FAVORITOS DE 2023:
OS LIVROS

Fotografia da minha autoria



«Não há problema que a leitura não possa solucionar»


Os meus planos literários nunca são demasiado ponderados, nem ambiciosos. Gosto de traçar objetivos, colmatar faltas em leituras inclusivas e definir alguns títulos para o ano em questão, mas nada que me condicione, que torne esta experiência obrigatória, porque também quero que seja pautada de surpresas.

Respeitando a lógica anterior, priorizei o Alma Lusitana e o Clube Leituras Descomplicadas (como partilhei aqui) e, depois, parti à descoberta. Além disso, comprometi-me a só comprar livros em três ocasiões específicas - aniversário, Feira do Livro do Porto e Natal. Embora tenha quebrado o pacto nos últimos dois meses, foi uma missão conseguida. Aliás, acho que a minha maior vitória foi diminuir a pilha que tinha por ler.

As duas caixas de madeira estavam completas e ainda me parece estranho, agora, vê-las tão vazias: restam-me dois exemplares e acho que isto nunca me tinha acontecido antes, porque também nunca tinha assumido este compromisso com tanta consciência. O meu objetivo não é ter a tbr a zero, apenas diminuir o tempo entre comprar e ler os livros, mas foi incrível sentir que 1) conseguia, se o quisesse; 2) finalmente, priorizei todas as histórias que estavam cá em casa à espera do seu momento. Entretanto, já comecei a prepará-las para 2024.

As palavras foram o meu alento em vários dias e viajei muito através das obras de autores que admiro e autores que li pela primeira vez. Nem todas as histórias foram incríveis, tive mesmo alguns erros de casting, no entanto, de um modo geral, foi um ano literário fabuloso, o que dificultou a tarefa de escolher favoritos.

Nos anos anteriores, partilhei convosco a rubrica «12 meses, 12...», mas senti necessidade de reestruturar toda a dinâmica por causa dos livros: seria impensável, emocionalmente impossível, escolher só um livro por mês, quando houve meses com tantas narrativas memoráveis, transformadoras, que me arrebataram. Assim, a lista foi mudada quase até ao último segundo, mas eis os 17 livros que ficaram com todo o meu coração.


 as coisas que faltam, rita da nova (opinião completa)


É impressionante como nos pode pesar tanto o que não conhecemos e como há ciclos que, inconscientemente, tendemos a repetir. Mas, no meio de tudo o que sentimos estar em falta, vamos compreendendo o que nos pertence, qual é o nosso lugar. As Coisas Que Faltam é tudo o que nos representa.

 mar alto, caleb azumah nelson (opinião completa)


A narrativa parece uma dança lenta e sedutora, ora envolvente, ora esquiva, fazendo-nos rodopiar por uma série de questões que nos moldam na nossa humanidade, que nos obrigam a sair da nossa bolha e a compreender que nem todos sabemos o que é sair de casa a desconhecer como voltaremos, porque somos colocados num perfil único e correspondemos sempre «à descrição». Embora preferisse que os episódios de racismo tivessem outra contextualização e surgissem com outra fluidez, é interessante perceber como é que afetam o protagonista, como é que minam os elos que tenta criar; como é que o trauma é tão limitativo.

 m train, patti smith (opinião completa)


O mundo que habita nestas páginas é fascinante, mas aquilo que me atraiu foi a sua capacidade para escrever sobre tudo e coisa nenhuma com o mesmo nível de entusiasmo. Aliás, dentro da banalidade dos dias, é a maneira como descreve as mais diversas situações que eleva a experiência, porque ajuda a criar uma proximidade palpável, mesmo que saibamos que não. Por isso, achei esta viagem tão bonita e difícil de largar.

 na terra somos brevemente magníficos, ocean vuong (opinião completa)


A capacidade de transformar uma narrativa triste em algo belo é surpreendente, desarmante, porque nos orienta para outra camada interpretativa. Como é que um autor o consegue fazer com tanta subtileza, como se fossem partes indissociáveis? Talvez nunca o venha a descobrir, mas Ocean Vuong elevou a fasquia.

 a breve história da menina eterna, rute simões ribeiro (opinião completa)


Nesta obra, a autora convida-nos a pensar sobre finitude, sobre o modo como observamos o mundo e sobre a ingenuidade que nos habita. Dentro de um ambiente de quimera, que nos inquieta pelo que não é dito, A Breve História da Menina Eterna transborda de poesia e de simbolismo, porque estas páginas leem-se num sopro, mas ficam. Além disso, é impressionante como vemos a M a florescer - e como nós renascemos com ela.

