e se eu gostasse muito de morrer, rui cardoso martins

Fotografia da minha autoria


Gatilhos: Referência a Suicídio, Linguagem Explícita


A morte - em particular, o suicídio - é um assunto caro ao autor, informação que retive quando o escutei, o ano passado, numa das conversas dinamizadas pela Feira do Livro do Porto. Sendo, ainda, um tema tão tabu, tem utilizado os seus livros para lhe atribuir palco e, de alguma forma, alertar para o quanto devemos estar atentos aos demais.


morte como personagem principal

E Se Eu Gostasse Muito de Morrer leva-nos a uma cidade onde, ironicamente, até o «coveiro se mata». De acordo com a sinopse, faz calor na província dos suicidas e um rapaz vai subir uma das suas ruas com um segredo terrível no bolso do kispo. Ainda que o interior seja igual em toda a parte, o prenúncio de mudança faz-se notar.

Estava muito curiosa para compreender o modo como o autor interligaria os vários tópicos e como é que o título apareceria explicado (implícita ou explicitamente) na narrativa. E não fiquei menos surpreendida por constatar que construiu um texto com um certo humor, como se as desgraças aqui retratadas ficassem mais leves por recorrermos a este trunfo, como se lhes pudéssemos retirar algum do seu peso. Já tinha encontrado este estilo noutras obras que li suas e a verdade é que gosto sempre, porque nos traz outra perspetiva, porque nos mostra que, no meio da tragédia, também precisamos de encontrar ferramentas que nos impeçam de afundar.

«Uma placa velha diz para tirarmos o chapéu em sinal de respeito pelo silêncio dos mortos»

É verdade que, num momento inicial, fiquei na dúvida se estaria perante uma história única ou se, pelo contrário, seria uma compilação de situações que partilham a mesma génese. No entanto, à medida que fui avançando na leitura, fui compreendendo como é que os laços seriam atados e como é que aquelas personagens, que poderiam ser o rosto de qualquer um de nós, funcionariam num todo, em exemplos que se repetem. Portanto, há um sentido e todas estas peripécias não ficam com pontas soltas.

O tom mais sombrio, que encontramos não só na história, mas também nos protagonistas, socorre-se das experiências que o autor recupera para compor o cenário, da própria região de onde vem, o Alentejo, e de uma ideia que vai desconstruindo: acharmos que o riso de alguém é prova suficiente de felicidade. O problema é que um sorriso pode esconder batalhas, demónios e uma série de pensamentos obscuros que nem sempre somos capazes de controlar. E, aqui, existem inúmeras razões para que a morte seja a resposta mais desejada pelas pessoas.

E Se Eu Gostasse Muito de Morrer remete-nos para o isolamento e creio que o ritmo vagaroso de algumas partes é propositado, para sentirmos esta espécie de arrastar dos dias, como se já não existisse mais com que ambicionar, como se o amanhã fosse mais uma miragem do que uma convicção. Aliando, igualmente, um período doloroso da história de Portugal, a Guerra Colonial, percebemos que as estatísticas estão cá todas, que os números são demasiado expressivos para serem ignorados e que os conflitos se replicam com diferentes intensidades. E o pior são mesmo «os factos verdadeiros».


🎧 Música para acompanhar: Devagar, Ornatos Violeta



Disponibilidade: Wook | Bertrand

Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

Comentários

  1. Um tema muito delicado, mas que precisa de ser abordado.

    Obrigada por mais uma excelente sugestão.

    Beijinho grande, minha querida 😘

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Acredito mesmo que sim, porque ajuda a desmistificar o tema. Não é que torne mais fácil de gerir, mas, pelo menos, temos mais recursos para isso

      Eliminar

Enviar um comentário