os gestos, djaimilia pereira de almeida

Fotografia da minha autoria


Gatilhos: Morte/Luto, Exibicionismo, Linguagem Explícita


A memorabilia «das mãos que nos dão a mão quando caímos» é uma imagem subtilmente desenvolvida no livro de Djaimilia Pereira de Almeida. Continuando a descobrir a sua obra, é fascinante ver como certos trejeitos guardam tantas histórias.


uma obra de bordados

Os Gestos é um livro cheio de fragmentos, cujo ponto comum são notas no regresso a casa. Assim, divide-se entre anotações, ficções curtas, ensaios, sinais, fixações, lembretes, bilhetes e apontamentos de leitura, ao mesmo tempo que estabelece uma ponte entre imaginação - e todas as suas camadas - e observações verídicas, quase como se a autora tivesse abraçado a escrita de um diário e nos permitisse lê-lo.

O seu teor híbrido mostra-nos não só a diversidade de temáticas, mas também a própria pluralidade de interesses de Djaimilia Pereira de Almeida, pensamento corroborado no final do livro, quando temos acesso às notas bibliográficas. Achei curioso que se referisse tantas vezes às colagens que fazemos em miúdos, porque foi assim que senti este livro: como uma colagem de vários apontamentos (mais ou menos pessoais), que nos permitem divagar pela sua vida e por comportamentos transversais ao ser humano. Através de movimentos e cheiros, deparamo-nos com uma reflexão prolongada sobre memórias, existência e a possibilidade de nos espantarmos, mesmo quando o (nosso) quotidiano parece uma inalterável sucessão de experiências.

«Deixar que os livros me ajudem é parecido com deixar-me ajudar por outras pessoas. Incitam-me ao perdão. Chegam à minha vida para, de formas sempre novas, me ensinarem a perdoar-me. Cosem os anos uns aos outros como eu os coso. Não me julgam. Ensinam-me a não julgar os outros. O bordado que teço através deles é a vida pela qual respondo»

Por ser uma obra pouco linear, não me relacionei com todos os textos da mesma maneira, mas acho sempre fascinante o quanto a sua escrita consegue ser camaleónica e como me parece não se importar de correr riscos. A arte também é isso e, gostando mais ou gostando menos daquilo que apresenta ao leitor, nota-se que procura quebrar barreiras sem que a sua identidade se perca pelo caminho. Creio que este livro também consegue ser um bom exercício nesse sentido: na capacidade de continuar a procurar a sua voz, aquilo que a motiva, sem ficar presa a uma fórmula única.

Os Gestos é bordado com esmero, ainda que não seja «bordadeira nem o [seu] escritório casa de arranjos de costura». Porque Djaimilia Pereira de Almeida, através das palavras, vai explorando a noção de hospitalidade, estendendo a mão a quem vem de fora, fazendo por prolongar um espaço onde nos sintamos acolhidos, representados, quiçá validados. E moldando cada gesto, não deixa de criar memórias coletivas.


🎧 Música para acompanhar: Seventeen, Sharon Van Etten



Disponibilidade: Wook | Bertrand

Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

4 comments

  1. Mais um para a TBR *.* Estou a gostar tanto de descobrir Djaimilia :)

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    1. Owww, que bom, fico muito feliz por saber isso 😍 também estou a gostar desta viagem

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  2. Vou ter mesmo de me estrear com esta autora.

    As tuas reviews deixam-me super curiosa.

    Beijinho grande, minha querida!

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    1. Tem sido fascinante descobri-la. Claro que nem todos os livros me estão a tocar da mesma maneira, mas gosto muito da escrita

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