hotel do rio

Fotografia da minha autoria


«É a visão total dos filmes Viver Mal e Mal Viver»


A série de João Canijo (e Rui Cardoso Martins), Hotel do Rio, passa-se num hotel a Norte de Portugal, durante um fim de semana. Nesse período de tempo, para além da família que gere o negócio, conheceremos três grupos de hóspedes muito particulares, ao longo de quatro episódios.


primeiro episódio

Neste episódio, Sara (a matriarca e dona do estabelecimento) aparece com a neta Salomé, que acabou de perder o pai. Este reencontro tornará evidente uma dinâmica familiar disfuncional, entre gerações, pautada pela distância, pela incompreensão e pelo desconforto. Há sempre tensão nos gestos e nas palavras. Cada interação é sempre desajustada, como se, por um lado, estivessem a compensar algo e, por outro, estivessem só a competir, a apontar falhas, a mostrar que não são iguais.

Salomé está muito mais ligada ao pai e à avó, portanto, encara a mãe, Piedade, quase como uma estranha. E este fosso parece ser alimentado pela própria Sara, o que não deixa de surpreender, ainda que seja um quadro familiar facilmente reconhecido na nossa sociedade, visto que é mãe de Piedade. Isso leva-nos a refletir sobre a «incapacidade de amar e de ser mãe», sobre o quanto os laços de sangue não são garantia de uma relação estável, saudável, de amparo. Num hotel em risco de falir, rapidamente compreenderemos que a maior crise está agregada aos vínculos afetivos.

Em simultâneo, vemos o primeiro grupo de hóspedes a chegar: Jaime (fotógrafo) e Camila (influencer) são um casal em crise, quer pelas insinuações de um amigo, quer pelas ingerências da mãe de Jaime. Os ciúmes, a comunicação débil, a necessidade de mostrar conteúdo e as desconfianças começam a pesar e isso leva a que as conversas sejam sempre superficiais, à base de provocações e praticamente monotemáticas.

Hotel do Rio traz para o centro da ação vidas frustradas, desamores, rancores e arrependimentos.


segundo episódio

O segundo episódio, para além de manter o foco na família principal e no jovem casal em crise, coloca mais dois grupos de hóspedes em evidência.

Júlia é atriz e foi surpreendida pela namorada Alice, «que enviou um vídeo seu para um casting» numa série de época. Esta atitude deixou Júlia desconfortável, por não ter sido algo conversado previamente e por não estar certa de querer fazer o casting. Em simultâneo, conhecemos a sua mãe, com ideias bem definidas para o fim de semana, que começa a sentir comprometidas «pelas segundas intenções da sedutora namorada da filha», desenvolvendo um mau estar na interação entre todas. Este grupo permite-nos refletir sobre três questões: 1) a capacidade de respeitarmos (ou não) o tempo da outra pessoa; 2) o tornarmo-nos tóxicos por querermos que aquela pessoa arrisque nos seus sonhos e não desperdice o seu talento; 3) os planos que edificamos para os outros sem os consultarmos, sem percebermos se se adequam aos seus interesses/objetivos.

O casal Alexandre e Graça, juntamente com Elisa (sogra de Alexandre), chega ao hotel «no rescaldo do falecimento do pai de Graça». Não se levanta muito o véu, contudo, rapidamente compreenderemos que a relação mãe-filha tem várias áreas cinzentas e que a própria relação sogra-genro é estranha, como se estivessem a esconder algo. É visível no olhar de Graça que não está feliz e que há questões do passado por resolver.

Em simultâneo, Salomé questiona Piedade sobre a sua ausência e abandono, enquanto Jaime e Camila continuam a alimentar uma fachada em que já nem eles acreditam.

Neste episódio, senti presente a manipulação emocional e o desconforto palpável nos silêncios. Ademais, fiquei a pensar que há uma característica transversal às mães.



terceiro episódio

O terceiro episódio é uma montanha russa de emoções fortes e acho que nunca me senti tão desconfortável a assistir a certas cenas. Não por serem péssimas, atenção, mas por representarem muito daquilo que não consigo entender no ser humano.

É impressionante como, no mesmo espaço, conseguem coabitar pessoas tão distintas, mas cujas histórias de vida se interligam, mesmo que a génese do problema seja completamente diferente. Isso faz com que assistamos a relações disfuncionais, alimentadas por mágoas, traumas, interesses, culpa e, principalmente, egoísmo.

Por um lado, temos um casal a perceber que o término da relação é inevitável, por outro, temos uma família marcada pela mentira e pela pressão absurda para abraçar a maternidade. Ademais, temos uma mãe e uma namorada a disputar a atenção e as escolhas do futuro da pessoa que têm em comum e, ainda, um hotel perto da falência. No meio de todos estes cenários, há um tom de violência emocional bastante audível e cruel; há, uma vez mais, incompreensão e uma série de pensamentos machistas.

