a ilha das árvores desaparecidas, elif shafak
Fotografia da minha autoria |
Gatilhos: Luto, Saúde Mental, Violência
As memórias e as feridas podem passar de geração em geração, mesmo quando se tenta manter o passado em silêncio, para que não se revele um fardo, para que não se perpetuem mágoas. Mas há coisas que, simplesmente, não desaparecem, tal como comprovamos no livro de Elif Shafak.
o peso das raízes
A Ilha das Árvores Desaparecidas é uma história de ficção, mas inspirada em alguns acontecimentos verídicos. Inicialmente, transporta-nos até ao Chipre, no ano de 1974, para conhecermos dois jovens apaixonados, Defne e Kostas. O problema é que a ilha está dividida e cada um deles pertence a um dos lados da divisória. Apanhados no meio deste conflito interno, que opõe turcos e gregos, encontram-se às escondidas numa taverna, a Figueira Feliz, mas é impossível ignorar o estado em que se encontra o mundo fora da bolha que criaram.
Confesso que não estava a par deste conflito histórico, mas não senti que isso condicionasse a leitura, até porque a autora conseguiu espelhá-lo muito bem, partindo de um amor proibido. Inclusive, creio que esta metáfora explica na perfeição o impacto que esta decisão teve para a população. Quando provocamos ruturas, quando alimentamos que não pode existir confraternização entre ilhéus, ninguém pode permanecer igual. E, aqui, há dois caminhos: aceitar ou lutar, mesmo sem dar nas vistas.
Anos depois, já em Londres, em 2010, somos confrontados com outra camada desta narrativa: Ada, filha de Defne e Kostas, tem demasiadas perguntas e poucas respostas. Sem conhecer a ilha onde nasceram os pais, há muitos segredos sobre a sua família que pretende desvendar, mas, por mais que tente, parece que apenas alcança silêncios. Neste processo de descoberta, vai, também ela, aprender a escutar e a fazer-se ouvir. E, pelo meio, vai compreender que nos transplantamos sempre que procuramos saber quem somos.
Fiquei rendida a esta obra: pela forma como a história se desenrola, pela forma como a figueira é elo e raiz entre várias frentes (humanas, históricas e emocionais), pela forma como o tempo avança, mas a cultura, as crenças e os valores de cada lugar continuam a ter um peso significativo na nossa identidade. Além disso, comoveu-me a relação entre um pai e uma filha que, por vicissitudes da vida, se veem obrigados a descobrir a sua voz - sozinhos e na relação um com o outro.
«Apesar de tudo isto, demorei sete anos a dar de novo frutos. Porque é isso que as migrações e os realojamentos nos fazem: quando se deixa a nossa terra rumo a costas desconhecidas, não se continua simplesmente como até então: uma parte de nós morre cá dentro, para que outra parte possa começar de novo»
As narrações da figueira, que se torna uma das protagonistas, bem como a escrita e a construção das personagens são pontos-chaves desta narrativa, porque tornam tudo muito mais credível e fazem-nos refletir sobre conceitos como nacionalidade. Cruzando a história do Chipre com a história de Defne e Kostas, percebemos que há falhas, dúvidas e contradições transversais.
O cenário de guerra entre turcos e gregos não passa despercebido, nem podia, mas há muito amor nestas páginas. Não se romantiza o medo, nem o cenário de caos, mas também não se ocultam sonhos, nem o que a humanidade tem de melhor: a sua capacidade de olhar para lá das diferenças. Através de vários pontos de vista, e lugares, vamos compreendendo melhor o(s) contexto(s).
A Ilha das Árvores Desaparecidas tem um equilíbrio maravilhoso e desenrola-se numa dinâmica que me estimula ainda mais, que é a lógica do «mostrar e não contar». Elif Shafak explica apenas o necessário e, depois, dá margem para que o leitor imagine e retire as suas ilações. Além disso, revelou-se uma história fabulosa sobre tradições e pertença.
🎧 Música para acompanhar: The Fig Tree, Jakob Ahlbom
Mais uma sugestao que vou levar :) Hoje comecei o dia a comprar livros! Haverá coisa melhor? *.*
ResponderEliminarBela maneira de começar o dia, sem dúvida *-*
EliminarAinda não li :)
ResponderEliminarAconselho, é incrível 😍
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