a casa na serra, luís bigotte de almeida

Fotografia da minha autoria



Gatilhos: Referência a Aborto e Alcoolismo; Linguagem Gráfica e Explícita


A Clássica Editora desafiou-me a ler um livro do seu catálogo e eu aceitei o repto com todo o gosto. Deixando-me à vontade para escolher qualquer título, segui o percurso mais óbvio: aventurar-me num autor português, que talvez não descobrisse de outra maneira. E foi assim que fiquei a conhecer a escrita de Luís Bigotte de Almeida.


histórias dentro de histórias

A Casa na Serra é uma odisseia, uma vez que nos revela a história «de uma casa construída no meio das xaras, das giestas e dos barrocais de xisto e granito» e das «gentes que a habitaram». Todas estas pessoas, que se cruzam de alguma forma, seja pelos graus de parentesco, seja por circunstâncias mais ou menos felizes da vida, têm um vasto legado de memórias para partilhar e, naturalmente, segredos escondidos.

Sinto que parti para esta leitura com expectativas equilibradas e fui agradavelmente surpreendida: gostei muito da fluidez da escrita e da maneira como o autor foi construindo o enredo, transportando-nos para este ambiente que oscila entre os ares das aldeias e as convenções da cidade, entre a leveza de contactar com a natureza e a angústia de um passado marcado por um crime hediondo. E nós, enquanto leitores, vamos desvendando cada camada, como se estivéssemos a enfileirar matrioskas.

Esta história é muito portuguesa e tem uma identidade que se alinha com as minhas preferências, já que é daquelas que não tem personagens heroínas e reviravoltas excessivas. Pelo contrário, tem personagens que funcionam bem no seu todo, credíveis, imperfeitas e que poderíamos reconhecer na rua. É por esse motivo que nos impressionamos com «a vida difícil de Amílcar, Diamantino e Glorinha», que acompanhamos o Ti Fedrico, a Ti Casimira e os filhos «criados na serra», que nos divertimos com a chegada da «família à quinta da Ventosa, para umas férias na serra da Malcata» e com as brincadeiras dos miúdos, «que se juntavam para uns dias de felicidade», que avançamos com expectativa para o futuro de Amílcar e Euclides, que faziam do contrabando o seu rendimento, e que nos revoltamos com o grupo de três foragidos, que tanto caos trouxe àquele lugar e, em simultâneo, a uma das famílias.

«- Eles vivem todos aqui em harmonia com a natureza!
- Bem, mas acabam por ser prisioneiros destas montanhas»

Por outro lado, compreendemos o quanto o cerco político, o ambiente de ditadura e a guerra têm peso no quotidiano da população, principalmente, quando somos confrontados com as reais prioridades daqueles que, supostamente, têm a missão de a defender. Mesmo que a revolta não seja sentida no plural, torna-se evidente que, para alguns, os valores morais são inexistentes e que a sobranceria é o dialeto oficial.

A Casa na Serra tem, ainda, um tom de vingança. Afinal, existe um sentido de justiça que pretende honrar aqueles que nos são queridos e que foram vítimas de terceiros. É em situações destas que se comprova que o ser humano é feito de muitas áreas cinzentas e que até as melhores pessoas são capazes de comportamentos reprováveis.


🎧 Música para acompanhar: Venham Mais 7, Eu.Clides

4 comments

  1. Fiquei curiosa por tratar de temas muito fortes. Muito obrigada por esta sugestao, minha querida *.*

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Foi uma excelente surpresa e gostei da forma como as coisas se desencadeiam 😊

      Eliminar
  2. Não conhecia esta editora. Fiquei com muita vontade de ler este livro.

    Obrigada por esta sugestão, minha querida.

    Beijinho grande!

    ResponderEliminar