a vida não termina aos trinta
[e a magia das primeiras vezes]

Fotografia da minha autoria



«crescer e florescer»


Os ponteiros do relógio continuam a rodar, como se estivessem numa valsa lenta, íntima, interminável; como se a vida se condensasse toda naquele movimento circular, na certeza de que partimos, mas que regressaremos sempre ao mesmo lugar, em algum momento. Talvez seja por isso que a sabedoria popular afirme que não é bom termos relógios parados em casa, talvez isso impeça a saída. E estagnar nunca foi um bom presságio.

Queremos mundo, o caos que borbulha do lado de fora da janela, as danças cruzadas que nos balançam entre a sorte e o azar: a sorte de navegarmos neste mar, o azar de tantas vezes nos sentirmos à deriva. Temos pressa de chegar. Onde? Não sabemos bem, mas, em nossa defesa, essa parece a parte menos importante da equação. Só queremos ir, porque não queremos ficar para trás. Tentamos fintar a rotina, mas, mesmo assim, permanecemos nesta corrida contra o tempo. E é impressionante como nos podemos ancorar em tantos assuntos e rodopiamos presos à mesma ideia, a esta noção de termos um prazo de validade - e de o vermos cada vez mais perto.

O fim não está escrito. Pelo menos, não o está escrito para todos da mesma forma. Mas, por qualquer razão que desconheço, a última etapa parece ter sido colocada nos trinta. Depois dessa barreira, o que resta? As dores de costas? O vazio? A constatação de já termos pouco a almejar? Subi mais dois degraus depois desta idade fatídica e, garanto, a vista não é perfeita, mas a vida está longe de terminar aos trinta.


 a vida que não termina aos trinta

Os dezoito eram o marco mais ambicionado, durante a adolescência, porque pareciam trazer no regaço uma promessa de liberdade extrema. Confesso que nunca tive pressa de os celebrar, mas era impossível ficar indiferente aos desejos sussurrados por amigos e conhecidos. De repente, era como se os dezoito fossem um portal para uma realidade paralela, mais apetecível. Compramos bem essa imagem e acho que a «ferida nunca sarou», porque chegamos lá e a paisagem paradisíaca não correspondia ao que idealizamos.

Atingir os dezoito não significou a viragem que imaginamos. Não ficamos mais empoderados, mais livres: ficamos com mais responsabilidades, isso sim, porque percebemos que, a partir dali, começávamos a contar só connosco. Não sei se chegamos a fazer um Gaudí, como canta a Capicua, mas colamos os caquinhos e fizemo-nos à estrada, porque ainda tínhamos a vida pela frente.

Nesta idade ainda somos jovens, continuamos a ter muitos planos para o futuro e ninguém questiona isso. Aliás, é o expectável. Mas quando os dezoito dão lugar aos vinte e cinco, quando os vinte e cinco se transformam nos vinte e nove e os vinte e nove nos transmitem esse choque de realidade de estarmos tão perto dos trinta, a energia muda. Há um muro que se começa a construir e sentimos necessidade de abrandar. E porquê? Porque a definição de juventude parece já não fazer tanto sentido e acusamos a pressão de tudo o que, supostamente, deveríamos ter alcançado até essa fase das nossas vida e não conseguimos.

Irrita-me a narrativa de termos de ter a vida resolvida aos trinta. Um escritor que publique aos trinta, ou depois, já vem tarde. Tirar a carta de condução aos trinta é impensável. Querer mudar de emprego aos trinta é irresponsabilidade. Viver com os pais aos trinta, então, é inqualificável. Solteira aos trinta? Nem me façam falar... e os argumentos continuam, como verdades absolutas, porque os trinta são um marco onde temos de prestar contas e picar o ponto. «Estás pelos cabelos», como também canta a Capicua e, honestamente, acho que estou, porque é surreal a pressão que impomos para que esteja tudo arrumado numa caixinha. Qual é o mal de um escritor só publicar aos trinta? É por não ter o rótulo de «jovem escritor»? Mas tem menos qualidade por isso? Não tem. Qual é o problema de alguém só tirar a carta com esta idade? E poderia continuar a interrogar-me sobre o assunto, chegando ao lugar de sempre: que é como quem diz, a lugar nenhum.

Imaginem, agora, que houve alguém a fazer bingo e a completar todos os passos desta lista, aparentemente, de caráter transversal à humanidade. O que é que a pessoa faz? Limita-se a ver o tempo a passar? Arruma as malas e espera pelo seu último suspiro? Não creio que seja esse o propósito. 


 a magia das primeiras vezes

Estou com trinta e dois anos e andei de avião pela primeira vez. Até aqui nunca se tinha proporcionado, mas, com uma despedida de solteira a ser marcada para Madrid, reuniram-se todas as condições para esta estreia. Estava muito entusiasmada e expectante, e sei que guardarei este momento para sempre: não só pela novidade, mas também pela sensação de liberdade. Por olhar pela janela e o mundo afigurar-se a um palmo de distância e, ainda assim, ser imenso tal como ele é. 

