notas literárias fev'24

Fotografia da minha autoria



A banda sonora de uma viagem literária


Uma manta de retalhos é a imagem que associo sempre a esta playlist, até porque procura acompanhar as diferentes energias das leituras mensais. Ainda assim, acho que estas canções se unem através de um traço muito emocional, intimista. Há uma espécie de viagem nostálgica ao passado. Mas, depois, mais para o final, há um tema para dançarmos, porque a vida também se faz de festa. E estes pólos coexistem em harmonia.


mana, joana estrela
Da Mesma Pele, Irma O livro da Joana Estrela retrata a relação oscilante entre duas irmãs e, durante a leitura, lembrei-me de alguns versos deste tema da Irma: «somos da mesma pele», «eu não sinto que há ferida/mas sei que há uma dor», «um amor que transborda» e «eu não te vou largar». Porque, por maiores que sejam as brigas, por maiores que sejam as queixas, há laços que se vão estreitando com o tempo. Podem andar às turras, mas não se largam.

rugas, paco roca
Demência, Alda Este tema prolonga bem o retrato da novela gráfica de Paco Roca, uma vez que, como o nome indica, se foca no desenrolar da demência, nas noções que se perdem, no desnorte, nos pequenos rasgos de lucidez que se dissipam. «Quem foi que me roubou?» talvez seja o verso que descreve melhor a sensação do protagonista, já que há um roubo de identidade, das suas faculdades e da capacidade de ser autónomo. E, pelo meio, o futuro afigura-se turvo.

toda a ferida é uma beleza, djaimilia pereira de almeida
Ferida, Inês Apenas Fui à procura de uma canção para esta leitura e senti que a da Inês cumpria os requisitos que procurava: pela melodia mais melancólica, com uma certa fatalidade nas entrelinhas, e por espelhar imagens que consegui encontrar no livro da Djaimilia. Quando a artista canta «A luz não salvou ninguém», imaginei a protagonista a emergir da escuridão e a salvar-se. Quando canta «Cortam-te o passo», vi todos os momentos em que tentaram oprimir Maria, que apenas queria ser ela própria. Por fim, quando canta «mais uma ferida», vi o duro golpe que sofreu, a juntar a todos os outros. Mas Maria acordou «sempre para o amor».

stoner, john williams
True Love Will Find You In The End, Someone & Benjamin Longman O livro de John Williams orbita num mundo académico, com uma certa formalidade, mas senti sempre que um dos pontos centrais deste livro era o amor e as várias formas que pode assumir - pensamento que vi validado quando cheguei ao Posfácio. Por esse motivo, achei que esta canção seria uma excelente associação, porque, sem o fazer de uma forma audível, Stoner procurou sempre amor em tudo o que fazia e tudo o que fez foi movido pela sua essência.

morte no estádio, francisco josé viegas
Neblina, Luar, Rita Onofre & Sara Cruz Sinto que a história deste livro é uma interminável neblina. Não é que a escrita seja complexa de acompanhar, mas parece que nunca conseguimos ver tudo, parece que há ali um manto que nos impede de olhar mais longe e de unir as pontas soltas. Assim, e por haver uma personagem que menciona algumas vezes a neblina da cidade, lembrei-me desta canção. Depois, acho que o verso «Tropecei na carência a meio da subida» também descreve um pouco daquilo que se passa neste enredo.

vale a pena?, inês fonseca santos
Cavaleiro Andante, Rui Veloso Quando, durante a leitura, me cruzei com a referência a uma BD denominada «O Cavaleiro Andante», é claro que fui logo transportada para a canção do Rui Veloso. E como a letra parece saída de um livro, e esta obra se foca em vários escritores, senti que era a simbiose perfeita. Além disso, podemos chorar as «mágoas e as desventuras», podemos ir chorar «longe de tudo o que é mau», porque haverá sempre uma história para nos confortar.

anatomia, dana schwartz
Strange Birds, Birdy Queria uma melodia melancólica, algo sombria, que acompanhasse a energia desta história. Deste modo, procurei por uma playlist com o nome do livro e a da Birdy serviu-me na perfeição: pelo ritmo, pela voz que poderia ter embalado a leitura e, também, pelos versos «You see the truth», «I walk the halls invisibly» e «I want to be heard», porque Hazel (a protagonista) soube sempre ler as pessoas que a rodeavam e movimentar-se de uma forma cuidada, por vezes invisível, para conseguir chegar onde não era bem-vinda, até que chegou ao momento em que se fez mesmo ouvir, porque também tinha uma palavra a dizer. As suas asas feridas foram batendo sempre com mais força, levantando voo.

