erro 404

Fotografia da minha autoria



«A armadilha da felicidade»


A mais recente série da RTP1 teve Inês Aires Pereira no papel de protagonista e uma premissa que me pareceu intrigante. Estes fatores foram suficientes para querer ver e posso adiantar que prometeu e cumpriu.


 sinopse

Erro 404 transporta-nos para várias referências. Rita acabou de perder a melhor amiga e companheira de casa. Mergulhada numa tristeza profunda, completamente desmotivada e apática, encontra uma réstia de esperança numa aplicação: a Appy, que lhe permitirá viver a vida de outras pessoas. No estado em que se encontra, sente que não tem algo a perder, no entanto, a fase experimental desta aplicação pode trazer-lhe consequências irreparáveis.


 após ver o primeiro episódio

As fórmulas que nos prometem (quase) milagres são sempre tentadoras, sobretudo, quando precisamos de uma mudança urgente ou quando, dentro da nossa dor, nos parece demasiado cruel o mundo continuar em movimento e funcional, enquanto nós estamos apenas a cumprir serviços mínimos. Para Rita, os dias começaram a parecer demasiado longos, quando se sentia tão vazia, portanto, foi à procura de algo novo, desafiante, que a fizesse sentir viva, quase como se estivesse a reaprender a viver.

As experiências da aplicação são muito diferentes e vão das mais simples às mais exigentes. Mas tudo parece aceitável só para calar a angústia e para continuar a ter um propósito. Com um tom que oscila entre o drama e a comédia, fiquei rendida à construção da narrativa e das personagens: ainda que Rita atraia todas as atenções, por razões óbvias, a verdade é que o elenco envolvente faz com que sobressaia, porque se interligam em harmonia. Além disso, fiquei rendida à forma como estão a retratar a vulnerabilidade e como nos alertam para a falaciosa segurança que encontramos neste género de recursos sociais, porque podem ser fabulosos e igualmente perigosos.

É tudo muito credível e acho que não podiam ter escolhido melhor protagonista. Estou desejosa para descobrir todas as peripécias que a Appy lhe reservará e para compreender se conseguirá recuperar do desgosto e se se voltará a sentir feliz.


opinião final

Agora que chegou ao fim e eu fiquei com uma questão: como é que serão as minhas segundas-feiras, a partir de agora? Acho que vou mesmo seguir a sugestão da Inês Aires Pereira e maratoná-la como se de um filme se tratasse. Creio que a experiência de imergir na história desta forma pode trazer várias sensações novas.

Existir uma aplicação que nos permita viver a vida de outras pessoas e, deste modo, evitar lidar com a nossa tristeza, apatia e desmotivação, é bastante tentador: não só porque parece retirar-nos de uma certa dormência, mas também porque nos traz o conforto de podermos começar do zero, ainda que por um período curto de tempo. Além disso, parece trazer algumas soluções que não estávamos capazes de alcançar. Mas será que é mesmo assim? Será que esta é a fórmula ideal para nos reerguermos?

Creio que esta procura incessante pela felicidade é transversal ao ser humano. Não importa de onde vimos, nem para onde vamos. Não importa o que almejamos, nem a bagagem que carregamos. Todos nós andamos ocupados a tentar ser felizes, ao ponto de quase soar ofensivo sentirmos outras coisas. Acho que esta série também nos mostra a loucura que é não nos permitirmos sofrer e impormos um tempo para recuperar e lamber as feridas, como se existisse apenas um caminho a seguir.

A realidade dos outros, sobretudo quando estamos mais frágeis, afigura-se sempre melhor e é fácil cairmos na comparação. Com as redes sociais, por exemplo, esta noção escalou, porque não conseguimos filtrar que aquilo que vemos é apenas uma pequena parte de um todo - mas o problema não está só nas plataformas em si, está na forma como as utilizamos, na forma como, consciente ou inconscientemente, permitimos que assumam um papel preponderante no nosso quotidiano. Ademais, caímos na armadilha de procurar respostas rápidas e, neste caso, a Appy traz isso: traz o facilitismo de não termos de pensar nos nossos problemas, de nos alienarmos da nossa identidade. Portanto, a pergunta é: até onde é que estamos dispostos a ir?

