o que é ser uma escritora negra hoje, de acordo comigo, djaimilia pereira de almeida

Fotografia da minha autoria



Gatilhos: Racismo


Um escritor negro pode escrever sobre temas que se afastem do racismo, da negritude, das desigualdades e de todos os comportamentos estruturais que ampliam a noção de minoria? A pergunta aparenta ser extrema, mas tem toda a razão para existir. E, no seu mais recente livro, Djaimilia Pereira de Almeida procura refletir sobre este aspeto.


ser para além do que é exigido

O Que é Ser Uma Escritora Negra Hoje, de Acordo Comigo está dividido em três partes (dois ensaios e uma entrevista/conversa). Comum a todas elas temos uma questão recorrente, que engloba a noção do que é ser mulher, escritora e negra, na atualidade. E achei muito interessante que a autora começasse logo por nos alertar para a bênção que foi ter nascido no ano em que nasceu, isto porque, se pertencesse à geração da avó, por exemplo, ser escritora nunca poderia figurar como parte desta equação.

Uma vez que é na escrita que «se encontra e se define», trouxe-nos uma série de reflexões pessoais que nos mostram isso mesmo: que nos mostram o quanto foi através das palavras que conseguiu apurar um sentido critico e apaziguar algumas dores, sobretudo, no que diz respeito à vergonha que foi deixando de sentir por ser quem é. Sempre lúcida do passado e do presente, foi interiorizando métodos de ação, até porque, nos seus livros, fruto desta análise e autodescoberta, compreendeu o quanto queria criar narrativas sobre pertença e memória, e gerar hospitalidade.

O que esteve vedado a tantas mulheres não é ignorado por Djaimilia, por esse motivo, faz uso da sua liberdade e do privilégio que é poder escrever também por elas. Esta imagem, que fui construindo nas entrelinhas, comoveu-me, porque demonstra bem que tem noção do legado que lhe pretendem deixar, mas que usará a sua arte para gritar a mudança. Naturalmente, não é algo que se faça num piscar de olhos, é um processo que leva o seu tempo, mas evidenciar esta realidade é quebrar barreiras.

«Estar em minoria no meu país é a razão pela qual eu escrevo. Foi isso que condicionou, que proporcionou que eventualmente eu adquirisse esta doença (risos)»

A contradição não passa, então, despercebida, já que vive «no melhor dos tempos», mas parece estar sempre a tentar desviar-se da armadilha que isso lhe reserva, porque há outro aspeto a ficar claro: de repente, a responsabilidade é maior para um autor negro, porque lhe é exigido que seja porta-estandarte de várias causas sociais, como se apenas existisse dentro dessa bolha. E isso, para além de fomentar a diferença, só faz com que também seja retirada responsabilidade à sociedade - literária ou não.

O Que é Ser Uma Escritora Negra Hoje, de Acordo Comigo parte de condições que a autora sente na pele, mas estabelece uma ponte para debatermos assuntos como identidade, empatia, privilégio e a própria visão do leitor. Em alguns textos, confesso, senti necessidade que as ideias fossem um pouco mais aprofundadas, para termos acesso a outras perspetivas. Todavia, é inegável a pertinência de todos eles.


🎧 Música para acompanhar: Terra Firme, Benjamim



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