impostora, r. f. kuang
Vigilante Shit, Taylor Swift Há um momento da narrativa em que a narradora/protagonista afirma que, tal como a Taylor Swift, «não tinha nenhuma intenção de [se] tornar uma Barbie supremacista branca». E eu senti que June, para ter algum tipo de redenção, precisava da música de uma artista que, durante demasiado tempo, teve de lutar para reaver o controlo da sua arte. E é curioso como, creio, estariam as duas em planos opostos desta luta. Portanto, optei pelo tema «Vigilante Shit» muito por causa destes versos: «she's been dressing for revenge» (porque June, no fundo, estava à procura de se vingar de algo que sempre sentiu que lhe aconteceu) e «Ladies always rise above» (porque June, perdoem-me o spoiler, conseguiu sempre dar a volta por cima».

a época das rosas, chloé wary
Mulheres, Edmundo Inácio O cenário retratado no tema do Edmundo Inácio difere daquele que encontramos na novela gráfica de Chloé Wary. Ainda assim, fez-me todo o sentido juntá-los, porque ambos colocam uma bandeira na desigualdade de género, no quanto as mulheres ficam sempre em segundo plano, nas injustiças que sofrem na pele e no quanto têm de se esforçar sempre mais, mesmo que as competências, o talento, a inteligência fossem suficientes para vencerem. Num mundo que permanece tão desigual, ainda tão patriarcal/machista, músicas e livros com estas mensagens são imperativos.

e então, lembro-me, catarina costa
Autumnus, Lemos ▫️ A música assume um vínculo muito importante para Laila e, como há uma personagem que alimenta esta sua presença, ao longo da narrativa, ela aproveita para serenar ao som das melodias «sem vozes». Como, neste caso, a personagem em questão tocava piano, senti que o tema mais recente do Lemos seria uma belíssima associação.

deus na escuridão, valter hugo mãe
Alma Nua, Van Zee ▫️ A história de Valter Hugo Mãe passa-se na ilha da Madeira, por isso, lembrei-me logo de um artista que é madeirense. O álbum do Van Zee, do.mar, tem vários títulos que me transportaram para a narrativa, mas achei que este se enquadrava melhor, porque a alma dos protagonistas esteve sempre a nu, a demonstrar a sua verdadeira essência e todo o amor que lhes corre por dentro. Além disso, quando ele canta «diz-me se vale a pena, ya, viver para esta luta», quase que ouço Felicíssimo Irmão a responder que sim. Esta família pode ter perdido «o chão» algumas vezes, mas nunca perdeu o amor.

canção doce, leïla slimani
Beauty and The Beast Piano, The Bedtime Fairies ▫️ O contexto desta história funde-se com a imagem de uma canção de embalar: pelo cuidado da mãe e da ama e pela própria maneira de contar os acontecimentos, como se os fossemos desconstruindo lentamente. Por outro lado, o relato que nos chega não é totalmente terno. É, aliás, algo sombrio, perturbador. Por essa razão, ao percorrer uma playlist de «Canções de Ninar Disney», fui para o tema que, através do título, evidencia esta dicotomia. Assim, escolhi Beauty and The Beast, numa versão ao piano, porque a escrita e o cuidado são belos, mas todo o desenrolar da ação vai-nos mostrando um lado monstruoso da alma humana - que, neste caso, tal como no filme, não vem de um lugar desconexo. Mesmo que não seja desculpável, conseguimos compreender a sua origem.

filhos da chuva, álvaro curia
Despechá, Rosalía ▫️ A escolha deste tema, admito, é um pouco improvisada, digamos assim. E porquê? Porque, durante a apresentação do livro, e após questionado sobre músicas que ouviu durante o processo de construção do mesmo, o Álvaro referiu que ouviu muito os álbuns da Rosalía. Vai daí que, transportada para a Taberna (um dos locais da história), que estava sempre em festa, decidi escolher uma das poucas músicas da artista que eu ouço e que sinto que podem proporcionar esse ambiente festivo, com muita dança à mistura.

As minhas leituras de fevereiro ainda incluíram uma releitura: As Coisas Que Faltam, da Rita da Nova. No ano anterior, associei-lhe o tema Love Me More, do Sam Smith, e podem ler aqui a explicação.

Comentários

  1. Adoro a forma como associas músicas às tuas leituras *.*

    Vou guardar a playlist.

    Beijinho grande, minha querida!

    ResponderEliminar
  2. Que belas sugestoes *.* Gosto tanto desta associacao :) Ja tenho companhia para a tarde :) Muito obrigada pela partilha *.*

    ResponderEliminar
  3. Ainda não li nenhum dos livros mencionados, mas talvez lhes dê uma chance 😊

    ResponderEliminar

Enviar um comentário