na casa com o próprio

Fotografia da minha autoria



«Só não vou ser o que eu não quiser»


Os artistas terem de ser (ou mostrar) mais do que a sua arte é um pensamento que tem ecoado em mim: por um lado, porque ainda há muito esta ideia de que quem não aparece é esquecido - o que parece conquistar outra dimensão com a presença tão constante das redes sociais nas nossas vidas - e, por outro, porque existe uma grande vontade de compreendermos melhor o que os motiva durante o processo criativo.

Embora não o acompanhe desde o início do seu percurso, o Dillaz é um dos artistas com presença garantida nas minhas playlists e sinto que é a exceção na regra do «quem não aparece é esquecido», atendendo a que é bastante discreto e que dificilmente o vemos em entrevistas ou conteúdos paralelos à música. E isso sempre me fascinou, porque nota-se que o foco está todo na arte - e não tanto no espetáculo envolvente - e porque não é por isso que tem menos público - os concertos, por exemplo, comprovam-no. Contudo, reconheço, adorava que abrisse mais vezes a porta dos bastidores, porque é algo que nos aproxima ainda mais.

Sinto, por outro lado, que cobramos demasiado dos artistas: se eles não estão a criar, têm de aparecer na televisão, na rádio e/ou em podcasts para falarem do seu trabalho. Se lançaram uma música, um livro, uma série, já têm de estar a pensar na criação seguinte. Depois são os concertos e as apresentações que têm de ser marcadas quase de porta a porta. Por isso, adoro que se mantenha fiel à sua essência e que não ceda à pressão de estar em todo o lado. Acredito que esta postura também possa vir de um lugar de desconforto, porque não é por querer ser artista que tem de se sentir à vontade para aparecer publicamente em programas, mas não deixa de marcar uma posição. Fazê-lo no seu ritmo, quando lhe faz sentido, torna tudo mais especial.


na casa com o próprio

EPISÓDIO 1: O OBJETIVO
Tenho vivido n’ O Próprio desde que saiu (ou ele é que tem vivido em mim?) e foi com um enorme entusiasmo que vi o anúncio desta minissérie: não só porque é algo inédito, mas também porque será mais uma forma de mergulhar na energia do álbum. Na Casa com O Próprio terá sete episódios. Estava à espera que tivesse uma duração maior, mas ficamos com uma pequena ideia do que nos espera.



EPISÓDIO 2: NO SÍTIO DO COSTUME
O segundo episódio deixou-me a refletir sobre estas questões: 1) as coisas que se mantêm iguais, idênticas na essência, mesmo que se passem muitos anos (e este pensamento também pode ser aplicado a algumas pessoas); 2) a diferença que as palavras fazem, sendo impressionante como a troca de um termo por outro muda toda a energia de um verso/de uma música; 3) as nossas diferentes versões, a capacidade de evoluirmos e de irmos iniciando e encerrando ciclos durante esse processo. E essa dinâmica alcança-se consoante as aprendizagens que fazemos.

Em simultâneo, fiquei a pensar que ele tem uma equipa incrível, porque é visível o compromisso e o profissionalismo, mas também se nota o quanto se divertem juntos.



EPISÓDIO 3: O MEU JARDIM
O terceiro episódio mostrou-nos um traço ainda mais descontraído do Dillaz. Achei curiosa a necessidade, se é que o posso designar desta forma, de sentir pressão, como se fosse um elemento crucial para a produção artística (e, em parte, não deixa de o ser, porque mantém o foco no objetivo) e, por outro lado, fiquei a pensar na ideia de ser «um ator com caneta», porque as suas letras podem não ser autobiográficas e ter esta capacidade camaleónica de, por exemplo, cantar sobre despedidas, sobre perdas, quando não é algo que esteja a acontecer na sua vida é um exercício desafiante e fascinante, na mesma medida. É como se pudesse explorar diferentes identidades.