 obras completas volume I, maria judite de carvalho (opinião completa)


Há, nestas páginas, uma solidão e uma tristeza partilhadas e é maravilhoso perceber que a literatura tem a capacidade de nos abraçar desta maneira. Além disso, mostra-nos que existe uma certa beleza na melancolia.

 ainda bem que a minha mãe morreu, jennette mccurdy (opinião completa)


Ainda Bem Que a Minha Mãe Morreu é um título que perturba por si só, no entanto, avançar nesta leitura é perceber que este detalhe é o que nos chocará em menor escala. Perdoem-me o spoiler e a aparente indelicadeza, mas ainda bem que o desfecho foi este, porque foi a maneira de Jennette respirar e renascer.

 três mulheres no beiral, susana piedade (opinião completa)


É extraordinário perceber como é que a cidade e as personagens se interligam, como é que as vidas de várias gerações ficam condicionadas por medos, por segredos, pela perda que tem tantos rostos e emoções. Há muitas sombras a interferir com as vivências desta família, mas também existe muito amor. E mesmo no meio da crueldade evidente, influenciada por interesses mesquinhos, percebe-se que, lá no fundo, existe um resto de dignidade, que só o amor pode reconhecer - ou procurar resgatar, para que não se repitam desgostos.

 a natureza da mordida, carla madeira


Há tanta perda nesta narrativa. Há dor, há sofrimento, há uma vulnerabilidade que só pode ser partilhada pela mágoa. No entanto, também há amor e braços que se amparam na queda, na loucura, na exasperação daquilo que não é compreendido. Eu acredito que é sempre preferível saber a verdade, por mais que dilacere, ao desconhecimento: assim, temos sempre formas de encerrar um capítulo, mesmo que demore. Não saber apenas prolonga a ferida. E é nesta dualidade de pensamentos que acompanhamos as protagonistas; é nesta dualidade que exploramos muitos mais temas e problemas de vidas comuns, que encontram uma forma de cruzarem os seus caminhos e de se reconhecerem, como se as suas vivências fossem um espelho: há tragédias que a vida sabe tornar transversais. Além disso, é um retrato que transborda poesia, que nos mostra como as relações de amizade são tão poderosas e como tudo pode desaparecer em segundos, porque estava tudo lá e nós não vimos. E estar, por vezes, pode ser a pior maneira de repararmos.

 mary john, ana pessoa (opinião completa)


Mary John é uma longa carta dirigida a Júlio Pirata, na qual Maria João, a protagonista, faz um balanço de tudo o que viveram juntos. O relato é melancólico, é engraçado, é comovente, por esse motivo, transforma-se numa viagem de reencontro, de despedida, de mudança e, inclusive, de catarse. Acho que a Andreia adolescente teria beneficiado de um livro assim, porque é um retrato verosímil do desnorte, da dificuldade que é construirmos a nossa identidade, do impacto que certas relações/pessoas têm na nossa vida.

o terceiro país, karina sainz borgo


O ambiente é de violência, guerrilha e de uma enorme tensão. Além disso, demonstra que a miséria humana pode ter várias camadas e vários rostos. Por outro lado, é um retrato impressionante da resistência e da lealdade entre duas mulheres carismáticas, que se recusam a desistir. Ainda que tenham motivos distintos, amparam-se na mesma luta, enfrentando os perigos de uma terra onde o conflito está sempre à espreita. Foi impossível largar esta leitura, não só pela história em si, mas também pelo modo como as personagens se relacionam. Há um traço muito real nos seus comportamentos, portanto, é fácil envolvermo-nos nas perdas, nos dilemas, na dança que as faz oscilar entre o bem e o mal, entre o certo e o errado.

 misericórdia, lídia jorge (opinião completa)


Misericórdia responde a um desejo da mãe da autora, que «tantas vezes lhe pediu que escrevesse um livro com este título», porque achava que «havia um desentendimento, no tratamento das pessoas, achava que as pessoas procuravam ser amadas, mas não as entendiam». No fundo, era a sua maneira de alertar para a necessidade de haver mais compaixão e de tratarmos o outro como se estivesse «na plenitude da vida».