Fiquei bastante impressionada com a maneira como este episódio escalou, deixando-me a pensar em três situações: 1) a facilidade com que algumas pessoas fazem os outros sentirem-se mal na sua própria pele; 2) a culpa depositada nos filhos; 3) ser aceitável o silêncio, quando minimizam a pessoa com quem estamos. A falta de consideração pela voz do outro é algo que me incomoda, mas confesso que também me inquieta quando, na tentativa de apaziguar qualquer tipo de hostilidade, não tomamos uma posição. Ou será que essa ausência de reação é, já por si, uma atitude?

Parece que tudo é dito no tempo mais inconveniente e que o esforço nunca é recompensado. Parece que algumas pessoas são apenas invisíveis, porque o outro já decidiu o que fazer. Acima de tudo, parece que não há margem para cometer erros.


quarto episódio

O quarto e último episódio veio atar as pontas soltas, deixando cair as máscaras, o desconforto e esta ideia falaciosa de que tanto os laços de sangue, como os que vinculamos noutras relações são garantia de algo inquebrável. Há casos em que sim, mas há muitos em que esse não é o cenário. Tal e qual como na série.

Existe uma honestidade crua, quase bruta, nas palavras e nas ações, por isso é que o argumento me foi angustiando e deixando inquieta. Observar as diferentes interações levou-me a questionar até que ponto conhecemos aqueles com quem dividimos casa e uma vida; até que ponto conhecemos as suas intenções e todos os lados da mesma história. Será que podemos estar a ser influenciados pela visão/obsessão de terceiros?

Neste final, sinto que a narrativa se dividiu em dois pontos: a importância de impor limites e a importância de estabelecer uma comunicação franca, sem meias-verdades. Remetermo-nos ao silêncio, por mágoa ou proteção, pode desencadear mal entendidos e, pior, levar a que assumam o controlo de quem somos. Isso não só é cansativo, como também é limitativo. E, creio, corrobora algo em que tenho pensado: ao escudarmo-nos de expressões como «apenas quero o que é melhor para ti», estamos a jogar com as emoções daquela pessoa, a manipular os seus sentimentos e a comprometer o seu bem-estar. No fundo, vamos alimentando um traço tóxico, enquanto ela fica dormente.

Por outro lado, fiquei a pensar no espaço que ocupamos na vida dos outros e no quanto conseguimos ser egoísta nessa questão, mesmo que não façamos as coisas com maldade. Às vezes, queremos tanto não perder aquele lugar, que nos esquecemos que amar não é impedir que entrem mais pessoas nas suas vidas. Muito pelo contrário: é construir um espaço seguro, que lhes mostre que continuaremos ali, por mais pessoas que existam à sua volta, sem imposições, sem qualquer tipo de cobrança. Sempre.

A vida consegue ser difícil, plantar dúvidas e fazer com que nos sintamos deslocados, assoberbados, longe de tudo o que parece ser importante. É como se entre nós e o mundo existisse uma barreira. Hotel do Rio traçou esse retrato de uma forma sublime, através de rostos que poderíamos conhecer, que nos poderiam servir, porque aquelas vidas podiam ser as nossas. O final desarmou-me e mostrou que nem todos os que nos rodeiam estarão dispostos a fazer um esforço. Vejam se estiverem num lugar bom.

13 comments

  1. Adorei esta serie! Recheada de actrizes fantasticas! Dei por mim a querer bater na Sara... :( Saude Mental exposta de uma forma muito forte. Da mesmo muito em que pensar...

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    1. E concordo tanto contigo... Joao Canijo expos a maternidade de uma forma dura e crua mas muito real *.*

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    2. Como te percebo, porque torna-se revoltante a manipulação emocional, ainda que percebas que isso acontece porque ela também não está estável

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    3. Sim, adorei a forma como expôs todos os temas sem filtros, mas não sendo explícito em todas as cenas para dar margem ao espectador de supor, imaginar, tecer as suas próprias análises

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  2. Ainda não vi a série, mas tenho-a gravada.

    Vou ter mesmo de ver, deixaste-me curiosa.

    Beijinho grande, minha querida!

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    1. Achei-a mesmo interessante! Desconfortável e credível em simultâneo 👌🏻

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  3. Andreia é uma série boa pra assistir fiquei curiosa, desejo um ótimo final de semana bjs.

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    1. Achei mesmo interessante, mas aconselho a ver se estivermos num lugar bom psicologicamente

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  5. Acho que vale muito a pena ver, mas, como aconselhei em cima, se estivermos num lugar bom, porque aborda algumas questões delicadas

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  6. Nunca tinha ouvido falar dessa série. Obrigada pela partilha!
    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

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