UMA NÊSPERA NO CU

Fotografia da minha autoria



«Dilemas debatidos sem filtros»


A Nêspera começou por ser um podcast/uma websérie, que deu lugar a um espetáculo ao vivo e, mais tarde, a um musical, depois de Bruno Nogueira, Filipe Melo e Nuno Markl terem acabado e jurado nunca mais voltar. Mentiram descaradamente, porque «não tinham nada melhor para fazer». No entanto, na altura, compensou.

A premissa deste projeto é simples, afinal, só pretendem debater dilemas. O problema é que não têm filtros e os dilemas são moralmente questionáveis. Inclusive, Nuno Markl afirmou que este assunto «quase lhes destruiu as vidas e as carreiras», portanto, seria impensável, em 2023, resgatarem Uma Nêspera no Cu.

Errado! O trio responsável por este projeto de culto - e que é o maior pesadelo deles - reuniu-se e regressou com mais questões perturbadoras e muita insanidade, quando já ninguém acreditava ser possível. No Como é Que o Bicho Mexe, por vezes, houve pequenas recordações desses tempos. No próprio podcast do Bruno Nogueira, quando o Nuno e o Filipe são convidados, recuperam essa energia caótica, ainda assim, não achei que fosse viável voltar a tê-los no registo inicial da Nêspera. Fico feliz por reconhecer que estava enganada.


O que mais me fascina nesta ideia, ao fim deste tempo todo, é a ausência de filtros. É perceber que estão ali três amigos a conversar, sem estarem preocupados com o que os outros poderão dizer/achar, sem se policiarem nos diálogos, com receio de melindrar alguém. Tudo ofende toda a gente, mais cedo ou mais tarde, como o Bruno escreveu numa das suas crónicas, portanto, se estivermos sempre a medir as palavras, vamos deixar de comunicar uns com os outros. Pior, começaremos a parecer robots, porque sentiremos necessidade de polir o nosso discurso ao máximo. Ali, a ofensa não é gratuita, mas penso no início do espetáculo e sei que haveria quem se fosse sentir atacado. Revisito algumas passagens da noite de sábado e sei que cairiam mal para alguns. Se calhar, o mais fácil seria não regressar com este formato, embora o público da Nêspera saiba ao que vai. Mas, como também nunca seguiram o politicamente correto, é claro que teriam de ousar.

Agora que os vi em palco, reforço um pensamento: parecem miúdos a fazerem macacadas e a divertirem-se com isso; parecem miúdos inconsequentes, naquela fase da vida em que as nossas ações parecem ter pouco peso. Eles reproduzem conversas que poderiam ter em privado, conversas que qualquer um de nós poderia ter em família ou entre amigos, com a diferença que estão a atuar para uma sala lotada, num espetáculo que está a ser gravado. Mesmo que o guião seja construído para entreter, porque há dinâmicas pensadas, ritmos que não se podem perder e participações especiais, quando estão os três é tudo orgânico. Há liberdade e inocência, porque estão só a ser eles, sem se levarem demasiado a sério. Este formato talvez não funcionasse com outras pessoas, com eles resulta na perfeição: é que as personalidades deles complementam-se.

Não vou particularizar momentos por duas razões: 1) seria impensável escolher no meio de tantas pérolas; 2) eles ainda atuam dia 20, na Super Bock Arena, e, como não sei se repetirão alguma dinâmica/participação, prefiro não correr o risco de estragar a surpresa. Eu sabia ao que ia, não sabia o que ia encontrar e creio que essa é a magia do espetáculo. Ainda assim, tenho de partilhar uma nota: é preciso ter uma enorme consideração pelos três e por este projeto, porque não era qualquer artista que aceitava fazer parte do mesmo sabendo que estaria em palco segundos. Acho que isso diz muito sobre a credibilidade deste trio singular.

Uma Nêspera no Cu foi igual a si próprio: brilhante, com azares, muita javardice, angústias, música, telefonemas comprometedores e quase três horas a rir. Repetiria a experiência sem qualquer hesitação.

Comentários

  1. Fui atraída pelo título inusitado, e ao ler sobre o podcast, achei que a proposta deveria ser multiplicada e espalhada pelo mundo, já que nos dias de hoje, qualquer coisa que se diga é ofensivo, é proibido, é motivo para brigas.
    Aqui no Brasil pessoas - artistas e anônimos - são humilhadas e canceladas todos os dias. Triste ponto onde chegamos.

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    1. Estamos numa altura em que tudo serve para agredir, para ofender; estamos numa altura em que tudo é interpretado com segundas intenções. Acredito que projetos como estes nos ajudam a centrar e a compreender que há coisas que apenas são ditas com o propósito de entreter

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  2. Deve ter sido um espetáculo memorável. Tenho de me aventurar num espetáculo deste género, nunca experimentei.
    Beijinho grande, minha querida.

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    1. Foi mesmo, mesmo minha querida! Aconselho, porque nos proporciona experiências únicas

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  3. Adorava ter ido assistir *.* Mas senti-me presente atraves das tuas palavras :)

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  4. Também fui ver e adorei! :)

    www.amarcadamarta.pt

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  5. Que deve ter sido bastante interessante, mas ainda não conhecia
    Mas gostei de conhecer um pouco mais
    Beijinhos
    Novo post
    Tem Post Novo Diariamente

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  6. Tenho visto muito sobre isto a circular nas redes 😄

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