casas pardas, maria velho da costa

Fotografia da minha autoria



Gatilhos: Relações Familiares, Linguagem Explícita


A minha lista de livros para comprar está atualizada, mas vai sofrendo mudanças: há títulos que acrescento, mas também há outros que elimino quando começo a perceber que já não fazem sentido. Há uns anos, sugeriram-me um da Maria Velho da Costa e deve ter sido dos poucos que foi resistindo às alterações. Como pretendia descobrir mais obras da autora, resolvi incluí-lo na lista de obras que queria mesmo ler este ano.


a casa como construção de identidade

Casas Pardas é considerado um dos maiores romances da eclosão literária, não só pela sua diversidade estética e poética, mas também pela própria autoria no feminino. Conjugando diversos processos narrativos, efabulações e «um maravilhoso torvelinho de linguagem», o que mais me apaixonou neste livro foi o que a sua estrutura implica.

A narrativa está organizada em cinco sequências de casas: as duas primeiras e as duas últimas são «constituídas por três casas», o que representa a sequência central, enquanto «a terceira casa é um fingimento de texto dramático». Por aqui se percebe que haverá um cruzamento de inquilinos, mesmo que as suas vidas não se interliguem na realidade, e de histórias distintas. Além disso, numa aparente autonomia e individualidade de ações, é interessante constatar como este cenário único - e plural - consegue ser palco de tantas vivências e, em simultâneo, ser eco de transformação.

Todas as divisões escondem camadas, que tanto evidenciam projetos individuais, como estabelecem uma ponte com contextos familiares, onde cada um dos habitantes formula o seu destino e se confronta com os seus valores sociais e culturais. Por outro lado, a falta de transparência destas casas não as impede de ser um espelho de dramas, lutos, desamores, solidão e memórias. Somente mudam os nomes dos protagonistas, de quem as habita, porque há algo que os entrelaça ao solo, à cidade, como âncora.

«Em suma, trate da sua liberdade que eu trato da minha e não lhe mando a conta»

Uma casa, como escreveu Manuel Gusmão no Prefácio, é um «lugar no(s) tempo(s), um lugar social e histórico de individuação» e acho mesmo interessante a ideia de a casa ajudar a construir a nossa identidade. Esta imagem é explorada ao longo da narrativa e, por isso, torna-se evidente que também vai cumprindo diferentes propósitos: mudar-nos por dentro, ser uma espécie de casulo, ser um sinal de movimento e de abandono ou um local de regresso. Portanto, agregar cada parte de quem somos como se fossemos pilares de um edifício que conta a nossa história é um exercício fascinante.

Esta obra tem um valor inestimável e sei que não seria capaz de interpretar a importância de todos os seus detalhes sem o estudo minucioso que nos reservam as páginas iniciais, mas também por isso é que a acho tão valiosa: porque é feita de inúmeras encruzilhadas e de entrelinhas que nos podem escapar, mas que ficarão a ecoar pela sensação de existir sempre algo para além do que aparece escrito.

Casas Pardas vai abrindo e fechando as suas janelas, privilegiando uma noção de movimento e inquietação. É muito fácil perdermo-nos nas palavras de Maria Velho da Costa e não o digo num sentido negativo: digo-o com a total certeza de que há aqui muitas passagens que poderiam ser ouvidas num qualquer momento do nosso quotidiano - e porque existem debates muito credíveis. Transitando entre diferentes tempos e espaços, encontramos referências históricas, bíblicas e ideológicas, num equilíbrio entre o trivial e o lírico. Além disso, há um tom irónico a pairar em cada casa. Com uma identidade muito portuguesa, somos sempre convidados a entrar.


🎧 Música para acompanhar: Camadas, Papillon

📖 Outros livros lidos: Novas Cartas Portuguesas | Myra


Disponibilidade: Wook (Livro | eBook) | Bertrand (Livro | eBook)

Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

Comentários

  1. Mais uma excelente sugestao para a minha lista de leituras *.*

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    1. Acho que ias gostar muito de descobrir este também. Estou rendida à escrita da Maria Velho da Costa

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  2. Adoro as sugestões que nos trazes. *.*

    Mais uma para guardar.

    Beijinho grande, minha querida ♥️

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  3. Mais uma sugestão que vou guardar! Boa semana e boas leituras Andreia!
    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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  4. Não conhecia! Obrigada pela sugestão :)

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