Por outro lado, sentir na pele a vida de outras pessoas também mostra que nem sempre as coisas são como as pintamos, que nem tudo é incrível, que pode ser assustador e paralisante. Às vezes, era bom termos este choque de realidade, era bom termos a possibilidade de fazer uma troca e calçar os sapatos dos outros, para compreendermos que, tal como nós, também eles estão muitas vezes à deriva, a tentar gerir inseguranças, medos, perdas e mudanças; e que, tal como nós, também são capazes de olhar e desejar que a vida deles fosse igual à da pessoa que está do outro lado da margem. É curioso como consegue ser tudo uma questão de perspetiva.

Fiquei mesmo presa à série: pelo elenco maravilhoso, que serviu tão bem as personagens, pelas temáticas, pelo ritmo, por trazer um contexto muito relacionável, ainda que certas cenas pareçam vindas de um mundo algo distópico. E fui anotando alguns pensamentos, ao longo dos oito episódios, que quero partilhar convosco.

episódio 1: é triste, é cómico, é ácido, é épico;

episódio 2: a Rita sente-se perdida e sempre a resvalar para um lugar sombrio. Mas acho que aquilo que mais me fez pensar foi no porquê de se sentir tão culpada;

episódio 3: é engraçado como, apesar de mudar de vida, há um gesto que a identifica sempre. Além disso, estas mudanças dão-lhe novas perspetivas sobre desigualdades, sobre o modo como as suas decisões influenciam outras vidas e sobre a sensação permanente de que podia ter feito algo de diferente - mesmo que não pudesse;

episódio 4: parece que está sempre em fuga e sempre disposta a ser toda a gente menos ela própria. Neste episódio, também começamos a ter noção do que acontece quando a Rita não está presente, quando apenas está o corpo dela;

episódio 5: animação e caos parecem palavras de ordem. Não obstante, assisti a uma das conversas mais maravilhosas de sempre - desta série e de muitos outros formatos. Quero destacá-la mais à frente, mas, de facto, a avó da Rita é uma das almas de Erro 404;

episódio 6: uma crítica subtil, mas pertinente, à falta de controlo parental, o que pode levar a que muitas crianças utilizem aplicações pouco seguras ou pouco adequadas à idade. Outro aspeto central deste episódio, para mim, é a necessidade de pedir ajuda e de isso não ser um problema, pelo contrário;

episódio 7: ficamos tão no charco, presos à nossa dor (seja ela qual for), que nem percebemos bem o que há de maravilhoso à nossa volta, na nossa vida. Até que ponto é que Rita se permitirá voltar a ser feliz?;

episódio 8: a série foi intensificando as perguntas sobre tudo aquilo que representa a Appy. Em simultâneo, foi-nos mostrando a evolução da protagonista, o caminho que percorreu, a capacidade de sorrir depois do caos.

Antes de concluir, quero mesmo destacar a avó da Rita, Lola, e a relação entre as duas, porque conseguiam ser cómicas, emotivas e introspetivas, num equilíbrio perfeito. As cenas entre as duas eram as minhas favoritas, pela vivacidade e pela vulnerabilidade, e hei-de guardar frases como «Se a vida te dá camarões, chucha a cabeça» para sempre.

Erro 404 terminou de um modo desarmante. Preciso de uma segunda temporada.

4 comments

  1. Deixaste-me curiosa com esta série.

    Vou ter de ir ao RTPPlay ver,

    Beijinho grande, minha querida!

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    1. Aconselho muito, minha querida! Aborda temas super importantes e consegue ter um ótimo equilíbrio entre o drama e a comédia. Além disso, os atores foram escolhidos a dedo

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  2. Confesso que esta serie nao me despertou interesse... Talvez por ter ficado com os gritos da Ines nos ouvidos por causa do TaskMaster... UpsieDaisie como diz o meu pequenote lol

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