o meu pé de laranja lima, josé mauro de vasconcelos

Fotografia da minha autoria



Gatilhos: Violência, Luto


A memória atraiçoa-me e não sei precisar a veracidade que se alia às memórias do passado. E começo com este pensamento, porque associo sempre o livro de José Mauro de Vasconcelos a Évora: será que numa das noites de verão da minha infância, sentada na Praça do Giraldo, ouvi falar sobre ele? Será que alguém interpretou um dos temas da novela baseada na obra homónima? Ou será que esta recordação foi construída pelo meu imaginário? Continuo sem respostas, apenas sei que já andava em dívida com esta história há anos.


 dor, violência e o poder da amizade

O Meu Pé de Laranja Lima permite-nos conhecer Zezé, um menino de seis anos sensível, inteligente, criativo e muito traquina. Proveniente de uma família carenciada e disfuncional, aprendeu cedo o que é estar em desvantagem e o quanto pode doer a tristeza. Quando muda de casa, descobre um pé de laranja lima, o Xururuxa, com quem trava uma amizade especial. E é neste mundo de fantasia que encontra uma forma de fugir da realidade tão dolorosa, almejando um pouco de paz.

A narrativa é simples, talvez por recuperar parte da inocência do protagonista, mas bastante melancólica, uma vez que há uma ausência de colo e de afeto familiar que nos despedaça. Por esse motivo, fui alternando entre uma certa leveza - conseguida pelo humor e ingenuidade do rapaz - e uma grande comoção, e sempre com uma vontade gritante de abraçar Zezé.

«- Nunca esse copo vai ficar vazio. Quando eu olhar para ele, vou sempre enxergar a flor mais linda do mundo. E vou pensar: quem me deu essa flor foi o meu melhor aluno. Está bem?»

O que lhe faltava em casa, procurou na rua. E, se calhar, as travessuras que fazia era uma maneira de preencher vazios, de silenciar o desgosto, o medo e a sensação de não ser amado. Se calhar, de outro modo não conheceria Manuel Valadares, o Portuga, que se revelou uma figura de referência, um suporte emocional e um rosto de ternura, de bondade. Ver os seus laços a estreitarem foi inspirador, até porque mostrou a Zezé o conceito de família e que não é suposto que as situações sejam resolvidas através de violência.

O Meu Pé de Laranja Lima apresenta-nos vidas duras, onde a pobreza mina relações familiares, sentimentos e a própria dignidade, porque é a lei da sobrevivência que dita as regras - e quem luta para ter o mínimo de condições de vida nem sempre consegue filtrar outras prioridades. E deixou-me a pensar, por um lado, em quantos «Zezés» existirão espalhados pelo mundo e, por outro, na quantidade de vezes que descarregamos as nossas frustrações em quem menos tem culpa. Com um excelente equilíbrio entre momentos de descontrolo, perda e incompreensão e atos de alegria e amor, este livro também mexe connosco pelo que não controlamos e por ser uma história autobiográfica.


🎧 Música para acompanhar: Canção da Árvore, Marcus Viana


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Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

Comentários

  1. Parece-me ser um livro que tem muito para nos ensinar! Bom domingo 😘

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  2. Li este livro no ano passado. Vergonhosamente tinha-o na estante desde o 6° ano. Gostei imenso. Quis muitas vezes abraçar o Zezé.

    É maravilhoso.

    Beijinho grande minha querida 😘

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    Respostas
    1. Como te compreendo, minha querida, também o quis fazer várias vezes 🥺

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