notas literárias set'24

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A banda sonora de uma viagem literária


A playlist literária deste mês, sem que tenha sido pensada nesse sentido, marca uma certa transição sensorial e acompanha a despedida dos tempos quentes para acolher a melancolia dos dias de outono. Se calhar, porque aquilo que une as leituras de setembro é o tom nostálgico - mesmo que, depois, sejam muito distintas na sua essência.


a malnascida, beatrice salvioni
Parlami d’Amore Mariù, Cesare Andrea Bixio, Ennio Neri & Marco Velocci ▫️ Uma das passagens mais bonitas deste livro, para mim, acontece aos primeiros acordes da música destacada (não necessariamente esta versão, mas não encontrei a que é referida nas notas), porque é feita de cumplicidade e leveza. Acho que houve laços que se estreitaram naquela dança, ao mesmo tempo que compreendemos que não precisamos de muita coisa para nos sentirmos felizes. Estar é o segredo, porque é na presença que conhecemos as pessoas - as nossas pessoas.

manhã, adília lopes
Manhã, Janeiro ▫️ Escolhi esta canção, em primeiro lugar, pelo título em comum e, em segundo, pelo facto de a letra retratar tantas coisas quotidianas e tantas observações, de um modo despojado, tal e qual como aquilo que encontrei no livro.

poesia, eugénio de andrade
Urgentemente, A garota não ▫️ A música foi escolhida ainda antes de iniciar a leitura, porque A garota não musicou um dos meus poemas favoritos de Eugénio de Andrade. Além disso, como sinto que os versos do poeta transmitem amor em diferentes formas e nos mostram a importância de permanecer, fazia todo o sentido optar por uma canção que demonstrasse isso.

o meu pé de laranja lima, josé mauro de vasconcelos
Canção da Árvore, Marcus Viana ▫️ Zezé criou um vínculo muito especial com um pé de laranja lima, a quem deu o nome de Xururuca, e a «voz da árvore» foi-lhe «falando ao coração», salvando-o em diversas ocasiões, porque foi colo e porto de abrigo. Por isso, pareceu-me uma boa associação, já que, para além do foco umbilical com a árvore, tem um tom que desperta o lado da imaginação, tantas vezes utilizado pelo protagonista para prosseguir.

weak, kachisou
Weak, Skunk Anansie ▫️ Procurei por uma canção com o mesmo título e reencontrei-me com esta dos Skunk Anansie. Uma vez que se foca em fragilidades individuais, na imagem negativa que, por vezes, temos de nós, nos pensamentos desagradáveis que se multiplicam e na solidão, percebi que não precisava de prolongar a procura, porque as histórias compiladas neste manga refletem tudo isso.

pintado com o pé, djaimilia pereira de almeida
Balancê, Sara Tavares ▫️ Lembrei-me desta música mais pela ideia de oscilar do que por encontrar pontos semelhantes entre as crónicas e a letra. É que Djaimilia vai balançando entre géneros, conferindo-lhes movimento. Nem sempre consigo manter-me equilibrada na dança, mas acho interessante que arrisque nessa mistura, deixando-se levar por uma voz tão própria.

os anos, annie ernaux
Mambo Italiano, Dario Moreno ▫️ Um dos textos do livro inclui um momento com este tema, ainda que não tenha uma participação tão ativa: é mais como uma nota de rodapé, mas que ajuda a compor o cenário descrito. Por esse motivo, quis tirá-lo do papel e embalar a leitura no seu ritmo.

cá dentro, isabel minhós martins, maria manuel pedrosa & madalena matoso
Córtex, Capitão Fausto, Orquestra Filarmonia das Beiras & Martim Sousa Tavares ▫️ Na página 51 do livro, perdoem-me o pequeno spoiler, é possível ler a seguinte frase: «No grupo dos metais, os trompetes parecem discutir com as tubas, enquanto os instrumentos de percussão (...) fazem uns estrondos de quando em quando... E, para além de tudo isso, o maestro ainda não chegou! O maestro é o córtex pré-frontal». Ao lê-la, foi como se uma lâmpada se acendesse, porque fui logo transportada para este instrumental. Pela referência ao córtex e pela plasticidade do nosso cérebro que combina tão bem com a pluralidade de uma orquestra (ainda para mais, quando se agregam diferentes artistas), só podia estabelecer esta parelha.

pessoas normais, sally rooney
I Really Love You, Stephen Rennicks ▫️ A Marianne e o Connell parecem ter o dom de conversar, mas deixar tanto por dizer. Aliás, acho que comunicam mais através de silêncios e de ausências, do que propriamente por palavras, ainda que existam coisas que só se sintam confortáveis a partilhar um com o outro. Nesta releitura, reforcei o porquê de ter adoro o livro e compreendi ainda melhor o vínculo que os une. É, de facto, amor, mesmo quando não sabem o que fazer com aquilo que sentem. Além disso, parece que funcionam melhor quando se relacionam em curtos períodos de tempo, porque, depois, é tudo demasiado intenso e confuso. Foi por todos estes motivos que escolhi o tema em questão.

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