mártir!, kaveh akbar

Fotografia da minha autoria



A capa do livro de Kaveh Akbar estava muito presente no meu pensamento. Depois de saber a opinião tão positiva de algumas pessoas cujo gosto literário se aproxima do meu, decidi incluí-lo na lista da Feira do Livro do Porto. E que viagem intensa que me proporcionou.


 a ideia de ser mártir

Mártir! narra a história de Cyrus Shams, «um jovem a lidar com a herança de violência e perda». Órfão e filho de imigrantes, o nosso protagonista é-nos apresentado como alcoólico, viciado e poeta, mas é a sua obsessão por mártires que sobressai, até porque é ela que o leva «a investigar os mistérios do seu passado».

Com mais ou menos consciência disso, creio que passamos a nossa vida à procura de significados — quer para entendermos determinados conhecimentos, quer para encontrarmos algum conforto, alguma paz. Cyrus é a personificação perfeita disso e acho que é também por essa razão que nos apaixona, que nos prende às suas vivências. Embora aparente não ter qualquer propósito, socorre-se da bebida, da arte e dos mártires para encontrar um sentido.

Há um tom triste a pairar nestas páginas, mas a narrativa é frenética, porque, de repente, parece estar em todo o lado. Enquanto lida com o luto, vai refletindo sobre religião, emigração, ancestralidade e guerra; equaciona o significado da vida e procura reinventar-se, nunca escondendo o desejo de ter uma morte grandiosa. E nós, leitores, acompanhamos cada um dos seus pensamentos sem um segundo de descanso.

«Depois daquele primeiro beijo, eu não teria duvidado de nada. Possibilidades, liberdade. Se um grande anjo alado tivesse emergido do solo e rebentado em pedaços, eu teria recolhido as suas penas»

Às vezes, torna-se difícil acreditar que Cyrus é apenas um jovem, tendo em conta a profundidade do seu discurso, da mesma maneira que parece impossível ficarmos indiferentes à sua viagem, a tudo o que ultrapassou, à sensibilidade que consegue ser força e vulnerabilidade. É uma narrativa muito bem construída, comovente, que me prendeu do início ao fim.

Mártir! não tem uma estrutura comum. Aliás, um dos aspetos que mais me fascinou foi a quantidade de perspetivas e de conversas paralelas — uma, em particular, deixou-me sem palavras por ser tão absurda e bonita. Com várias camadas, é um livro que precisa de ser abraçado com a perspetiva certa, uma vez que é dramático, sombrio e com doses de humor mordaz. Há alturas em que se torna afletivo, mas mostra-nos que nada é linear. Colou-se à minha pele.


 notas literárias
  • Desafio: Clube do Livra-te
  • Gatilhos: Alcoolismo, morte, luto
  • Lido entre: 12 e 16 de setembro
  • Formato de leitura: Físico
  • Género: Romance
  • Pontos fortes: Os diálogos, a capacidade de ser vulnerável, o ritmo
  • Personagem favorita: Zee
  • Banda sonora: Faryad, Black Cats & Kamyar | Don't Worry Be Happy, Bobby McFerrin | Gallery Piece, Of Montreal | Cotto Crown, Sonic Youth | True Love Will Find You In The End, Daniel Johnston

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