente vida predestinada? Em Amadores, centra-se no impacto das nossas atitudes e no modo como o exercício de uma prática as torna pública, quase como se fosse uma mudança de voz percetível. Não senti que os ensaios fossem complicados de acompanhar, no entanto, pelo tom mais formal, mais técnico, pela sua génese, exigem uma predisposição diferente.

Pintado com o Pé é um retrato de causa-efeito entre quem somos e as circunstâncias que vivemos, porque nenhum desses pólos é indissociável, porque aquilo que vamos observando molda a nossa identidade e porque nos redescobrimos. Embora não me tenha relacionado por igual, acho que há um equilíbrio maior entre as duas partes - algo que nem sempre sinto nos livros de Djaimilia Pereira de Almeida, sobretudo, naqueles cujo género é difícil de classificar, por compilarem tantas abordagens. Há diferenças visíveis nestas duas secções, claro, mas também há pontos transversais.

🎧 Música para acompanhar: Balancê, Sara Tavares



Disponibilidade: Wook | Bertrand

Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

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