filhos da chuva, álvaro curia

Fotografia da minha autoria



Gatilhos: Morte, Luto, Cenas/Linguagem Explícitas


A capa de um livro nunca poderá ser um elemento acessório, até porque, muitas vezes, é um reflexo daquilo que podemos encontrar no interior. Naturalmente, é a história que queremos que prevaleça, mas a capa abre-nos a porta para aquele mundo. E foi através da que Juan Cavia criou - uma ilustração que apetece emoldurar, sobretudo, quando a observamos no seu todo - que eu entrei no livro de estreia de Álvaro Curia.


o tempo que também é personagem

Filhos da Chuva leva-nos para um cenário chuvoso, turvo, com locais que não existem na sua designação, mas que se inspiram em lugares do mundo - Venezuela, Grécia e uma simbiose entre o Porto e o Brasil. Deste modo, vamos até Domínio, onde «a chuva não tem fim e os relógios pararam nas cinco da tarde», à Taberna, onde o constante clima de festa camufla um passado doloroso, e até Fortaleza, uma terra quase deserta, habitada por uma mãe e um filho. É quando se quebra a barreira entre estes pólos que a premissa desabrocha e vamos tentar compreender o que os mantém tão afastados.

O ritmo da primeira parte é mais lento, talvez intencionalmente, para que o leitor sinta o quanto a noção de tempo é inexistente e para que se familiarize com a dinâmica da comunidade e os rostos dos protagonistas. Por isso, avançamos com calma, ficando a conhecer as suas pessoas ao detalhe. Se, por um lado, apreciei essa envolvência, por outro, reconheço que retiraria algumas descrições. Eu sei que o texto é construído para nos sentirmos quase afunilados nesta neblina, ainda assim, gostaria que não se demorasse tanto em aspetos que me pareceram pouco relevantes para a construção do romance - pontualmente, conseguiram, inclusive, ser repetitivos.

A escrita, nota-se, é bastante cuidada, para responder à vontade que o autor tem de que seja «feita de procura e desafio», mas a partir de certo ponto pareceu-me excessiva. Num contexto já de si complexo (intrigante, mas que nos exige uma atenção redobrada para mergulharmos nos seus acontecimentos e nos sinais guardados nas entrelinhas), preferia que simplificasse um pouco. E não deixaria de ser sublime por isso. Outro aspeto que me fez oscilar foi a voz do narrador: gosto de encontrar um narrador que converse com o leitor, principalmente em histórias como esta, que têm tantos segredos dentro, porque creio que nos aproxima e que nos faz sentir parte do enredo. E isso acontece no livro, mas não de um modo constante e eu gostava que a voz fosse sempre essa. No entanto, isto é apenas uma preferência individual.

«O respeito fazia-se também no silêncio da respiração»

Por oposição, fiquei encantada com os nomes das personagens. Embora tenha percebido, durante a apresentação na FNAC, que não foi uma seleção intencional, gostei do resultado, porque deixamos de ter nomes próprios para passarmos a ver aquelas pessoas por aquilo que são, fazem e/ou sentem. E a verdade é que é indiferente se os protagonistas se chamam Ana, Joaquim, Figueiredo ou têm outro nome, porque, pelas suas características e pelas suas vivências poderiam ser qualquer um de nós.

A segunda parte funcionou muito melhor comigo, porque, sem subterfúgios, espelha a fragilidade do ser humano, a culpa, o comportamento obsessivo que molda personalidades e que condiciona o futuro de terceiros. Nesta parte, são mais evidentes as motivações e as emoções silenciosas, fica claro que cada ação tem repercussões no todo e percebe-se que a verdade, por mais que possa magoar, também evita tragédias.

Filhos da Chuva não representou tudo o que imaginei, ficando aquém das expectativas, porque não consegui imergir em pleno no seu ambiente - e senti que ficaram algumas pontas soltas. Ainda assim, não deixa de ter um retrato interessante da sociedade (mesmo que aqui se apresente como fruto de uma imaginação fértil), porque há várias situações e comportamentos que poderiam ser reais. O final é a prova que existe sempre um raio de luz a querer romper a escuridão - do tempo e das pessoas.


🎧 Música para acompanhar: Despechá, Rosalía


Disponibilidade: Wook (Livro | eBook) | Bertrand (Livro | eBook)

Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

6 comments

  1. Gostei da sugestão *.* Ja está guardada no sitio do costume ;)

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  2. Já ouvi falar muito deste livro, mas ainda não senti vontade de o ler.

    Quem sabe um dia lhe dê uma oportunidade.

    Beijinho grande, minha querida! 😘

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    1. Sim, é isso, pode ser que um dia te apeteça dar-lhe uma oportunidade 😊 quando sentires o chamamento

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  3. A passar por aqui para guardar mais umas sugestões de leitura!
    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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