 deixa-te de mentiras, philippe besson


Este livro não precisa de mais nenhuma palavra, tem a medida certa. É triste, é poético, é um testemunho honesto sobre perda e identidade - e todas as formas que ambas podem assumir. É sobre mentiras - as que contamos aos outros e a nós. E é a prova que, muitas vezes, não há falta de coragem, há desamparo. Há muitas coisas aqui que não são aquilo que deve ser o amor, há muitos aspetos que são gatilhos, mas comovi-me muito com o último capítulo, porque reflete o vazio e o desencontro. Quando não sabemos quem somos, impedimos que o outro entre na nossa vida, erguemos muros em vez de pontes e podemos acabar a construir relações tóxicas. Acho que o narrador sabia isso e preferiu ignorá-lo, talvez por ter visto algo que nos escapou a todos. Philippe foi mesmo feito para outras paragens, só isso o permitiria escrever com tanta sensibilidade.

 enquanto vamos sobrevivendo a esta doença fatal, nelson nunes (opinião completa)


Neste livro, construído de uma forma cuidada e intimista, transitamos entre o lado científico e o lado humano da morte, observámo-la a partir de inúmeras vozes, visões e emoções. Com testemunhos que emocionam, Enquanto Vamos Sobrevivendo a Esta Doença Fatal também nos aproxima: no medo, na fragilidade, nas dúvidas e no facto de precisarmos todos de gerir o processo de luto. O objetivo não é ser mórbido, muito menos diminuir a maneira como podemos encarar a morte: o grande objetivo desta obra é, antes, diminuir o choque e deixar-nos mais conscientes. Através de cada um dos testemunhos reunidos, vamos compreendendo que não estamos sozinhos, que é possível prosseguir e que sentir saudades talvez possa ser algo bom.

estendais, gisela casimiro (opinião completa)


As histórias vão-se estendendo como a roupa que prendemos no estendal, em dias solarengos. Enquanto esperamos que ela seque, existem novos detalhes à espreita, só temos de permanecer atentos. Com a desculpa «é só mais uma crónica», este livro foi lido num piscar de olhos, porque não o queria largar. Há muito amor, mas também há penumbra. Há nostalgia, vulnerabilidade e humor. E há verdade e o compromisso de ver o lado bonito dos dias. Escusado será dizer que, agora, quero ler tudo o que a Gisela Casimiro escrever.

olá, linda, ann napolitano


O livro de Ann Napolitano escalou muito rápido para a minha lista de favoritos: pelos contrastes familiares, por não complicar e, ainda assim, trazer temas um pouco complexos, por ter um contexto comovente (saber a origem do título desarmou-me por completo) e pela própria construção das personagens. Aquilo que a autora fez com esta história é absolutamente extraordinário! Quando cheguei ao fim, fiquei cheia de vontade de prolongar a narrativa, porque sinto que há ali um vínculo que merece continuação. Mesmo que não a tenha, Olá, Linda marcou por cada camada que vamos desconstruindo, como se fosse um novelo.

 aqui dentro faz muito barulho, bruno nogueira (opinião completa)


As palavras pesam, mas também têm o dom de nos deixarem mais leves. São impulso e são conforto. São uma forma de tornar os nossos pensamentos mais justos, mais lúcidos, mas também nos comovem. E é esta viagem dicotómica, tão bem entrelaçada, que encontramos nas crónicas do Bruno Nogueira.


Que livros marcaram o vosso ano?

Comentários

  1. Cem Anos de Perdão - João Tordo; COVID-19 - Testemunho de um Sobrevivente - Daniel Sampaio; Um sonho só Nosso - Elisabete Martins de Oliveira e Ano Sábático - João Tordo.

    Beijinho grande, minha querida. E um 2024 recheadinho de realizações <3

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    1. Parece-me uma bela lista! Tenho mesmo de ler Cem Anos de Perdão

      Obrigada e igualmente, minha querida

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  2. Que ainda foram bastante livros que ficaram favoritos, acho que me parece mais uma boa sugestão para se conhecer
    Um Feliz Ano Novo

    Beijinhos
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    Tem Post Novo Diariamente

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    1. Este ano, foi mesmo muito difícil reduzir a lista!
      Obrigada e igualmente, Sofia

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  3. Estou a ler o Aqui Dentro Faz Barulho devagarinho e a deliciar-me para demorar a terminar :) Porque esta a fazer-me bem :) Por aqui voltei às leituras e so faltou um para completar o numero do GoodReads e so nao consegui porque fiquei doente no final do ano... ainda a recuperar estou a arranjar forçar para continuar o que comecei :)

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    1. Percebo, é mesmo daquelas obras que dá vontade que nunca cheguem ao fim!
      As melhoras, minha querida 💛

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  4. Conheço alguns de nome, mas ainda não li.

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    1. Pode ser que os descubras este ano, se te fizer sentido 😊

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