a malnascida, beatrice salvioni

Fotografia da minha autoria



Gatilhos: Violência, Família Disfuncionais; Linguagem Gráfica e Explícita


As capas da Alfaguara têm sempre algo de misterioso, ainda que mantenham a mesma identidade visual. Quando me cruzei com o livro de Beatrice Salvioni, houve qualquer coisa naquele rosto que me desconcertou, quase como se se tornasse imperativo conhecer a sua história. Não o fiz logo e ainda bem, porque foi uma das escolhas do Livra-te para setembro.


 o mal, a liberdade e uma amizade comovente

A Malnascida leva-te até Itália, no ano de 1936. Num país onde imperava uma ideologia fascista e o prenúncio de uma guerra promovida como motivo de orgulho, em Monza, particularmente, as atenções afunilavam para Maddalena, conhecida como a Malnascida, o grupo de amigos problemáticos e Francesca, uma menina de 13 anos impedida de se juntar a eles. A maneira como os caminhos se cruzaram e como nasceu uma amizade entre as duas raparigas desarmou-me por completo.

Embora não goste de comparar livros, tenho de confessar que estava com dois receios: por um lado, que existisse uma forte influência de Elena Ferrante (de quem não fiquei tão fã) e, por outro, que o início impactante ficasse desfasado do desenvolvimento (como senti em Canção Doce, de Leïla Slimani). Felizmente, descartei-os rápido, porque a autora tem uma voz própria e bordou a história com muito cuidado e atenção aos detalhes. Ademais, a construção das personagens faz com que queiramos manter-nos sempre por perto.

É sabido, desde a sinopse, que há uma tentativa de violação, portanto, sempre que nos era apresentado um novo homem deste bairro, o meu impulso era o de questionar se teria sido aquele. Houve um nome que, para mim, se tornou logo suspeito, mas adorei que a dúvida permanecesse até ao final. E acho que este exercício é mais uma prova da mestria de Beatrice Salvioni, que foi jogando com diferentes perspetivas e desenrolando o novelo na medida certa.

«Aproximei-me e peguei-lhe numa mão, ela apertou-a, levou-a à testa e manteve-a ali demoradamente, sem falar. Aquele era o género de dor que não se deixava dizer»

É impressionante como de um cenário sombrio nasce algo tão bonito, como duas crianças comunicam com esta franqueza e nos incitam a refletir sobe a importância de desafiarmos as convenções; é impressionante como, a partir das margens do rio Lambro, ficamos de coração em alvoroço porque há coisas que parecem não mudar: o machismo, a descredibilização da vítima, o governar pelo medo, as diferenças sociais e económicas e os estereótipos.

Francesca e Maddalena são rosto e voz de tudo isto, cada uma à sua maneira. Adorei como se tornaram colo uma da outra, como cresceram em conjunto e como, sem perderem a inocência por completo, arranjaram maneira de encarar de frente a crueldade, as injustiças e a hipocrisia. E isso deixou-me a pensar em duas coisas: 1) a diferença que faz estarmos perto de quem não nos julga, de quem nos faz sentir seguros; 2) o quanto os rótulos são castradores, porque transmitem a falsa sensação de conhecermos o outro, não lhe dando qualquer hipótese de se defender.

A Malnascida revoltou-me e emocionou-me, porque tem uma série de detalhes memoráveis, que espelham que a vulnerabilidade não nos enfraquece e que há sempre quem saiba qual é o lugar certo da luta. Este livro só peca por ser curto, porque ficaria mais tempo nesta história, a acompanhar o estreitar de laços desta amizade que, para mim, é uma das mais bonitas que já li na ficção.


🎧 Música para acompanhar: Parlami d'Amore Mariù, Cesare Andrea Bixio, Ennio Neri & Marco Velocci


Disponibilidade: Wook (Livro | eBook) | Bertrand (Livro | eBook)

Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

Comentários

  1. Vou levar :) Muito obrigada pela sugestao, minha querida *.*

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  2. Andreia suas sugestões de livros são sempre maravilhosas, desejo uma ótima semana bjs.
    http://www.lucimarmoreira.com/

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  3. Passei aqui so para dizer que adorei as mudanças aqui no teu cantinho *.*

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  4. A capa leva-nos de facto a pensar que história esconde a figura feminina.

    Fiquei com muita vontade de ler. Obrigada pela sugestão.

    Beijinho grande, minha querida!

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    1. Não é? Acho-a mesmo intrigante e, depois, parece que nos desafia. Combina bastante bem com a história!
      Aconselho, minha querida, é uma história extraordinária

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