Os primeiros acordes fizeram-se ouvir e o coração acelerou. Eu já estava à espera de me emocionar, afinal, tinha em palco uma das minhas primeiras referências musicais, mas não estava completamente consciente do real impacto do momento. No final d’ A Escola dos 90, de pele eriçada e olhar luzidio, toda eu tremia de êxtase e admiração: ali, foi como se o tempo recuasse. Quando eles se formaram, em 1996, com a fusão de dois projetos, Factor X (Mundo e Dj Guze) e Fullashit (Fuse e Expeão), e a chegada do Maze, eu só tinha quatro anos, portanto, não os acompanho desde a origem, mas há algo nas raízes que nos agrega e eles foram entrando cá em casa pela passagem de testemunho silenciosa do meu primo, que foi a ponte que impulsionou a descoberta destes «gajos adultos» que, parafraseando, na indústria provocam tumultos e criam o seu nicho.
Conhecer artistas pela visão de quem nos é próximo — ou por quem nutrimos alguma consideração — tem sempre um vínculo especial, até porque acabamos por construir novos significados. Os Dealema eram um mundo que não me pertencia, compreendi-os, primeiro, por aquilo que faziam sentir os outros, até que passei a falar no mesmo dialeto que eles, a identificar-me, a compreender os lugares espelhados em cada verso. E, assim, bordei-os na minha história, visto que passaram a fazer parte de quem sou.
A escrita sempre foi o gatilho, a poesia que não só contempla as margens deste Douro, como também evidencia problemas sociais, realidades intensas, sonhos, hesitações e lamentos. O sangue que lhes corre pela veia é tinta e, por esse motivo, fizeram da arte uma arma e um escudo, sem alterarem o seu modo de criar canções. Reinventaram-se, sim, exploraram outros caminhos (incluindo a solo), mas, no fim do dia, continuam a ser o pentágono, o V Império que, alicerçado pela música, nutre laços de amizade.
Vê-los em palco foi sentir que o tempo não deixou de contar, mas que nenhum hiato fez mossa na autenticidade que carregam no peito, na força das palavras, nas melodias que nos embalam e nos transportam para cenários muito específicos. Acho que parte da magia também passa pela proximidade do que é descrito, por escutar as referências e ser capaz de as encaixar numa época e num sítio concretos. O nosso percurso pode ser diferente, até podemos transportar na bagagem aprendizagens divergentes, mas há elementos transversais e, sobretudo, fica a impressão de que são o rosto de uma nação.
Enquanto embarcava nesta viagem, ia observando a plateia ao meu redor e sei que isso acrescentou uma nova camada emocional, porque era quase palpável a energia, o tom da nostalgia, a felicidade por vivermos algo que já parecia inacessível. Não reconheci as caras, mas senti-me acompanhada pela minha geração, o que trouxe uma sensação a casa que talvez não seja capaz de traduzir. Não obstante, foi maravilhoso de ver e de ouvir como as nossas vozes se uniram numa só para expressarmos o que vem da alma.
Na companhia da Banda Musical Leverense, uma simbiose improvável, mas orgânica, trouxeram a irreverência de outros tempos, tão relevante e necessária, e um concerto que foi uma celebração da longevidade, da palavra cantada, da arte, dos valores que os regem. A escreverem uma história sem rótulos, que cresce pelos cinco elementos que são «passaportes deste para o outro mundo», era impossível não ficar rendida à forma como se entregam em cada canção, como não permitem que o ego os deslumbre. Nada dura para sempre, mas a marca que deixam no Hip-Hop é eterna. E como «só o amor se perpetua» e eles não se retraem, «a chama ainda acende». Vemo-nos em fevereiro.
0 Comments