quero voar, kachisou

Fotografia da minha autoria



Gatilhos: Drogas e Alcoolismo


A primeira vez que vi este livro assumi, erradamente, que o nome que aparecia na capa era de uma autora estrangeira, portanto, tentem imaginar o meu espanto quando, ao ler a biografia, percebi que é natural de Faro. Assim que terminei a leitura, achei este pensamento ainda mais irónico, porque construímos expectativas e assunções de tudo, mas as mesmas nem sempre estão corretas e a forma como as gerimos pode condicionar mais ou menos a nossa vida. E Kachisou também se foca nesta temática.


encontrar a sua voz

Quero Voar retrata a história de Kyle, um jovem proveniente de uma família religiosa, com um pai bastante autoritário, que se sente preso na sua própria vida. A sufocar e com uma série de dúvidas em relação ao futuro, é quando se reencontra com o seu amigo de infância, Jack, que acaba por ter momentos de lucidez e de libertação.

A imposição de um percurso sempre me fez confusão, se calhar por não ter crescido dentro desses moldes e por acreditar que devíamos ter a possibilidade de trilhar o nosso caminho, por mais que isso se distancie daquilo que idealizaram para nós. Trabalhando de perto com crianças e adolescentes, já contactei com essa realidade, já vi o assumir de uma área de estudos que não era a desejada só porque era o sonho dos pais. E por mais que consiga entender que, em vários casos, isso provém de um fundo bom, a verdade é que as consequências são muito mais prejudiciais do que benéficas.

Orientar é importante, mas acho que é imprescindível o saber ouvir. Mesmo que não se concorde com a escolha, é preciso dar espaço, porque é assim que aquele ser vai explorar, vai descobrir, vai errar. Acho que há muito medo por causa do fator erro, por existir a ideia de que isso é perder tempo. Eu não sou mãe, mas tenho um afilhado e aquilo que eu mais quero é que ele seja bem sucedido; quero que ele olhe para trás e sinta que deu os passos que mais se adequavam ao que ambicionava. Posso não os entender a todos, só que o meu papel aqui é apoiar, amparar a queda, cair com ele se for necessário, e nunca apontar o dedo, dizendo-lhe quando deve avançar ou recuar. Por mais confiante que eu esteja em relação às suas capacidades, por mais que sinta que existe uma estrada que lhe serve melhor, só ele é que conhece os seus objetivos e a que velocidade quer ir. Enquanto adulta, posso escutar as suas vontades e procurar encaminhá-lo, no entanto, não posso falar mais alto de que ele e privá-lo da sua voz.

«Apenas sei que estou a gritar de desespero, e por causa disso não consigo ouvir a dor do meu melhor amigo...»

O Kyle não teve essa abertura, essa margem, por isso sentia-se claustrofóbico. A sua vida toda foi passada a tentar corresponder a expectativas externas, para não desiludir o(s) pai(s). Isso revelou-se frustrante e desgastante, até porque, pelo meio, deixou de saber quem era. E esta história é sobre a sua tentativa para encontrar um sentido e o seu lugar no mundo. Em simultâneo, é um alerta para a facilidade e a rapidez com que, neste processo, nos podemos perder. Porque passamos tanto tempo a reprimir quem somos e o que queremos, que rapidamente perdemos a noção de todos os limites.

Em simultâneo, achei interessante que nos deixe a pensar sobre o que é ou não um pecado, sobre o impacto que a amizade tem na construção da nossa identidade e sobre a (in)capacidade de escutar a dor do outro, quando o nosso sofrimento é tão grande. Ainda assim, precisava que o texto fosse mais desenvolvido, para não parecer que acontece tudo de um modo abrupto e para sermos capazes de nos relacionarmos melhor com a angústia da personagem, sentindo as consequências das suas escolhas.

Quero Voar, reconheço, não tem a história mais original, porém, foca-se em problemas credíveis e transversais a muitos jovens (e, creio, adultos também). Não obstante, sinto que são mesmo as ilustrações da Kachisou que merecem todo o destaque, uma vez que o traço, a cor e a ausência de margem nos fazem sentir a tensão, o drama, os rasgos de esperança e o poder do final. De repente, é como se estivéssemos naquele lugar.


🎧 Música para acompanhar: Andorinhas, Ana Moura


Disponibilidade: Wook | Bertrand

Nota: Esta publicação contém links de afiliada da Wook e da Bertrand

Comentários

Enviar um comentário