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| Fotografia da minha autoria |
A maneira como processamos o luto e como convivemos com a ausência pode assumir contornos inexplicáveis, visto que nos agarramos sempre àquilo que nos traz conforto. Quando a minha avó materna faleceu, nos primeiros dias em que me senti habitar uma casa vazia sem que o estivesse realmente, havia uma parte de mim que podia jurar que ouvia o barulho das chaves a entrar na fechadura, como se estivesse a regressar do seu passeio diário, por volta das 12h30. Não estava, não podia, mas isso, por algum motivo, sossegava-me, embora depois aumentasse uma ferida já de si profunda. E talvez essa seja a principal razão para ter percebido o refúgio criado pela protagonista desta série.
Nem a Gente Janta é «um peculiar drama familiar» que nos permite acompanhar Inês, uma jovem atriz a tentar, por um lado, «fazer as pazes com a dor» agregada à perda do pai e à demência do avô e, por outro, a combater «o moderno sofrimento habitacional lisboeta», uma vez que está prestes a ser despejada pela senhoria. Portanto, com tanta coisa a acontecer em simultâneo, procura paz «na figura imaginária do falecido pai».
O argumento é inspirado em detalhes reais, apesar de ser uma história fictícia. Inês Sá Frias queria homenagear o pai Fernando e o avô Filipe e essa foi a força matriz da sua escrita, evidenciando a vontade de nunca os esquecer, «seja através de fotografias e de conversas familiares (…), seja através de subtis memórias». Numa narrativa em que as saudades também são vitais, fascinou-me o equilíbrio entre o lado dramático e o lado cómico, a transição subtil que nos mantém investidos no enredo e o modo como cada peripécia une as pontas soltas sem que o todo nos pareça descabido. Além disso, tem a dose certa de vulnerabilidade e de leveza, mostrando-nos que o luto não é nada linear.
A solidão, o declínio da doença, o problema da habitação e o afastamento familiar são razões mais do que suficientes para nos perdermos em sucessivas reflexões, mas sinto que a série ainda vai mais longe, quando percebemos que algumas circunstâncias e/ou alguns traumas influenciam o modo como nos relacionamos e entregamos aos outros, quando notícias inesperadas nos forçam a amadurecer e quando passamos a tratar as nossas pessoas no passado. De repente, somos confrontados por particularidades que nos angustiam e que nos deixam a duvidar se estamos a seguir o caminho indicado.
Nem a Gente Janta traz uma certa musicalidade e poesia no título, ainda que também nos faça questionar se existe uma camada mais sombria associada ao seu significado. Composta por cinco episódios, creio que o mais interessante será ver a série seguida, porque assim não há quebras nesta travessia emocional. A partir da história da Inês, pensaremos sobre luto e sobre sentirmo-nos preparados para irmos largando as dores do passado. Sem as esquecermos, percebemos que existem elos que não se desfazem.







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