obras completas volumes III, IV, V e VI,
maria judite de carvalho

Fotografia da minha autoria



Uma das escritoras mais marcantes da literatura portuguesa


Maria Judite de Carvalho foi uma das autoras que destaquei para descobrir, em 2023, no Alma Lusitana. E, sem qualquer margem para dúvida, para além de ter sido um dos nomes literários que mais marcou o meu ano, também me impactou para o resto da vida. Assim, não descansei enquanto não li as Obras Completas.

Nesta publicação, escrevi-vos sobre os Volumes I e II. Agora, trago-vos os restantes quatro. Cada um deles tem uma identidade muito própria, mas há algo transversal a todos: a capacidade fabulosa de bordar o desassossego, a melancolia, o quotidiano, a inquietação e os pequenos nadas que nos fazem sentir tanto.

Tornou-se uma das minhas escritoras-casa, até porque traz na alma os detalhes de quem não procura figuras heroínas, mas, antes, apaziguar o que nos é comum. Guardo estes livros com fascínio e saudade.


obras completas volume III


É impressionante como consegue cruzar as histórias de vários perfis femininos - de diferentes idades, contextos, questões sentimentais e problemas - e criar um elo entre todos eles; é impressionante como interliga a solidão, a ausência e o turbilhão constante dos dias, mesmo para quem os observa de um lugar mais recatado.

Há muitos mundos dentro destas páginas, mas a escrita melancólica e sempre à procura de um sentido embala-nos. É por isso que, depois, existem tópicos tão transversais às pessoas, ao tempo da narração, ao nosso presente: a morte, o medo de perder quem amamos, a inércia, a tristeza, a dor do esquecimento, o sofrimento, a espera, o sacrifício, as coisas que se perdem, a permanente inquietação e a saudade.

Por falar em saudade, «Um Diário Para a Saudade» tornou-se um dos meus textos favoritos deste terceiro volume, porque consegue ser triste e belo na mesma medida.

🎧 Música para acompanhar: Saudade, Saudade, Maro


obras completas volume IV


As janelas mostram-nos diferentes paisagens, porém, quando abrimos as suas portadas, não sabemos bem a extensão do mundo que se estende para lá do horizonte visível, nem a quantidade de memórias que guardam todos esses lugares ocultos.

Neste quarto volume, a autora embala-nos por esta perspetiva, como se cada conto e cada crónica fosse uma janela nova, da casa de alguém que não conhecemos, mas que (também) podíamos ser nós, alguém próximo. E é fascinante como, escrevendo sobre várias pessoas sem nome, nos inclui a todos, como nos torna quase protagonistas.

Os cenários do dia a dia elevam-se pela narração, pelo olhar atento aos detalhes e por conjugar com tanta mestria problemas, vivências, amores e angústias. Através de um monólogo plural, que mergulha ao fundo da alma humana, consegue equilibrar muito bem apontamentos mundanos, coisas muito suas e comportamentos transversais. Por isso, temos retratos de personalidades comuns sem que isso se torne maçador.

As palavras da autora transbordam humanidade. Mas também sombra e poesia.

🎧 Música para acompanhar: Duas Casas, Stereossauro & Capicua


obras completas volume V


Obras Completas Volume V é composto por um livro de crónicas, um livro de contos, um livro de poesia e uma peça de teatro. E é nesta versatilidade que compreendemos o alcance da escrita da autora, que permanece tão fascinante e atual. Aliás, ao transitar entre estes quatro géneros, fiquei com a seguinte impressão: Maria Judite de Carvalho não tinha receio de arriscar, desde que isso lhe trouxesse alguma satisfação e eu aprecio isso num autor, aprecio essa vontade de arriscar, de sair da zona de conforto.

Regressando a este livro, há uma certa intemporalidade nas suas palavras, na forma como observa o mundo e constrói os seus pensamentos. Além disso, aborda temas como o tempo, o turismo, as tecnologias, a noção de felicidade; centra-se na solidão, na casa, nas vidas reclusas, mas com um ritmo sempre fervilhante. Com elegância, humor e algum sarcasmo, analisa a vida da cidade e das suas pessoas.

Sei que acabarei por revisitar esta obra, só para me perder nos mundos que cria.

🎧 Música para acompanhar: Flor Sem Tempo, Paulo de Carvalho & Diogo Piçarra


obras completas volume VI


Os Diários de Emília Bravo centram-se em temas do quotidiano, mas de um modo mais direto, porque a narradora assume os argumentos na primeira pessoa, tornando-os mais íntimos, mais focados nas suas preferências. Por outro lado, ao assinar os textos com outro nome, adotando a identidade de Emília Bravo, é como se Maria Judite de Carvalho se distanciasse das opiniões escritas, é como se fosse um mero veículo de transmissão de ideias e não a criadora destas palavras, destas observações.

Manuel Gusmão referiu-se à escrita da autora como «uma arte não sentimental do desamparo, da solidão» e eu acho que esta imagem a descreve na perfeição, porque consegue tocar em vários assuntos sérios sem cair na emoção exacerbada. Há sempre uma fronteira que não ultrapassa, mantendo a lucidez e o espírito crítico.

Neste Volume VI, acompanhamos vivências do dia-a-dia, cruzamo-nos com críticas a certos hábitos, refletimos sobre moda, televisão, questões sobre a idade e reforçamos que «a realidade e a ficção nunca estão muito longe uma da outra». Por ser neste registo diarista, há entradas mais datadas (até porque foram escritas entre 1971 e 1974), mas há outras que permanecem atuais. É impressionante como a sociedade parece ter evoluído tão pouco em áreas fulcrais para o desenvolvimento humano.

Houve opiniões que me deixaram de pé atrás, devo confessar, porque apresentam uma aura mais retrógrada, mas não me posso esquecer que estou a analisar estes textos em 2023, 50 anos depois de terem sido escritos a maior parte deles. Portanto, fazer este exercício de os enquadrar na sua época, sem o filtro do presente, foi interessante.

A relação com Emília Bravo foi oscilante, porque não me revi sempre na sua voz. Mas quando assumiu uma postura mais contestatária, focando-se na emancipação feminina e na cultura patriarcal, foi aí que me conquistou. E foi aí que consegui ver para além dela, encontrando Maria Judite de Carvalho e os seus pareceres certeiros.

🎧 Música para acompanhar: Mariazinha, José Mário Branco

4 comments

  1. Nunca li nada da autora.

    Fiquei curiosa para descobrir a sua obra.

    Beijinho grande, minha querida!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Fiquei mesmo rendida à escrita e às observações da autora!
      Aconselho muito, minha querida

      Eliminar
  2. Desconhecia por completo mas fiquei bastante curiosa por descobrir a obra desta escritora *.*

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Fiquei mesmo rendida à escrita e às suas observações 😍

      Eliminar