Enquanto apertava o cinto, senti aquele frio na barriga tão próprio de quem está a experienciar algo que não lhe é comum. E adorei essa sensação. Adorei-a por tudo aquilo que estava a representar, por trazer um toque de novidade agregado. Quando levantamos voo, estava ciente de duas coisas: 1) a magia do momento não estava dependente da idade - ficaria fascinada de igual forma aos quinze ou aos sessenta; 2) ficaria mais tempo a pensar no assunto, precisamente por parecer menor o número de estreias que abraçamos depois de atingirmos um certo número de aniversários.

Racionalmente, compreendo esse decréscimo: se calhar porque a nossa perceção das coisas mudou, se calhar porque deixamos de ter urgência para fazer tudo e estar em todo o lado, se calhar porque começamos a priorizar a estabilidade e sentimos que já não há tanto lugar, em nós, para a adrenalina, o risco, o desconhecido. Mas o que me inquieta é a representação constante de ter de acontecer tudo antes dos trinta. É a mensagem que ecoa e que nos deixa a sentir que falhamos, porque não chegamos lá. É isso que não compreendo e que me recuso a aceitar. Porque isso seria assumir que não há mais nada para nós depois dessa linha. Mas continua a existir. Mesmo que não seja com a mesma intensidade, mesmo que não seja com a mesma frequência.

Nunca fui a pessoa mais aventureira. Prefiro a calma daquilo que conheço, aquele caos controlado do que já me é familiar e que, apesar de tudo, traz sempre camadas distintas. Só que isso é um traço de personalidade que, consciente ou inconscientemente, fui alimentando. Não é uma consequência por acreditar que, com a minha idade, já há coisas que não posso fazer. Aliás, ainda há tempo para sonhar, para encontrar paixões novas, para traçar objetivos que não estavam no plano inicial. A vida não tem de ser sempre uma corrida.

Por outro lado, também não quero romantizar que é aos trinta que tudo começa. Claro que há coisas que se começam a solidificar nesta fase da nossa existência, é claro que podemos sentir que o tempo se limita, tendo em conta algumas decisões que tomamos. A disposição também é outra e, unindo os pontos, tudo tem impacto. Aquilo em que tenho refletido é que, da mesma maneira que as janelas não estão todas abertas para tudo o que queremos fazer, as portas também não se fecham todas só porque as velas do nosso bolo já marcam as três dezenas (ou mais). A nossa travessia tem demasiadas áreas cinzentas. 

Não sei quando é que passamos a estar sempre com pressa, nem quem definiu que os trinta são o fim da linha. Mas pode ser que, aos sessenta, venha cá escrever-vos que tirei a carta, que fiz uma tatuagem, que a vida deu uma grande volta e acabei por me casar. Ou, então, talvez chegue aqui aos setenta e diga que nada disto aconteceu, que o caminho seguiu como uma brisa ondulante, serena, sem aventuras transformadoras. Ainda assim, terei consciência que a vida não terminou naquele prazo. E, até ao fim, ainda pode ter uma porta entreaberta para uma primeira vez.

8 comments

  1. Posso dizer que a minha vida começou a fazer mais sentido aos 30 *.* Diverti-me tanto :) Adorei os meus 30 mesmo com coisas menos boas que fazem parte da vida :)

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    1. Isso é maravilhoso, minha querida. Que bom! E que continue sempre a fazer sentido. Aliás, cada vez mais *-*

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  2. A casa dos trinta é muito boa é mais aprendizado pra você, bjs Andreia.

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  3. Por mais primeiras vezes aos 30 e pela vida fora :)

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  4. Que reflexão tão importante.

    A nossa sociedade incutiu-nos a necessidade de termos de fazer tudo para ontem. Não temos que tirar a carta aos 18. Casar aos 20 e ter filhos aos 25. Somos todos diferentes e cada pessoa tem o seu timing. A pressão que a sociedade faz com as pessoas não é saudável e causa muito stress.

    Beijinho grande, minha querida!

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    1. Muito obrigada, minha querida!
      Sim, infelizmente, tentam incutir-nos uma fórmula única, como se tivéssemos de seguir todos os mesmos passos e nas mesmas alturas. Não faz sentido, até porque também podemos não querer atingir determinados objetivos

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