EPISÓDIO 4: CONCENTRADO
O quarto episódio começa com um apontamento sobre uma das minhas músicas favoritas do álbum, Direção Paris. Depois, mostra-nos a segunda protagonista desta minissérie, a comida, porque tratam-se muito bem - aconselho-vos a não verem os vídeos com fome. Brincadeira à parte, acho que Na Casa com O Próprio espelha duas coisas fundamentais: mais do que estarem sempre em processo criativo, é importante fomentarem o espírito de equipa, a comunicação, a intimidade. A competência de cada um deles não está em causa, mas acredito que este nível de entendimento, esta abertura para ouvir e debater conceitos só é possível quando se promovem interações desta natureza: porque se conhecem ainda melhor e isso acabará por se refletir no trabalho final. Além disso, como referiu o Roadie, Miguel Ideias, estão a conseguir reproduzir o ambiente que vivem na estrada, como se estivessem em digressão.



EPISÓDIO 5: TRABALHO DE EQUIPA
O quinto episódio foca-se num dos aspetos que considero mais importantes: o trabalho de equipa. E deixou-me a pensar em algumas notas: 1) a facilidade com que criamos, quando nos conseguimos inspirar/apoiar nas pessoas que nos rodeiam, porque a sua energia tem peso no processo; 2) a influência coletiva e o sentido de comunidade, porque nota-se que se preocupam uns com os outros (e não só de um ponto de vista profissional); 3) as dúvidas que surgem, mas que se desconstroem com outra fluidez, tendo em conta que trabalham no mesmo sentido; 4) a importância da comunicação, do saber ouvir, de não haver egos e de porem «em comum» - achei particular curiosidade a este «pôr em comum», porque, enquanto indivíduos, não deixam de ter visões singulares, não deixam de ter a sua identidade criativa, mas usam essa individualidade para o todo, para acrescentar ao bem maior; 5) a metamorfose do artista, ao compreender quando é o momento de abrir a porta a outros profissionais, o que ajuda a dar visibilidade, a influenciar a criatividade e a ter outras perspetivas.

No fundo, acho que fica claro que rodearmo-nos das pessoas certas é meio caminho para que o trabalho corra bem melhor. Não será sempre incrível, não será sempre isento de perguntas. Será preciso debater muito. Mas saberes, à partida, que estão todos alinhados para um objetivo comum e que estão comprometidos em nome da arte, facilita, porque não tens de acrescentar uma pressão extra ao processo criativo.



EPISÓDIO 6: DIREÇÃO PARIS (ACÚSTICO)
Tenho alguma dificuldade em fechar o meu pódio de favoritas d’ O Próprio, porque houve temas com os quais tive uma ligação imediata - Colãs, Alô - e outros cuja ligação foi crescendo - Vivo, Pé no Mar. Direção Paris encaixa no primeiro grupo, não só pela melodia, mas pela promessa de ficar, ainda que as coisas mudem; pela certeza de estarmos no mesmo sítio, por mais que a outra pessoa acredite que não. Portanto, ter um episódio dedicado a este tema encheu-me as medidas. Sobretudo, por nos presentear com a sua versão acústica. Tenho um particular fascínio por versões desta natureza, uma vez que sinto que nos conectam ao traço mais puro da canção: sem grandes extravagâncias, a mensagem está toda ali, numa via de comunicação muito mais direta. E que momento bonito que ficou! Termino todos os episódios a sentir que passaram demasiado rápido e este não foi exceção. Ficaria mais tempo a escutá-los.



EPISÓDIO 7: 2 DA MANHÃ
O Zeca começou por partilhar que achava que este novo álbum do Dillaz tem um bocado dos outros projetos e eu dei por mim a acenar em concordância. Depois de ter ouvido O Próprio repetidamente, durante vários dias, fui revisitar trabalhos antigos e achei curioso como certos temas se cruzam: seja por palavras específicas, seja pelas situações/imagens que exploram. Há sempre um toque de modernidade, de novidade, mas é interessante ver que também encontra uma maneira de regressar às origens.

Além disso, neste último episódio, gostei de ver a transição de uma ideia melódica para a sua concretização, percebendo o quanto encaixa bem naquele tema. Por fim, tenho de destacar a honestidade em relação à gestão de expectativas e aos métodos de trabalho. No fundo, são gente como a gente e, ainda que tentem ser produtivos, também encontram maneiras de procrastinar. Aceitava uma segunda temporada.

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