Entrelinhas #21

Imagem retirada do google

«A tranquilidade de um cruzeiro ao longo do Nilo é ensombrada pela descoberta do cadáver de Linnet Ridgeway»

Morte no Nilo, de Agatha Christie, é uma releitura. Ofereceram-me o livro há uns anos e foi nessa altura que o fiquei a conhecer. Quando voltei a pegar nele, durante um processo de arrumações, a única coisa que me lembrava era da rapidez com que o terminei, mas a sua história estava distante. Vaga. Como se nunca o tivesse lido. Por isso, assim que concluí O Cão dos Baskervilles aventurei-me neste romance policial.

O primeiro capítulo faz-nos uma espécie de resumo de todas as personagens e o seus pontos de vista. Em comum têm o fascino pelo Egipto. E é durante uma viagem até este destino que os seus caminhos se cruzam. E de uma forma trágica: através de um crime. Linnet Ridgeway é proprietária de uma riqueza avultada e exibe uma beleza que não passa despercebida. Inevitavelmente, estes dois fatores despertam várias reações e sentimentos nas pessoas, mas nem todos serão agradáveis. Após o seu assassinato, todos os passageiros são considerados suspeitos. E porquê? Porque não havia quem não tivesse algo a apontar a esta mulher tão distinta. Aquilo que se procurará descobrir é quem é que foi capaz de levar o seu ódio ao extremo, alvejando a vítima. E ainda que todas as pistas apontem na mesma direção, rapidamente compreendemos que nem tudo é o que parece. Um pouco à semelhança do livro de Arthur Conan Doyle [aqui], quando pensamos estar perto de alcançar a verdade, surge uma nova informação, mais uma reviravolta, e voltamos ao ponto de partida.

Envolta num grande clima de suspense e mistério, a história avança de uma forma que nos deixa constantemente intrigados. Há várias coincidências estranhas, que acabam por se revelar um pouco premeditadas, razão pela qual é necessário estar com atenção aos detalhes, que em determinados momentos me pareceram excessivos, tornando a leitura um pouco confusa. Contudo, a narrativa prende-nos desde o início e é bastante interessante. Com uma carga psicológica acentuada, percebemos que os motivos que movem as personagens são complexos. E é através de Hercule Poirot, que vamos reconstruindo os passos do assassino, uma vez que este detetive a bordo do cruzeiro provoca situações de contacto com todos os suspeitos, procurando retirar informações úteis e que o permitam avançar na sua investigação. Aqui importa salientar a inteligência e perspicácia de Poirot que consegue chegar a todos os passageiros de uma forma subtil, sem, no entanto, perder a sua frontalidade. Muito naturalmente, assume um papel de destaque nesta obra. E leva o leitor a questionar-se. E a criar as suas próprias teorias.

O caso em si é bastante curioso, porque aborda uma série de temáticas que facilmente poderiam ser a principal explicação para o crime: ódio, egoísmo, ambição, traição, amizade por interesse, vingança, mágoa. E é a busca pela verdade que nos revela a origem deste homicídio. As pistas, que são lançadas no decorrer da ação, fazem-nos perceber as ligações que se criam e aquelas que se desfazem. E mesmo sendo uma obra ficcional, conseguimos identificar aspetos que poderiam ser bem reais. Há um conjunto de acontecimentos suspeitos e uma tentativa regular de distrair as atenções, para que o crime se realize. As peças acabam por se encaixar, ainda que o plano tenha sido mutíssimo bem construído.

Aparentemente, é apenas um crime com imensos suspeitos, mas o caso complica-se. E a sua resolução é completamente inesperada!

Deixo-vos, agora, com algumas citações:

«- Não imaginas a inveja que sinto de ti, Linnet. Tens simplesmente tudo. Com vinte anos, és senhora de ti, tens uma fortuna colossal, boa figura, saúde perfeita. Até és inteligente! Quando é que fazes vinte e um anos?» (p:11);

«- Então se eu perdesse o meu dinheiro todo, abandonavas-me sem hesitar?

- Claro que te abandonava, querida. Não podes acusar-me de falta de franqueza! Só gosto de pessoas de sucesso. E hás-de descobrir que se passa o mesmo com quase toda a gente...» (p:13);

«- Ora, eu não tenho medo da morte! Que é que eu tenho a esperar da vida, afinal? Acha errado matar uma pessoa que nos fez mal... mesmo que ela nos tenha roubado tudo o que temos no mundo?» (p:63);

«- O seu instinto revelou-se acertado - disse ele. - Aconteceu.

Poirot endireitou-se e perguntou bruscamente: - Que é que aconteceu?

- Linnet Doyle morreu... com um tiro na cabeça ontem à noite» (p:126);

«Mas, meus amigos, se essa ideia preconcebida estivesse errada, a situação alterava-se por completo. E estava errada! Não se tratou de nenhum crime espontâneo cometido num impulso. Foi, pelo contrário, muito cuidadosamente planeado, o momento em que ocorreu determinado com grande rigor e todos os pormenores meticulosamente estudados de antemão, incluindo a droga introduzida na garrafa de vinho de Hercule Poirot na noite em questão» (p:253);

«Nesse momento, ela sorriu-lhe. - Não importa, Simon - disse ele. - Foi um jogo de tolos e perdemos. Mais nada» (p:269)